domingo, 26 de abril de 2009

O fundo do poço

O grito de Gabeira levou à queda de Severino. Já o de Joaquim...
"Se começássemos a dizer claramente que a democracia é uma piada, um engano, uma fachada, uma falácia e uma mentira, talvez pudéssemos nos entender melhor." José Saramago, escritor português, Prêmio Nobel de Literatura.
“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.
Darcy Ribeiro, grande homem público brasileiro
É o fundo do poço. Já não se pode falar em podres poderes. Há que enfatizar: PODRES PODERES EM ADIANTADO ESTADO DE DECOMPOSIÇÃO. Por menos disso, a santa madre igreja encheu as ruas com as marchas das famílias, com Deus pela liberdade, oferecendo opinião pública para a derrubada de um governo constitucional naqueles idos tormentosos de 64. É o fundo do poço e não há para quem apelar. Nem para o verde da tropa, nem para a meninada de cara pintada, nem para a dissoluta classe operária, nem para a empolada “sociedade civil organizada”. A tropa já foi desmontada pelos mesmos que a inflaram, usaram e abusaram quando dela precisavam para tolher os patrióticos sonhos de independência nacional e transformação social. Os meninos de hoje já nascem envelhecidos pelos cantos das sereias. Ou estão no mundo da lua, perdidos na noite das fantasias alucinógenas, ou domados pela paranóia do gargalo do amanhã seletivo, ou capitularam pelas ofertas de algumas migalhas, nos perversos aparelhos políticos das entidades acadêmicas que um dia fulguraram. A classe operária virou o marisco massacrado pelo mar e o rochedo. Suas cidadelas fizeram-se antros vulgares de pelegos posudos e canalhas, sustentados pelo imposto sindical, pelo FAT e pelo delírio da mais cruel ficção – o companheiro no topo tornou-se o ópio das massas. A sociedade civil organizada está em concordata. Mal se sustenta sobre as pernas e, com mais discrição pela palidez do seu vulto senil, entregou-se a um obsequioso comportamento contemplativo. A remedá-las, sob a égide da trapaça, pululam os profissionais do mais recente grande negócio da modernidade – a penca de ONGs empalmadas por espertos falsos salvadores sociais, inventores da solidariedade profissionalizada. Não surpreende que o Congresso Nacional tenha se convertido num valhacouto de viciados espoliadores do erário, dados a todo tipo de excrescência, do saque patrimonialista explícito e descriminalizado à fartura das generosidades com o dinheiro público, na terra, no céu e no mar. Surpreendem menos ainda os espetáculos deprimentes protagonizados pelos maiores do Judiciário, ocupado hoje, da segunda instância para cima, por togados de poucas luzes, nenhum caráter e conhecimentos jurídicos precários, em função do que cada um faz sua própria leitura das leis. Na redoma de uma intocabilidade autoritária, tais empolados magistrados submetem o país a tantas aberrações que até entre eles tornou-se impossível evitar a exposição da roupa suja, como no futebol, conforme analogia da nossa magna patativa. O que estamos presenciando ao vivo e a cores, em tempo real, com nossos próprios olhos, é tão difamante que configura a falência múltipla do Estado dito democrático, de direito. É dramático constatar que esse regime político é altamente vulnerável à sanha dos mistificadores, numa mescla de ilusões e hipocrisias. Pode-se dizer qualquer coisa de quem quer que seja, mesmo dos titulares dos podres poderes. Mas todo o dito fica por não dito nessa democracia de ouvidos moucos e blindagens camufladas. O colega perde o controle e diz poucas e boas do magistrado a quem a nação foi apresentada pelo zelo na proteção de um banqueiro já condenado por alguns dos seus delitos. Mas daqui a uns dias, não se falará mais nisso, não se fará nada em conseqüência disso. Sem as premissas razoáveis para dispor da gestão das leis e decidindo ao seu alvedrio, sem terem sido submetidos a um concurso ou a uma seleção criteriosa, os ministros das cortes superiores de Justiça são dotados do bônus da total intocabilidade em seus cargos, nos quais permanecem até os 70 anos (o Congresso, irmão gêmeo do Judiciário, pretende garantir-lhes mais 5 anos de idílio paradisíaco). Escolhidos em eleições que não podem ser auditadas, onde o voto secreto foi substituído por urnas secretas, com muito dinheiro derramado em campanhas milionárias, ou abençoados pelas máquinas de chapa branca, nossos parlamentares se dedicam à pilhagem dos recursos públicos, sob a divina proteção das normas que fixam em causa própria, num turbilhão de safadezas e ignomínias. Os titulares do Executivo não ficam atrás – ou melhor, vão na frente – na esteira de negociatas e favorecimentos compensados por propinas gordas, percentualmente maiores do que as pagas aos garçons. Em todos esses podres poderes prosperam os mais indignos e subservientes, os capachos de ocasião, os “bons companheiros” de maus costumes, os cúmplices e testas de ferro dos colarinhos brancos. Daí termos chegado aonde chegamos, num mato sem cachorro, num deserto de homens de bem, num deslumbrado bordel de pouca vergonha, num circo em que os palhaços acotovelam-se na platéia, enquanto os malabaristas e os ilusionistas comandam o espetáculo. Esse é o fundo do poço, a moral em concordata, a honestidade na clandestinidade, o patriotismo nas calendas, o espírito público alcoolizado. Esse é o retrato colorido e sem retoque de uma nação inerte, domada, iludida, derrotada pela própria pequenez, fragilizada pela individualização exacerbada dos seus anseios, deformada pela transformação dos sonhos maiores em ambições menores, uma nação surda e muda, prostrada ao Alzheimer coletivo. O que o magistrado indignado disse do colega é apenas a ponta de um tenebroso iceberg. Essa farra das passagens é igualmente um mero sintoma da síndrome da mais assumida imoralidade jamais reinante na história republicana brasileira. E tudo porque o povo brasileiro – você, inclusive – já perdeu a capacidade de se indignar e reagir. coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Brizola como biombo para o nosso muro da vergonha

Essa punição aos favelados acontece de forma tão requintada que conta com o amém dos herdeiros necessários e legatários do brizolismo, bem como das marcas de passado esquerdista, como PT, PC do B e PSB. Embaixo o mapa do IPP mostra as verdadeiras intenções do muro erguido por Cabral e Eduardo Paes nas áreas pobres da Zona Sul, que registram os mais baixos índices de expansão. "O ideal que não triunfa na realidade permanece nela como uma força dinâmica. São precisamente os ideais não cumpridos os que se revelam invencíveis. Que uma idéia não se faça realidade, não quer dizer que esteja vencida ou seja falsa”. Erasmo de Roterdã (pensador holandês, autor do clássico Elogio da Loucura - 1466-1536) No jogo sujo das mesquinhas disputas pelos podres poderes nada é o que parece. A divulgação de uma notícia requentada, independente do pretexto, visa outros alvos, quase sempre camuflados. Inserida com a sutileza própria das técnicas mais sofisticadas da ciência da hipocrisia, essa informação plantada não encontra óbices para corporificar-se, espargir-se e contaminar o inconsciente coletivo. Isto por conta do enraizado predomínio da mediocridade, lençol da caudal de corrupção, roubalheiras e desvios de conduta determinantes do comportamento de uma sociedade entre confusa e degenerada. Se é verdade que todo o agrupamento humano patina num pântano pré-falimentar, é mais certo que aqui neste país de falsos mocinhos o desenlace já acomete o organismo social atacado por uma incurável septicemia moral. O vale tudo se faz norma pétrea e embasa as obscenas gangues de emergentes deslumbrados. A crônica dos nossos dias é a da extinção do escrúpulo e da decência. De tal insuficiência moral é o som ambiente que a própria exceção tem vergonha de mostrar-se. A última safra do espírito público evaporou-se antes de florir. Não há mais referência respeitável. Com o mínimo de sem cerimônia, qualquer um empalma o poder e, a partir dele, sem qualquer mérito ou talento, assume a batuta, manipula as sensibilidades e produz a cortina de fumaça para encobrir o móvel dos seus crimes. Os conflitos são eivados de baixeza pela absoluta predominância de ambições pessoais movidas a indignidades. Como o instinto crítico cedeu ao domínio midiático não é difícil mercadejarem gatos por lebres. Ao disparo das aleivosias contra alguém, não faltará um canastrão empavonado para encenar um gesto de suposta contestação dentro script preparado para o consumo dos desavisados. O falso espadachim pode ser um herdeiro, um descendente, um legatário: pode ser e geralmente é. É provável que sua réplica ganhe o relevo de verossimilhança e convença meia dúzia de abestados. Estabelece-se então a farsa bufa com os ingredientes da mentira e do cinismo. Ao suposto oponente interessa essa pose, com a qual sacia iludidos e bajuladores. Enquanto os brincalhões exploram os conflitos cosméticos de superfície, cingindo-se às aparências salientes, o autor da pantomima comemora e faz a festa. Como na terra de cego quem tem um olho é rei e como, em meio ao entorpecimento em escala, os mais rápidos no gatilho perderam todo recato, para vale o escrito para todos os efeitos. O silêncio das prebendas Faço todo esse preâmbulo fatigante para acentuar o amálgama que liga as matérias requentadas e repisadas pelo jornal O GLOBO expondo o governo de Leonel Brizola à decisão da dupla Cabral/Eduardo Paes de levantar muralhas para cercar favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro, sob pretextos preservativos, que oferecem a uma população amedrontada a falsa idéia de que algo estão fazendo para garantir-lhe a sensação de segurança e autoridade. E se o submeti a tal prefácio tão presunçoso é porque me vejo no limiar da síncope intelectual. A farsa me parece tão visível e palpável que já não sei de que valem minhas palavras. A sensação é de um grande espetáculo em que as arquibancadas urram numa torcida sem causa e sem bandeira, indiferente à possibilidade do circo pegar fogo. É mais patética ainda: até os bons, os de boa fé, enveredam pelos descaminhos da falsa controvérsia. E caem inocentes na mesma armadilha do conflito engendrado de escopo diversionista. No caso das reportagens do GLOBO, reveladoras do arbitrário patrulhamento que os bolsões recalcitrantes da ditadura exerciam sobre um governador eleito, minha primeira leitura foi totalmente diferente. Elas reproduzem apócrifos papeluchos oriundos daqueles supostos pós-idos, mostrando que os fanáticos da intolerância jamais engoliram Brizola, preocupação que não está documentada em relação ao metalúrgico que hoje cumpre com festejado desempenho o papel de O CARA do sistema, como a emenda que saiu melhor do que o soneto. É isso que os herdeiros necessários e os bastardos não admitem comentar, porque a esta altura dos acontecimentos estão todos comprometidos até a medula com a farsa, interessados tão somente na meia dúzia de sinecuras e nas carteirinhas que lhes garantem algumas raspas na farta e continuada pilhagem do erário. Na engenharia social do governador, dado a viagens e alucinações de toda espécie, primeiro caíram os muros da decência e da dignidade. Todos os próceres desta província, ínfimas exceções à parte, curvaram-se à impostura que faz o velho caudilho remover-se a sete palmos. Uma penca de prebendas imobilizou os sucedâneos dos sonhadores e fez deles sicários despudorados de uma legenda inconformista. Atingido pela deserção fisiológica, o velho idealista que se expôs na busca da justiça e da soberania nacional tornou-se jurássico. Hoje, está claro: mesmo os de sua cepa abominam tudo o que não ofereça vantagem à primeira vista, numa acintosa agressão ao finado. Só para humilhar Daí os empolados deste novo século não estão nem aí para o exercício das antigas lições. Sérgio Cabral vive nas nuvens, não vai ao trabalho, não governa, mas reina. Sob seu império, a contravenção e o suborno praticado por concessionários, de que acusam Brizola, nunca foram tão ostensivos. Mau das pernas pela concorrência lotérica e recorrendo a derivativos da pesada, os bicheiros estão aí, à luz do dia, desmoralizando Deus e o mundo, sem serem incomodados pela mesma redação que viu conivência criminosa no tempo de Brizola. Provavelmente a contravenção de hoje aumentou seu gibi, garantindo a omissão de todas autoridades pagas para reprimir a ilegalidade. Não há moral mínima em acusar governos pretéritos pelo que hoje se faz sem constrangimento de espécie alguma. E mais: todo mundo sabe das propinas locais, distribuídas mensalmente em todos os poderes, mas ninguém dá um pio. Ou por medo, ou por falta de provas, ou por secretos desejos, ou por já estarem na partilha ou por acharem ser da natureza dos ofícios preferem o silêncio obsequioso. Essas muralhas de alvenaria construídas em onze comunidades da Zona Sul são dinheiro jogado fora, a menos que haja rubrica no orçamento para a humilhação dos pobres. Pois é de todo sabido que atravessá-las por uma fenda é questão de algumas marretadas e alguns minutos. O amém das esquerdas Pegaram R$ 40 milhões para inibir expansões populacionais insignificantes, nos morros litorâneos, mais visíveis aos olhos da elite, e esqueceram a expansão real, comandada por milícias que desfrutam do estatuto da intocabilidade pelas públicas alianças que municiaram votos para os mocinhos do chamado choque da ordem. Os números falam mais alto. A julgar pelo informe do Instituto Pereira Passos, órgão oficial da Prefeitura, os 11 mil metros de muralhas terão o condão de chover no molhado. Nas favelas criminalizadas, se há, a expansão é vertical. Já na Zona Oeste das milícias o avanço de 11,5% ao ano terá o beneplácito da vista grossa. São muros erguidos para a platéia, a que saciam com a entronização da doutrina dos guetos murados como política de governo, com a chancela de um deputado petista na Secretaria de Habitação. Vai daí que as reportagens que responsabilizam Brizola pelo crescimento das favelas no Rio e, por indução, no resto do país, servem para reforçar os desejos de uma classe dominante insone pelo sentimento de culpa. Essa punição aos favelados acontece de forma tão requintada que conta com o amém dos herdeiros necessários e legatários do brizolismo, bem como das marcas de passado esquerdista, como PT, PC do B e PSB. De onde alvejam também outro coelho: os brizolistas e os esquerdistas que foram seduzidos pelas sinecuras dos podres poderes locais estão sendo pegos com as calças na mão pelo lastro que oferecem aos que hoje se dedicam à peremptória criminalização da ralé majoritária. Talvez pela associação tão insustentável e inconveniente, vão acabar prestando serviço à história. Como sempre digo, um dia a casa cai. E todos os farsantes poderão ter o castigo da mesma vala, tenham sobrenome ou sejam apenas insolentes espertos de olhos maiores do que a barriga. coluna@pedroporfirio.com