sábado, 13 de abril de 2013

A culpa é sempre do motorista



 Polícia não considera sobrecarga de trabalho e duplicidade de função e livra a empresa, como sempre

O delegado adjunto da 28ª DP (Campinho), Geovan Omena, informou neste sábado que o motorista de ônibus Hilderaldo Nascimento, que atropelou na última quarta-feira Tatiana Ferreira Lúcio, também deverá responder por homicídio doloso (quando há a intenção). Na última sexta-feira, a Secretaria Municipal de Saúde anunciou a morte cerebral da vítima. Porém, ainda não é possível confirmar o óbito. Somente quando este atestado chegar à delegacia, a qualificação do crime poderá ser alterada.

– O motorista assumiu o risco. A cena de crime mostra isso, o estrago foi tão grande que indica, no mínimo, que a velocidade do ônibus era mais alta do que a permitida. Confirmando o óbito com o atestado, o motorista passará a responder por homicídio doloso – afirmou Omena.

Enquanto o óbito de Tatiana não for declarado, parentes e amigos da vítima continuam na porta do Hospital Salgado Filho, no Méier. Muitos ainda alimentam a esperança de que ela consiga sobreviver ao acidente, apesar da morte cerebral já ter sido informada.

– Enquanto o coração dela estiver batendo, há esperança – disse Eliete Ferreira, de 59 anos, mãe de Tatiana. – Um pedaço de mim foi retirado. É o segundo filho que perco. Há oito anos, o meu mais velho, Hélder, pulou de uma cachoeira em Mauá e morreu. Eles é que deveriam me enterrar, e não o contrário.

A família também está muito preocupada com o destino dos quatro filhos de Tatiana, que precisarão superar o trauma da morte da mãe, agravado pela violência do acidente. Sobretudo com o menino de dois anos, cujo aniversário será no dia 26 de maio, e que ainda está no Salgado Filho. Seu estado de saúde é estável, e não há risco de vida.

– Meu sobrinho certamente precisará de um acompanhamento psicológico. Ele não para de ficar repetindo “mamãe, carro, pá. Mamãe, carro, pá” – disse Fabiana, 34 anos, irmã de Tatiana, repetindo a descrição que menino fez do acidente. – Ela sempre foi muito sorridente, alegre, sem estresse. A vida dela era para os filhos. Andava mais de uma hora para levá-los ao posto de saúde. Todos a conheciam. Na hora do acidente, estava conversando com outra mulher que queria doar roupas para meus sobrinhos. Quando ela viu o ônibus chegando, não teve tempo de fazer nada, mas conseguiu salvar a vida dos filhos.

Quatro pessoas foram atingidas pelo ônibus da linha 685 (Méier-Irajá), que invadiu um posto de gasolina em Quintino. Tatiana chegou a ter as duas pernas amputadas, e seu estado era considerado gravíssimo. Ela permanecia internada no CTI em coma induzido.

No momento do acidente, Tatiana estava com dois filhos. O caçula, de apenas de três meses, teve ferimentos leves e logo foi liberado. Porém, o de 2 anos, que estava em um carrinho de bebê, permanece internado no Hospital Salgado Filho. Além da família de Tatiana, Ana Paula Pinto Pregue também foi atingida, sofreu politraumatismo e passou por uma cirurgia.

A família de Tatiana reclama da empresa de ônibus e a considera tão culpada quanto o motorista. Eles receberam da Viação Rubanil (do consórcio Internorte, o mesmo do coletivo que despencou de um viaduto da Avenida Brasil matando sete pessoas) cartões de passagem (RioCard), mas disseram ter recusado R$ 2 mil, assim como alegaram ter se negado assinar qualquer recibo que a empresa teria apresentado.

A polícia não deverá indiciar criminalmente a viação, de acordo com o delegado Omena. O policial também explicou que não há crime no fato da empresa ter supostamente oferecido dinheiro ou RioCard para a família da vítima.

— A empresa não tentou silenciar uma testemunha, e ofereceu ajuda ao marido da vítima. Entendo que a intenção foi antecipar a reparação do dano — salientou Omena.

Como se nada tivesse acontecido


Tragédia na Av. Brasil foi apenas mais uma de um sistema de transporte ditado por interesses vorazes


Nos últimos quatro anos, a média foi de quase dois acidentes com vítimas por semana envolvendo ônibus na cidade do Rio de Janeiro. Em 2011, houve o registro de 126 casos; e em 2012, 84. 


Está na cara: há um estreito grau de parentesco entre a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, e o dramático desastre com o ônibus que despencou do viaduto na tarde desta terça-feira, na mais importante artéria da cidade do Rio de Janeiro – a Avenida Brasil.


Ambos têm no DNA a cumplicidade dos poderes públicos ante os abusos e o primado dos interesses insaciáveis sobre instituições absolutamente coniventes, degeneradas, desfiguradas e desmoralizadas.

O que aconteceu às quatro da tarde desse dia 2 de abril é o que o lugar comum cataloga na surrada categoria de tragédia anunciada. A excessiva sujeição da Prefeitura carioca aos gostos inescrupulosos das empresas de transporte coletivo fatalmente produziria uma tragédia desse impacto, como exacerbação potencializada  dos acidentes rotineiros provocados por uma frota em operação única e exclusivamente para super-dimensionar os lucros já auferidos em um ramo da economia.

Qualquer que seja a causa oficial do acidente que ceifou na hora sete vidas e pôs na fila da morte outras tantas chegará à insólita conclusão de que é ABSOLUTAMENTE CRIMINOSO permitir que um único profissional trabalhe em ônibus que podem transportar até 80 passageiros, atribuindo-se ao motorista às funções de cobrador e do relacionamento com uma clientela heterogênea e ansiosa.

Sim, para os que não sabem, a quase totalidade da frota carioca de mais de 9 mil ônibus dispensou a presença do cobrador para aumentar a lucratividade de um cartel indiferente à natureza do seu serviço e sempre generoso nas relações com as autoridades em todos os seus níveis. LEIA MAIS