Como escrevi na segunda matéria desta série, Carlos Roberto Lupi foi picado pela mosca azul em dezembro de 2006, depois de ser recebido em Palácio pelo presidente Lula, que lhe arrancou algumas sonoras gargalhadas no jogo de cena montado por um clima de rasgada informalidade – característica pessoal do príncipe operário.
Ali, ficou claro que Lula não chamaria Miro, como fez na montagem do primeiro governo, quando quis agradar Roberto Marinho, desprezando solenemente a opinião do caudilho Leonel Brizola.
Lula deixou claro que queria o PDT “de porteira fechada”, no cabresto, para compensar a bancada pequena, em relação a outros aliados. E só Lupi, que segurou o partido depois da morte de Brizola, em junho de 2004, estava apto a assumir esse tipo de compromisso.
Um olho no padre e outro na missa
Mesmo assim, continuava com “um olho no padre e outro na missa”. Embora o presidente tenha dito que só trataria do engajamento do PDT depois de atender aos interesses de várias facções do PMDB, que voltara a ter a maior bancada na Câmara, Lupi achou prudente antecipar-se, evitando um debate mais amplo sobre a adesão.
Daí ter convocado a reunião do Diretório Nacional, que sacramentaria o congelamento do discurso brizolista de oposição, para a tarde quente de 12 de janeiro. E o fez com muita competência, ao chamar para ajudá-lo próceres históricos do partido, como Cibilis Viana e Alceu Colares, além do ex-governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, que havia sido garfado por Collor na disputa pelo Senado, e o prefeito de Salvador, João Henrique Carneiro, que ainda não havia se mudado para o PMDB, cujo pai, o ex-governador João Durval Carneiro, havia sido o único senador eleito pela legenda em 2006. Todos engrossariam o discurso de um novo pragmatismo.
Embora já estivesse credenciado para negociar desde aquela tarde, Lupi teve que esperar o carnaval passar. Só depois, no final de fevereiro, receberia sinais de que o governo, que até hoje registrou 80 posses de ministros, incluiria o PDT no seu primeiro escalão.
A previdência satisfaz
No início de março, o Ministério da Previdência Social passou a desenhar-se como o “espaço” a ser aberto e o nome de Lupi já se consolidava como o mais provável ungido pelo Palácio.
Já naquele momento, não se falava mais em exigências políticas, mas na FULANIZAÇÃO DO PODER. No dia 9, O GLOBO publicou entrevista de Lupi, no qual ele dizia que o seu partido “se sentia plenamente contemplado com a Previdência”.
Nessa matéria, ao ser perguntado sobre os ministeriáveis do PDT, respondeu:
“O partido é democrático. Temos o secretário-geral, Manuel Dias, o ex-governador Ronaldo Lessa (AL), os deputados Miro Teixeira (RJ) e Alceu Colares (RS), apesar de Miro já ter informado de que pretende continuar na Câmara. Enfim, temos muitos nomes aptos”.
Naquele momento, porém, Lula estava uma arara com a bancada do PDT, especialmente com o líder Miro Teixeira, que, numa resposta à preferência de Lula por Lupi, puxou o apoio de outros 19 dos 23 correligionários à CPI do Apagão Aéreo proposta pelo tucano Otávio Leite.
O tropeço na CPI do apagão aéreo
Isso pôs em risco o ministério destinado ao partido, conforme relato de Josias de Souza, na FOLHA DE SÃO PAULO:
“Desde a última quarta-feira (8), está abespinhado com o comportamento do PDT. O partido recusou-se em dar suporte aos esforços do governo para sepultar, na Câmara, a CPI do Apagão Aéreo, proposta pelo PSDB. Assim como Marta, Lupi não recebeu, até a noite de domingo, nenhum aceno do Planalto.
Alertado acerca da motivação da demora, o presidente do PDT deu de ombros: “Nem o governo tem a obrigação de dar nada para nós nem nos estamos exigindo nada. Se querem encontrar um motivo para não nos dar a Previdência, que arranjem outro. Essa desculpa da CPI não cola. Estamos acostumados a cafezinho e água. O máximo que pode acontecer é passarmos a água e cafezinho.”
Lupi recebeu na quarta-feira (7) um telefonema de Tarso Genro. O ministro das Relações Institucionais pediu que interviesse para que os deputados do PDT retirassem as assinaturas do requerimento de convocação da CPI do Apagão. Lupi estava desinformado sobre o tema.
Tarso encareceu que ligasse para o deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo na Câmara. Em telefonema a Albuquerque, Lupi inteirou-se da encrenca. Discou também para Miro Teixeira, líder do PDT. Ouviu dele que a retirada de assinaturas do requerimento da CPI desmoralizaria o partido.
Miro disse-lhe que o Planalto errava ao enxergar na CPI uma ameaça ao governo. Concordou. Depois, sob a liderança de Miro, o PDT negou-se a votar a favor de um recurso do PT questionando a legalidade da CPI. Daí a irritação de Lula”.
A ordem para a bancada voltar atrás
O desabafo de Lupi (“Se querem encontrar um motivo para não nos dar a Previdência, que arranjem outro”) frustrou o grupo que já se sentia atravessando a soleira do poder. Ele teve que sair conversando, um a um, para reverter a posição da quase totalidade da bancada.
Aos amigos mais próximos, lembrou que no dia 16 estaria completando 50 anos de idade. “Eu mereço um presente” – dizia, rindo. No dia 13, o ministro Tarso Genro, que respondia pela articulação política, informou oficialmente que a intenção do presidente seria nomeá-lo para o Ministério da Previdência, mas era preciso demonstrar na prática o grau de fidelidade do partido dentro da base governamental.
No dia 20, sob pressão do governo, recorreu a uma reunião da Executiva e divulgou uma nota oficial do PDT, recomendando que a bancada reformulasse a posição anterior e se posicionasse contra a CPI, lembrando que por decisão do Diretório Nacional o partido fazia parte da base de apoio ao governo.
Na nota, depois de ressalvar que 110 parlamentares da base aliada haviam assinado a CPI, não sendo, portanto, essa uma atitude rebelde dos seus correligionários, Carlos Roberto Lupi ponderou que PSDB e PFL poderiam transformar a CPI em palanque eleitoral.
Nesse episódio, a controvérsia foi decidida pelo STF que, em decisão unânime, no dia 25 de março, determinou ao presidente da Câmara a imediata instalação da CPI, que funcionou até setembro sem causar arranhões ao governo. Com essa postura, a base aliada saiu perdendo porque a oposição também conseguiu instalar a mesma CPI no Senado, contando com a assinatura do pedetista Cristóvão Buarque.
Convidado por Lula e vetado pelo PT
Após a decisão do Supremo, Lula bateu o martelo: Lupi seria o novo ministro da Previdência, no lugar de Nelson Machado, que estava lá meio provisoriamente. Lupi ficou sabendo, porém, que não poderia mexer muito no Ministério. A Secretaria de Previdência Complementar, até hoje influenciada por Gushiken, era intocável. E não era a única. Tudo bem. Concordou.
Só não contava que o núcleo do PT no ministério iria vetá-lo, usando seus interlocutores da CUT e o ex-ministro Ricardo Berzoini. Para derrubá-lo antes mesmo de assumir, o grupo preparou um dossiê com os votos do PDT em matérias do interesse do governo na área. O mais recente conflito tinha sido no projeto que restringia o auxílio-doença.
Mas internamente, os petistas alegaram que Lupi ia ter a mão o super-orçamento da Previdência. Em relação ao Ministério do Trabalho, o orçamento de investimento do MPAS é três vezes maior. Daí o PT, que já perdera outros ministérios robustos de grana, não podia abrir mão da Previdência. Além disso, os petistas consideravam Lupi sem nenhum preparo para um ministério cujo maior desafio é reduzir seu déficit.
Às sete da noite de terça-feira, 27, 48 horas antes da posse no Ministério da Previdência, Lula chamou Lupi ao Palácio e informou que estava desconvidando-o para aquele cargo.
À tarde, chegou a sondar se o PDT não teria um “quadro técnico” para a pasta, mas a essa altura isso tiraria o caráter político da escolha, levando os parlamentares a uma reação pública. "O Lupi é o único que une o partido. Qualquer outro nome dividiria o PDT", afirmou o deputado Pompeu de Mattos (PDT-RS), refletindo o sentimento dos colegas.
A troca inesperada no final do jogo
Quando Lupi chegou ao Palácio, Lula já havia telefonado para Luiz Marinho, ministro do Trabalho, ex-presidente da CUT e sindicalista do ABC, informando que iria deslocá-lo para a Previdência, porque não teria onde alojar o PDT em seu governo a não ser na sua cadeira.
- Chefe, isso é tirar o Ministério da CUT e entregar para a Força Sindical.
Lula garantiu que os cargos mais importantes permaneceriam, inclusive as superintendências regionais. “Ele leva o chefe de Gabinete, o secretário geral e uma coisinha aqui e outra ali” – teria dito.
A conversa do presidente com Lupi não durou mais de 20 minutos. Mas foi o suficiente para ele dizer que o velho Brizola se sentiria melhor no Ministério do Trabalho, que “teve em João Goulart o seu melhor ministro”.
Com a concordância de Lupi, o presidente voltou a ligar para o correligionário e marcou um encontro dos dois dentro de meia hora. Já era quase meia noite quando Lupi comunicou à bancada de deputados, através do líder Miro Teixeira, que tomaria posse no dia 29, mas como Ministro do Trabalho e Emprego.
O segundo veto que não pegou
No entanto, na noite da quarta-feira, 28, Lula recebeu em palácio uma comissão da CUT, encabeçada pela presidente interina, Carmen Faro, e pelo presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, Carlos Grana, que foram pedir a permanência de Marinho no Ministério do Trabalho.
"Viemos aqui falar que gostaríamos de manter o Marinho no Ministério do Trabalho pela postura que ele adotou. O presidente considerou importante a nossa colocação e disse que ia pensar sobre ela", disse Carmen Foro, à saída do encontro.
Embora tivesse prometido pensar no assunto, Lula foi dormir com a agenda determinada: na manhã do dia seguinte, deu por finalizada a dança das cadeiras, empossando cinco novos integrantes de sua equipe: Carlos Lupi (Trabalho), Miguel Jorge (Desenvolvimento, Indústria e Comércio), Alfredo Nascimento (Transportes), Luiz Marinho (Previdência) e Franklin Martins (Comunicação Social).
Naquela manhã de uma Brasília fria, aproveitou para explicar a mudança de última hora, com a alegação de que pretendia realizar uma nova reforma da Previdência. E Lupi não teria condições para essa tarefa.
coluna@pedroporfirio.com
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