domingo, 30 de novembro de 2008

Equador: a auditoria que Lula não teve peito de fazer e as trapalhadas da Odebrecht*

“Os três contratos principais (com a empreiteira Odebrecht) pelo valor de US$ 464,2 milhões terminaram em US$ 831 milhões, quer dizer 80% a mais do que o contratado. O governo do Brasil, através do Banco do Brasil, foi a entidade que financiou. Existe co-responsabilidade das entidades financeiras brasileiras BNDES e Banco do Brasil, ao tomar parte nessa cadeia de operações.” Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, ex-presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), do grupo técnico internacional que procedeu a auditoria da dívida externa do Equador. “Ao invés de reconhecer o grave prejuízo causado ao povo do Equador, o governo Lula preferiu tomar partido pela Odebrecht, chantageando e retirando o embaixador brasileiro do Equador” – nota do PSOL. Numa certa manhã de verão, em 1983, vi-me numa roda em que um empresário da construção civil, lépido e fagueiro, dissertava sobre as façanhas de sua poderosa empreiteira mundo afora. Estava ali, na piscina do Copacabana Palace, por acaso. Tinha tido uma reunião com Carlos Imperial, que fora eleito vereador em 1982 e liderava a então majoritária bancada do PDT na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Às vésperas de assumir meu primeiro cargo público, o de coordenador das regiões administrativas da Zona Norte (que hoje chamam de subprefeitura) eu estava cheio de gás, crente que uma nova era se prenunciava, com o fim do tráfico de influências, das propinas e da corrupção que emblemavam os anos passados sob a batuta de Chagas Freitas. Morando na Avenida Atlântica, Imperial me puxou para conhecer personagens que “sabiam das coisas” antes de qualquer mortal. Eles estavam ali, próximos à piscina, em alegres convescotes regados ao que o álcool pode oferece de mais sedutor. Tão logo chegou àquele recanto, Imperial já estava de papo descontraído com alguns senhores da urbe, eu a seu lado, totalmente deslocado, o que me prostrou num silêncio observador. Foi nesse cenário que ouvi calado o empreiteiro se gabando das regras de um jogo cujo trunfo maior era a propina: - Na Nigéria (onde sua construtora fazia uma grande obra, o Aeroporto, se não me engano) a propina do presidente já consta formalmente na proposta apresentada à concorrência pública. Não é como em outros países, que a gente tem de disfarçá-la no superfaturamento e na maquiagem dos orçamentos. Imperial divertia-se com aquelas conversas que nos situavam entre alguns donos da cocada preta. Eu, não. Sentia-me como se estivesse entre pilantras ungidos pelo baú recheado a dólares e minha cabeça vulcânica processava todo tipo de imagem, num turbilhão horripilante. Quando saímos, Imperial foi curto e grosso: - Se você vai ocupar um cargo na Prefeitura, ou aceita as regras do jogo ou será defenestrado como um inconveniente. Fui-me, achando que ele falava aquilo por desconhecer a natureza do novo governo, que na campanha anunciara uma limpeza com água e sabão na administração pública. Iludia-me a idéia de que moléculas atômicas devastadoras faziam parte da nova essência do poder no Estado do Rio. Que a rapina do erário estava com seus dias contados e que seríamos um exemplo de gestão honrada, à prova de ofertas indecorosas e das velhas transações eivadas de vícios desonestos. Na pior das hipóteses, jurei a mim mesmo, eu jamais sucumbiria a negociatas e a trapaças, independente das companhias que tivesse. E disso felizmente posso me orgulhar hoje, 25 anos depois, no quase fim de minha vida pública. Conflito com o Equador Conto essa história para oferecer uma outra leitura sobre os acontecimentos que levaram o presidente do Equador, Rafael Correa, a auditar suas dívidas públicas e a questionar o financiamento do BNDES à superfaturada obra de uma hidroelétrica cujas operações foram suspensas por graves erros técnicos. O que o jovem presidente do Equador fez é o que esperávamos do governo do Sr. Luiz Inácio – a auditoria dos contratos que geraram a dívida externa. Aqui, Lula amarelou: preferiu fechar os olhos e ainda entregou o Banco Central ao todo poderoso Henrique Meireles, forjado num grande banco norte-americano. O BNDES não foi o único afetado pela investigação, realizada por uma comissão integrada por 7 equatorianos e 6 estrangeiros, entre os quais a auditora Maria Lúcia Fatorelli Carneiro, cedida oficialmente pelo governo brasileiro, três argentinos e um belga. O dossiê preparado por essa Comissão para a Auditoria Integral do Crédito Público é uma peça de mais de mil páginas, cujas conclusões deveriam ser lidas antes de uma "patriotada" pueril, que só serve para favorecer práticas abomináveis em benefício de alguns graneiros se pátria e sem escrúpulos. Ele lembra uma prática da qual o Brasil sempre foi vítima: o sistema financeiro internacional liberou financiamentos ao longo de décadas desde que acoplados a obras ou compras de equipamentos norte-americanos. Isso presumia o jogo de interesses em que alguns intermediários enchiam suas burras, enquanto o Brasil embarcava em aventuras do tipo rodovia “Transamazônica”. Durante mais de um ano, a comissão auditou os processos de endividamento do Equador de 1976 a 2006, trabalho que incluiu a dívida comercial contraída com bancos privados internacionais; a dívida multilateral concedida pelos organismos financeiros internacionais; a dívida bilateral (principalmente com Espanha, Brasil e aqueles que formam o Clube de Paris); a dívida interna; e os créditos concedidos à Comissão de Desenvolvimento da Bacia do Rio Guayas para o projeto Multi-propósito Jaime Roldós Aguilera. O informe final de 172 páginas constitui uma profunda análise técnica e jurídica que mostra um dos rostos mais sinistros de três décadas de políticas neoliberais. A dívida externa do Equador aumentou de 240 milhões em 1970 para 17,4 bilhões em 2007. Sobre essa investigação, sugiro ler artigo do jornalista Eduardo Tamayo, da Agência Latino-americana de Informação, publicado no site do Centro de Mídia Independente – CMI. Nessa matéria,Tamayo escreve: “A Comissão concluiu pela ilegalidade e, portanto, a ilegitimidade do processo de endividamento. Assinala-se o caráter "odioso" da dívida externa, pois foi contraída por uma ditadura militar (1972-1979). De 1976 a 1982, outorgaram-se créditos ao Equador na ordem de 3,4 bilhões de dólares, dos quais 984 milhões foram destinados ao orçamento da Defesa. A Junta Nacional de Defesa, que foi a maior beneficiária, se negou a proporcionar à Comissão os dados dos créditos recebidos e o destino dos mesmos”. Empréstimos ilegais “A dívida externa do Equador tem sido objeto de sucessivos processos de renegociação fraudulentos, nos quais os sucessivos governos aceitaram condições inaceitáveis dos credores, como contrair novas dívidas para pagar antigas dívidas, castigos de mora, altas taxas de juros, anatocismo (pagamento de juros sobre juros), revalorizar títulos de dívida que valiam pouco no mercado, segundo explica o membro da CAIC, Hugo Arias. Os convênios foram redigidos pelos próprios credores e incluíam cláusulas abusivas como renunciar à soberania nacional e aceitar disputas em tribunais internacionais, estabelecer a primazia dos convênios sobre a legislação e a Constituição equatorianas, etc. Estas condições foram aceitas no Plano Brady para Equador (1993), apoiado pelo FMI, no Plano Adam (Pacto para a troca de Brady a Global, estabelecido em 1999), e em troca dos bônus Brady e dos Eurobonos a bônus Global (2000). Neste último caso, o prejuízo para o Equador foi enorme. Os bônus permutáveis, (Brady e Eurobonos), que somavam 6,3 bilhões de dólares, se cotavam no mercado em 30% (1,58 bilhões). Contudo, se trocavam pelos bônus Global 2012 e 2030 por um montante de 3,9 bilhões de dólares, com taxas de 12 e 10%. Até agosto de 2008, o Equador pagou, por conceito destes Bônus Global, 2,4 bilhões de dólares. As gerações futuras, se não se declarar agora o não pagamento desta dívida ilegítima, deverão pagá-la em 2012 e em 2030. A Comissão também constatou que vários governos equatorianos cederam às exigências dos credores privados e foram cúmplices de irregularidades e abusos contra a economia do país. Por exemplo, no início da década de 1990, o Equador teve a oportunidade de amparar-se ao direito de prescrição da dívida comercial previsto pela legislação dos Estados Unidos e Londres para os casos de mora por mais de seis anos consecutivos. Isto teria permitido ao Equador economizar cerca de 7 bilhões de dólares de dívida comercial. Contudo, em 9 de dezembro de 1992, as partes equatorianas, representadas por Mario Ribadeneira, ministro de Finanças, Ana Lucía Armijos, Gerente Geral do Banco Central, e Miriam Mantilla, Cônsul do Equador em Nova York, firmaram nesta última cidade um acordo de renúncia unilateral da prescrição da dívida externa. Este convênio de Garantia de Direitos (Tolling Agreement) foi legalizado no mesmo dia por um decreto firmado pelo ex-presidente do Equador, Sixto Durán Ballén, e o Ministro de Finanças encarregado, Sebastián Pérez Arteta. Cabe indicar que por este e outros "méritos" a economista Ana Lucía Armijos terminou como funcionária do FMI. Outros exemplos que merecem ser citados são as dívidas com os organismos multilateriais. No período 1976-2006, o Equador contraiu 286 créditos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, Banco Inter-americano de Desenbolvimento (BID), Coorporação Andina de Fomento, Fundo Latino-americano de Reservas e Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agropecuário, no valor de 12,5 bilhões de dólares, o que representa 42% da dívida externa pública contratada no citado lapso. Estes créditos, destinados no papel a "projetos de desenvolvimento", vieram acompanhados de condições que deram lugar à "debilitação do Estado e sua capacidade de planejamento, ajustes estruturais, processos de desregulação e mudança de competências ao setor privado prejudiciais aos interesses da nação, e seguindo uma matriz imposta aos países do Sul. Isto gerou instabilidade política e contínuos enfrentamentos de governos com setores sociais", assinala a Comissão. Um exemplo que ilustra o caráter ilegítimo e fraudulento da dívida multilateral é um empréstimo de 14 milhões de dólares concedido pelo Banco Mundial para "desenvolvimento mineiro e controle ambiental" denominado PRODEMINCA. Com este empréstimo, se reformou a legislação para fazê-la "atrativa" ao investimento privado e se fez um levantamento de informação geoquímica para localizar onde se encontravam as jazidas mineiras com o objetivo de que fossem entregues, mediante concessões, às transnacionais. Ou seja: o povo equatoriano, mediante dívida pública, subsidia a penetração das transnacionais para que venham levar seus recursos naturais e destruir o meio ambiente”. *Em tempo: por menos disso, em 24 de maio de 1981, a CIA explodiu o helicóptero do presidente equatoriano Jaime Roldós, conforme revelou seu ex-agente John Perkins, no livro Conifssões de um asassassino econômico coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Os vencimentos no Judiciário - andar de baixo e anar de cima

“É cediço que a remuneração dos servidores vem sofrendo substantivas perdas acumuladas, corroída pela elevação do custo de vida. Esta queda tem causado graves distorções salariais, se comparadas à remuneração de servidores de outras carreiras análogas, tais como do quadro de pessoal do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, do Tribunal Regional Eleitoral ou da Justiça Federal” Desembargador Murta Ribeiro, presidente do TJ-RJ Os serventuários da Justiça do Rio de Janeiro voltaram ao trabalho depois de 63 dias de greve, apesar da derrota na Assembléia Legislativa do projeto do desembargador Murta Ribeiro, que previa aumento de 7,3% em seus vencimentos. No mesmo dia, O GLOBO destacou em manchete a notícia da decisão do Supremo Tribunal Federal de abrir processo penal contra o ministro do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina, seu irmão, o advogado Virgílio Medina, o desembargador da segunda região do Tribunal Regional Federal José Eduardo Carreira Alvim (este professor da Faculdade de Direito da UFRJ) , o juiz do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas Ernesto Luz Pinto Dória e o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira. A partir de agora, Paulo Medina é réu e responderá a processo por corrupção passiva e prevaricação. Haverá relação entre os fatos noticiados? Não sei. Só sei que existe muita resistência entre os cidadãos a respeito de um Poder Judiciário que se supera em decisões surpreendentes a cada dia. Falta no andar de baixo A briga dos serventuários por reposição salarial tem uma conotação irônica: para usar uma imagem de Élio Gáspari , eles são do andar debaixo de um poder que sai caríssimo para o erário, que tem dinheiro sobrando e os magistrados mais bem pagos do mundo. A notícia da decisão do STF de abrir processo contra um ex-ministro do STJ por venda de liminares está longe de refletir o que acontece nos subterrâneos de uma Justiça, cujos titulares, especialmente os acima da primeira instância, se valem da doutrina interpretativa para conceder as mais absurdas liminares ou até para patrocinar decisões absurdas, sem que nada lhes ocorra. Sobre os abusos das liminares e das decisões judiciais, voltarei mais de uma vez. Estou procurando nas livrarias um livro que acaba de ser publicado - JUSTIÇA POR ENCOMENDA, assinado por um advogado de São Paulo. E continuarei nas minhas pesquisas. Não dá para entender que os serventuários tenham seus vencimentos congelados, como todos os servidores do Estado do Rio de Janeiro, enquanto o Tribunal esteja com seus cofres abarrotados em seu Fundo Judiciário, que hoje deve ter mais de R$ 300 milhões destinados a despesas de “reaparelhamento” de suas instalações e aquisição de material permanente. Esse fundo, que tem treze fontes de receitas, foi criado pela Lei 2524, de 22 de janeiro de 1996. Desde então, só tem crescido, embora algumas obras realizadas temham custado muito. Como é fruto de uma Lei Ordinária, o desembargador Murta Ribeiro teria tido melhor inspiração se houvesse proposto à Assembléia Legislativa a revogação ou modificação do parágrafo único do seu artigo segundo, que veda a aplicação de sua receita em despesas de pessoal. É bom que se esclareça que esse fundo especial inexiste na maioria dos Estados brasileiros, inclusive São Paulo. Foi votado em 1996, por iniciativa do então governador Marcello Alencar, atendendo a reclamações dos dirigentes do TJ. Eram tempos de relações muito próximas entre o Executivo e o Judiciário do Estado. Juízes e professores Como existe tanto dinheiro entesourado no Fundo, é meio esquisito falar em aumento para servidores de um poder, em comparação com os ganhos dos seus colegas do Executivo, que estão vivendo a pão e água. Fico por hoje com a visão que a sociedade tem dos vencimentos no Poder Judiciário. Para que os serventuários entendam o que estou querendo dizer, vou transcrever aqui trechos de um artigo assinado por Eduardo Graeff, publicado na FOLHA DE SÃO PAULO do último dia 3 de julho, que circula de mão em mão entre os professores de todo o país. “UM JUIZ da Suprema Corte dos Estados Unidos ganha 208 mil dólares por ano. Um ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, os mesmos 208 mil dólares, ao câmbio de 1,6 real por dólar, ou mais, se aplicada a paridade de poder de compra dólar x real. Legal! Temos juízes tão bons quanto os do Primeiro Mundo. Aliás, melhores. O salário médio de um juiz nos Estados Unidos é de 102 mil dólares por ano. O salário inicial de um juiz estadual no Brasil, o equivalente a 142 mil dólares; o de um juiz federal, 166 mil dólares, noves fora, de novo, a paridade de poder de compra. Nossos juízes estão nos píncaros do Primeiro Mundo. Nossa Justiça, nem tanto. O Brasil tem 8 juízes por 100 mil habitantes, número que a Associação dos Juízes Federais considera "incapaz de assegurar um mínimo aceitável de celeridade processual em virtude do acúmulo de trabalho nos juízos de primeiro grau e nos tribunais". Os Estados Unidos têm 9 juízes por 100 mil habitantes. A diferença não é tão grande. Daria, com folga, para equiparar a quantidade de juízes lá e cá se fosse possível reduzir os salários dos juízes brasileiros para o nível dos salários dos juízes americanos -"data venia" à impertinência e inevitável inconstitucionalidade da sugestão. Nem a possível insuficiência do número nem, obviamente, o nível dos salários dos juízes explicam por que a Justiça no Brasil tarda tanto, e nisso falha. Nossos juízes são mesmo poucos, em todo caso: pouco mais de 15 mil, somando as Justiças estadual, federal e do trabalho. Não tão poucos que não pudessem dar conta do serviço, talvez, mas uma pequena minoria do funcionalismo público. Minoria seleta e poderosa, como se sabe. Pagar-lhes salários de Primeiro Mundo num país de Segundo ou Terceiro Mundo pode ser um exagero, mas não chega a rebentar a boca do caixa. Nossos professores não têm a mesma sorte. Nos EUA, um professor primário ganha cerca de 45 mil dólares por ano. No Brasil, o equivalente a 11.600 dólares nas escolas estaduais ou 8.750 dólares nas municipais. Confira: um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos ganha 4,6 vezes o salário de um professor primário americano. De um ministro do STF para um professor primário municipal brasileiro, a relação é de 24 vezes. Entre um teto e um piso tão distantes, não há escala de remuneração que faça sentido. Por isso uma luta de classes permanente tensiona as estruturas do Estado brasileiro”. coluna@pedroporfirio.com LEIA O BLOG DO COLUNISTA

domingo, 23 de novembro de 2008

Porque fizeram acordo com o diabo sobrou pra gente

"Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que exércitos armados. Se o povo americano autorizar bancos privados a controlar a emissão de sua moeda, primeiro através da inflação e depois pela deflação, os bancos e as grandes corporações que crescerão em volta deles gradualmente controlarão a vida econômica das pessoas, privando-as de todo o seu patrimônio até o dia em que seus filhos acordem sem-teto, no continente que seus pais e avós conquistaram". Thomas Jefferson, terceiro presidente dos EUA, em carta ao seu secretário do Tesouro, 1802. Não me acanho nem um pouco em afirmar com todas as letras que a espetacularização dessa crise é mais uma solerte tentativa do claudicante sistema capitalista para fazer do limão uma limonada. Esse sistema baseado na lei do mais forte, do mais astuto, da guerra econômica (que chamam de livre concorrência) está respirando por aparelhos. Foi apanhado no contrapé e mexe seus pauzinhos em todas as áreas – principalmente nisso que chamam de mídia – para transferir as contas de suas trapaças mal sucedidas ao Erário Público, isto é, já estão metendo a mão no nosso dinheiro na maior cara de pau. E fim de papo. Nos Estados Unidos, a adorada Meca do capitalismo, os moneychangers se deram mal na aventura de emprestar o que não lhes pertencia a quem não podia pagar, esperando tomar suas casas na baixa para revender numa provável alta que não aconteceu, nem vai acontecer, por erro de cálculo. Desde priscas eras, o banco é a confirmação de que Pierre-Joseph Proudhon não estava bêbado quando em 1840 na Paris efervescente escreveu QU'EST-CE QUE LA PROPRIÉTÉ? para concluir que “toda propriedade é um roubo”. Escravos mansos Aqui e além-mar, onde quer que um seguidor dos Rothschild se instale, prepare-se para ser ESCRAVO MANSO. A extorsão salta aos olhos, desenha-se em aberrações descaradas, como pagar 1% pelo seu dinheiro e emprestar a 12%, mas todo mundo estende o tapete para os banqueiros como se eles fossem “um mal necessário”. Por baixo do pano, a arapuca é mais audaciosa. Como escreveu com competência incontestável o professor Nehemias Gueiros Jr. no seu trabalho “A maior Fraude da História”, a usura falou mais alto e se institucionalizou com carta branca principalmente nos Estados Unidos, onde o corrupto presidente Wilson formalizou em 1913 a criação do banco central privado. “Na medida em que a usura foi se instalando em todas as camadas sociais, os moneychangers foram ficando cada vez mais ousados em suas manipulações financeiras e foi assim que surgiu o famigerado conceito do FRACTIONAL RESERVE LENDING, ou "empréstimo baseado em reserva fracional" ou "empréstimo sem cobertura ou lastro". Embora de enunciado complexo, a prática é muito simples. Significa emprestar mais dinheiro do que se tem em caixa, transformando-se na maior fraude de todos os tempos, principal responsável pela vasta pobreza que assola o mundo até hoje e pela redução sistemática do valor do dinheiro” – escreveu o professor Gueiros. No Brasil, como você sabe, seguindo o exemplo do trêfego antecessor Fernando Henrique Cardoso, o despreparado Luiz Inácio da Silva fez um acordo com o diabo e entregou o Banco Central com poderes divinos a Henrique Meireles, homem do Banco de Boston, isso depois daquele primeiro e vexaminoso encontro com o manda-chuva George Walker Bush, no 12 de dezembro de 2002, antes de sua primeira posse. O nosso BC é o fino da semântica: diz-se estatal, mas não passa de uma poderosa perfuratriz dos banqueiros privados, de onde saem ou para onde vão seus cabecilhas. Entregue ao ex-presidente do BankBoston, que abriu mão de um mandato ganho a peso de ouro nas fileiras tucanas, nossa política monetária fez-se âncora das políticas econômicas e sociais, movendo-se segundo a voz do dono, a cujo destino atrelou-se de olhos fechados. As peripécias do Santander Agora o circo está pegando fogo lá e as chamas chegam até aqui porque, infelizmente, em termos de economia, o Brasil já era. Aliás, já eram todas as nações porque a internacionalização das grandes empresas as impermeabilizou diante dos Estados outrora soberanos. O maior exemplo disso está no pouco caso que o Banco Santander faz de suas obrigações com os aposentados do Banespa, do qual se fez dono naquela festança de privatizações-doações que envolveram o tucanato num monte de negócios estranhos, para os quais os neoliberais de macacão fazem vista grossa em nome desse mesmo acordo com o diabo do que falei há pouco. Essa peripécia do banco espanhol é um escândalo, uma afronta, que, curiosamente, não tem tido nenhuma repercussão na mídia, embora até se cogite de uma CPI no Congresso e embora exista um parecer definitivo da Advocacia Geral do Senado, demonstrando que esse banco não cumpre a Resolução 118/97 daquela casa do Congresso, que garante o respeito aos direitos de todos os quase 15 mil bancários admitidos no Banespa até 1975. Sobre isso, é bom ler os depoimentos de João Américo Genezi Pellini e José Milton de Andrade Marques, publicados no meu blog PORFÍRIO URGENTE Já que estamos falando em acordos com o diabo, os aposentados do Banespa que estão passando pelo mesmo aperto do pessoal do Aerus (Varig, Transbrasil), numa situação agressivamente afrontosa a decisões legais, queixam-se amargamente da excessiva boa vontade do sindicato da categoria com o banco espanhol. Quem sabe do amanhã O que vai acontecer daqui para frente ninguém sabe. Ou melhor, pode ser até que os feiticeiros do Wall Street tenham calculado aonde chegar depois de esvaziarem os cofres públicos para recapitalizar bancos e grandes multinacionais, fartando-se na privatização da grana estatal que falta para matar a fome de milhares de pobres mortais, tidos e havidos como filhos de Deus. Pelo visto, os descendentes dos Rothschild vão continuar por cima da carne seca, inclusive no governo do mulato Barack Obama, uma cálida esperança da plebe rude e dos povos coloniais que parece estar em processo de rendição virtual, tal como aconteceu com o pau-de-arara que hoje habita o Palácio Alvorada seguindo ao pé da letra os ensinamentos do Chacrinha (para quem o quente era confundir). E assim a gente vai levando, ou melhor, vai sendo levada até porque já está na hora das compras de natal e não fica bem esquecer o dia que o filho de Deus veio ao mundo. coluna@pedroporfirio.com Dossiê da Privatização-doação da Vale Recebi detalhado "roteiro da privatização dao CVRD". O documento foi enviado para mim e para outra pessoa na TRIBUNA. Estou analisando com calma, mas desde já percebo o papel impatriótico do sr. Eliezer Batista da Silva, que foi tudo na Vale e até ministro no Governo reformista de João Goulart, sempre a serviço do sr. Augusto Trajano de Azevedo Antunes, da HANNA STEEL CORPORATION, que o cooptou e fez sócio na MBR. Um dos lances mais patéticos nesse depoimento é esse trecho: "Nesta década, a privatização da CVRD foi finalmente completada, de forma direta e simples, com a venda do resto da empresa a preço muito inferior ao seu valor real (sob os protestos impotentes de parte da sociedade, esmagados por violenta barragem de argumentação e publicidade enganosas). Entretanto a natureza viciada desta segunda fase foi exposta claramente ao público em episodio de incrível franqueza, pois em depoimento à CPI dos Correios, o banqueiro Daniel Dantas, não mediu palavras, fazendo estarrecedoras revelações, posteriormente confirmadas em entrevista à jornalista Mirian Leitão (O Globo (22/09/05) onde se lê: ....O Bradesco fez a avaliação da Vale e depois comprou a empresa por meio de uma operação montada por Daniel Dantas. Normalmente quem avalia não pode comprar..... Daniel emitiu debêntures de uma empresa que foram subscritas pelo Bradesco e essa empresa comprou a participação na Vale. Ele ........ consultara o BNDES e o banco nada tinha objetado. Conseqüentemente o Bradesco hoje controla a Vale, da qual Daniel Dantas também é sócio. Assim o destino de uma das maiores empresas de mineração do planeta passou por via subterrânea, criminosa, sob a batuta de notórios operadores, ao controle de uma organização privada, corruptora, e portanto indigna de confiança da nação para incumbir-se da direção da estratégica Vale do Rio Doce. E sem garantia real de manutenção de seu controle pelo Brasil. Justamente quando as reservas minerais aparecem como questão estratégica mundial para o século 21. Pressagiando etapas futuras, a Mitsui do Japão e o JP Morgan (USA), já são detentores de parte do capital da CVRD. E completando o quadro, a nova Vale passou a comprar suas ex-concorrentes, e naturalmente a própria MBR. Seu controle poderá passar ao exterior. O caminho esta livre. Consumou-se assim um dos maiores golpes contra a soberania e o patrimônio público do país, com dezenas de bilhões de dólares doados impunemente a empresas privadas. Golpe diante do qual empalidecem as falcatruas continuamente denunciadas. Digno da crônica das mais atrasadas sociedades do mundo".

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Paulo Paim, por que não me canso de sonhar

Collares e Paim
Minha coluna na TRIBUNA DA IMPRENSA de 21 de novembro de 2008
"O senador Paulo Paim é um exemplo de um parlamentar que se vestiu de negro no Congresso. Outros identificados com a questão dos negros, eu não conheço. Até tem alguns pretos lá — é aquele que tem a pele escura, mas não tem o ideal da causa negra”. Edialeda Nascimento, médica negra e candidata a senadora pelo PDT em 2006, em entrevista a Maiá Menezes e Lydia Medeiros, de O GLOBO. Lembro-me como se fosse hoje: o sol já se punha no horizonte da Praça dos Três Poderes, em Brasília, naquele outono de 2002 e os convencionais do PDT haviam recebido naquela tarde as visitas de Cristóvão Buarque (proeminente no PT de então) e de Cyro Gomes, pré-candidato do PPS à Presidência da República. Do alto dos seus 80 anos de apaixonante militância social, Leonel Brizola nos surpreendeu, ao olhar de soslaio para o deputado e ex-governador Alceu Collares: - Quem sabe se não chegou a hora do Brasil ter o seu presidente negro? Foi um rebuliço. Os pedetistas que estavam incomodados com as articulações que levariam a Cyro Gomes se viram diante de um achado. Estaria o caudilho propenso a bancar a candidatura do velho companheiro de tantos combates, de longe o melhor tribuno de nossos dias, com a mesma verve de Rui Ramos e Temperani Pereira (dois gaúchos da mesma fornalha)? A noite desceu sobre aquela capital de prédios brancos e frios e não se falou mais nisso. Provavelmente, uma certa turma do “deixa disso” pôs água na fervura e deu no que deu. E os 44,7% de afro-descendentes continuaram, como continuam, limitados na base da pirâmide do poder. Alceu Colllares Nascido em 1927, o ex-carteiro já estava com seus 75 anos de uma jornada dura, iniciada aos 11, quando foi trabalhar numa quitanda da sua Bagé. Collares provavelmente não quis atrapalhar as negociações que deixariam o PDT pela primeira vez fora da chapa presidencial (Paulinho da Força Sindical, vice de Cyro, era então do PTB). E Brizola, alquebrado com as traições de alguns dos seus seguidores mais mimados, já não alimentava os mesmos devaneios sobre o destino do partido que imaginara ser a alternativa de um “socialismo moreno” para este Brasil de tantos pobres de espírito. Mas ele estava certo ao lançar o balão de ensaio do “candidato negro”, embora Alceu Collares tenha se destacado num Estado do qual foi o melhor governador pós-64, em que seus afro-descendentes não chegam a 14% da população (só Santa Catarina, com 10,4% tem índice mais baixo). A raça não seria empecilho, nem alavanca eleitoral. No Brasil a discriminação racial é mascarada e, por tal, vulnerável. Há um domínio ostensivo dos brancos sobre as áreas de poder, mas ninguém vê nisso resultado de uma doutrina segregacionista. Brizola foi o primeiro a pôr o dedo na ferida, quando do seu retorno do exílio. Tinha a seu lado o mais atuante pregador da causa negra, o poeta Abdias do Nascimento, precursor de um confronto que antecedeu a Marthin Luther King, nos Estados Unidos. Mas como tudo o que detectava como visionário social encontrava óbices dentro de casa entre as mutucas que lhe sugavam os sonhos para fins de triunfo pessoal, a idéia do candidato negro se evaporou. Collares era uma ofensa a um grupamento de medíocres que, ao contrário dele e do velho caudilho, entraram para a política de olho nos seus baús. Quando se falou em seu nome para a grande disputa o PDT já não era o mesmo dos inconformistas que se juntaram a Brizola quando a súcia sobrevivente usava de todos os expedientes (inclusive inflar partidos rivais em sacristias) para impedir que o destino de nosso país caísse em mãos de alguém que jamais seria uma “Maria vai com as outras”. Paulo Paim Porque ontem lembramos Zumbi dos Palmares, e porque uma sociedade de inegável resíduo racista acaba de eleger um afro-descendente para comandá-la, aquele ensaio curto me veio à cabeça. E me veio mais porque acho que está na hora de discutir o nome do próximo presidente, antes que saia do bolso do colete desse ou daquele todo poderoso, sem uma discussão mais esclarecedora, sem que os brasileiros tenham direito de ir além das escolhas feitas de cima para baixo. É nisso que ocorreu uma inocente sugestão, que, no entanto, quem sabe, poderá ganhar espaços e sacudir o que resta de dignidade neste país de paus mandados. A sugestão não acontece por acaso, não é uma fanfarrice, não está destituída de razões plausíveis. É minha, está certo, e quem sou eu para meter o meu bedelho nesse mundo de oportunistas que estão por cima da carne seca em nome de um fantasioso Estado democrático? Mas pode ser que esteja em muitas cabeças, em milhares, em milhões de cabeças que já não dormem com medo de um amanhã pior do que hoje – e o hoje já é o que é, que diabo! Um amanhã em que o povo terá de verter sangue, suor e lágrima para garantir a contabilidade fajuta dos seus senhores. Estou falando de um metalúrgico, como Lula, de um petista, como ele, de um negro, como Collares e Barack Obama, de um grande parlamentar, como seu conterrâneo Pedro Simon e de um grande defensor das causas sociais, como foi outro gaúcho, Leonel Brizola. Isto posto, concito os cidadãos de bem deste país a colocar na mesa das discussões sobre a sucessão presidencial o nome do senador Paulo Renato Paim, brasileiro de Caxias do Sul, responsável por uma das mais férteis e coerentes obras legislativas, comparável à do senador Nelson Carneiro, o mais atuante de todos os legisladores do século XX. Longe, muito longe de ser petista, estou convencido de que a desassombrada e desafiadora atuação do senador Paim, que não se afastou um milímetro do seu discurso de 1981, quando assumiu o Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas, é uma referência que ecoa positivamente em todos os segmentos sociais e em todas as áreas do pensamento, com possibilidades de atrair eleitores de todos os partidos. Ele, sim, mais do que cortesãos que nunca disputaram o voto popular, pode ser a nossa resposta para essa suspeita cortina de fumaça que se abate hoje sobre um país que paga o preço por sua desfavorável anexação ao mundo globalizado ao gosto das transnacionais e da meia dúzia de agiotas que dominam o mercado. Ele, sim, parlamentar honesto, corajoso, preparado, coerente, poderá conduzir os nossos destinos como o conterrâneo Brizola e aquele mulato em quem milhões de norte-americanos depositaram suas ÚLTIMAS ESPERANÇAS. Em tempo: desculpe, mas sou dado a sonhos e ainda acredito em utopias. coluna@pedroporfirio.com LEIA O BLOG DO COLUNISTA

domingo, 16 de novembro de 2008

Uma Constituição incompreensível para um pobre mortal

O quinto constitucional é repetição do que foi estabelecido na constituição de 1967, com a emenda n° 01 de 1969, do art. 104, “b” da Constituição de 1946 e do artigo 104, parágrafo 6° da Carta de 1934. Permita-me o disparate, mas neste país disparatado não me sinto nem um pouco constrangido a mergulhar no mais extravagante dos desvarios. O que vou dizer pode chocar, pode até servir para me acusarem de insano. Tudo bem. Mas se você quiser refletir para além das faixas permitidas, anote essa minha trágica conclusão: A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA NÃO É A MESMA PARA TODOS; PORTANTO, É INCONSTITUCIONAL. Surtei? Não sei. Não digo que sim, nem que não. Mas se isso aconteceu é porque resolvi dar uma piscadela em certos artigos dessa que chamam bondosamente de “Constituição Cidadã”. Aliás, correr atrás dessas peças é coisa de quem não tem o que fazer. Neste Brasil brasileiro não vale o escrito - que o digam os 17 mil magistrados, que têm às mãos poder decisório sobre 48 milhões de processos, alguns já amarelados por uma longo e tenebrosa espera. Neste Brasil brasileiro, aliás, o que se escreve não se assina embaixo. Ou se assina, nem com firma reconhecida se pode garantir que o papelucho seja honrado. Se eu tivesse como pesquisar o dito pelo não dito, o escrito pelo não escrito, ia fazer um livro maior do que a Bíblia. Inconstitucional ou similar Por que eu digo que a nossa atual Constituição é inconstitucional? Por uma razão melancólica: ela não se entende por si. Não estou falando das 55 emendas que já lhe amputaram festejadas “conquistas”: antes fosse. O que me pareceu inexplicável foi constatar que certos artigos brigam com outros. Isso enseja questionamentos, com a utilização da norma mais conveniente pelos espertos causídicos. Há também os que não são questionados, porque ou não são percebidos, ou são hermenêuticos, ou não é conveniente questionar ou então eu é que sou maluco e preciso urgentemente de um tratamento especializado. Vamos aos fatos. No Inciso II, do artigo 37, está escrito: II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; Ao pé da letra, entendo que por esse artigo só são dispensados de concursos públicos o titulares de “cargos em comissão, declarados em lei de livre nomeação e exoneração”. No entanto, o artigo 84 da mesma Carta inclui no mesmo balaio o direito privativo do presidente da República de nomear desde os seus ministros de Estado (cargos em comissão, temporários) até os ministros dos tribunais superiores (cargos permanentes). Então já vemos que o artigo 37 não é um artigo sério. Ou exorbita o artigo 84. Mas outros dispositivos desequilibram a favor deste último. É o caso do artigo 101, que prevê a nomeação dos ministros do Supremo (como dos demais tribunais superiores) “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. No seu parágrafo único, o artigo 101 estabelece que “os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. No poderoso Poder Judiciário, temos algumas situações especiais. Para ser juiz substituto de primeira instância, só se for por concurso público (artigo 93 inciso I). Daí para frente, conforme o inciso II, a “promoção de entrância para entrância (ocorrerá), alternadamente, por antigüidade e merecimento”. Desembargador por indicação Já o artigo 94 da nossa Constituição despreza solenemente, com maior sem cerimônia, o princípio de que para ter um cargo público só por concurso. Desde a carta de 1934, abre-se uma janela para que um advogado se torne desembargador através do “quinto constitucional”. Isto é, de cada 5 desembargadores, um sai de uma lista escolhida pelos conselheiros da OAB ou do Ministério Público. Houve um caso em São Paulo, como contou Élio Gasperi, que um indicado pela OAB de lá havia sido reprovado em oito concursos para juiz substituto. Isso aliás está começando a provocar reações coorporativas dos magistrados de carreira e alguns vexames: Em São Paulo, o Órgão Especial simplesmente devolveu uma lista sêxtupla da OAB; no STJ, os mais recentes indicados pela classe não tiveram os 17 votos necessários para ganhar uma cadeira lá. Aliás, no Superior Tribunal de Justiça, segundo o artigo 104 da Constituição, um terço dos seus 33 ministros é escolhido “em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94”. Como eu disse, pelo que li dessa chamada “Constituição Cidadã”, é meio despropositado falar mal da “ditadura militar”. Por que, ao contrário do que acontece em muitos países ocidentais e cristãos, como os Estados Unidos e a Suíça, os titulares do Poder Judiciário têm vida longa em seus cargos, com toda a blindagem imaginável. Provavelmente, um oficial superior naquela época não tivesse tantas prerrogativas e proteção. A meu ver, o artigo 95 dessa mesma Constituição exagera na dose, configurando um certo privilégio para as autoridades do Judiciário. Senão veja: “Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”. Como você viu hoje, não é muito fácil para um cidadão prenhe de Justiça e democracia acreditar que tais institutos existam entre nós. Nem os alfarrábios, muito menos num cotidiano que deixa a pé os generais d’antão. coluna@pedroporfirio.com Calote nos aposentados do BANESPA Vale a pena ler o depoimento que me foi enviado por José Milton de Andrade Marques, sobre o qual farei comentário oportunamente.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Podeer legislativo do TSE, gastos da Justiça e urnas eletrônicas

“Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do Poder Legislativo e do Executivo. Se estivesse ligado ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos”. Montesquieu, “Do Espírito das Leis”, capítulo VI, Livro IX, oportunamente citado pelo ministro Eros Grau no STF, em 12 de novembro de 2008. No dia 25 de março de 2007, o jornal O GLOBO publicou notícia com o seguinte título: TSE gastará R$ 335 milhões em nova sede, projetada por Niemeyer. No subtítulo, estava escrito: o novo prédio será doze vezes maior que a sede atual e tem o custo do metro quadrado estimado em R$ 2.831, superior ao das obras mais caras do judiciário. No dia 27 de março de 2007, respondendo a uma consulta do PFL, o plenário do TSE decidiu que existia fidelidade partidária no país, embora, como salientou agora o ministro Eros Grau, “o Tribunal Superior Eleitoral não está autorizado, nem pela Constituição, nem por lei nenhuma, a inovar o ordenamento jurídico, obrigando quem quer que seja a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa”. Com a repercussão da decisão do dia 27, não se falou mais no alto custo da obra. O caráter “moralizador” da iniciativa legislativa da corte eleitoral falou mais alto. Há um sentimento de rejeição em relação às mudanças de partido, que ocorrem em geral apenas em função de interesses pessoais dos detentores de mandatos. A mídia centra sua artilharia em relação aos políticos, mas esquece de falar dos constrangimentos impostos por legendas de aluguel e das práticas dos partidos, controlados por algumas pessoas, algumas famílias ou pelas máquinas do poder (Falarei depois a respeito) Aos formadores de opinião não ocorreu pesquisar como se engendram as hierarquias desses partidos, como estes formam suas listas de candidatos, como disponibilizam os horários de televisão, que são pagos pelos contribuintes e não gratuitos, como pensa o povo, com base na chamada feita pela estação TV ou rádio. Daí, a partir do dia 27 de março de 2007, o TSE passou a ser o centro de um debate legislativo, por conta da extrema pobreza intelectual do nosso Congresso, cujos mandatários, em sua maioria, não conhecem sequer os regimentos internos de suas casas de leis. Laptop a R$ 21 mil no STJ A questão da construção faraônica saiu de pauta. Na segunda-feira, 10 de novembro de 2008, ouvi na CBN uma notícia sobre a compra de laptops para o Superior Tribunal de Justiça. Segundo essa notícia, cada laptop desses, cujos preços caíram a menos de R$ 2 mil no mercado, foi cotado para uma licitação daquela corte por R$ 21 mil reais, um superfaturamento explícito, sem acanhamento. À noite, procurei na internet e não vi nada a respeito dessa compra. O mesmo aconteceu nos noticiários de televisão e nos jornais do dia seguinte. Acessei o site da ONG “Contas Abertas” e também não vi nada sobre os laptops do STJ, cuja compra somaria mais de R$ 2 milhões, segundo a mesma CBN. Fui buscar a notícia do prédio do TSE, publicada no GLOBO do dia 25 de março de 2007 e reproduzida em vários sites e blogs. Resolvi republicá-la agora, porque a discussão da matéria sobre fidelidade partidária mais uma vez no STF fez lembrar-me dela: “Orçada em R$ 330 milhões, a nova sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve se tornar uma das construções mais caras do Judiciário. Só o projeto, assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, custou R$ 7 milhões. Um consórcio, formado pelas construtoras OAS e Via Engenharia, apresentou a menor proposta: R$ 328,5 milhões. O edital prevê que a nova sede esteja pronta em três anos, mas o contingenciamento do orçamento do Judiciário pode atrasar a execução das obras. O preço do metro quadrado, de R$ 2.831, é superior ao que foi pago pelas sedes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) - consideradas duas das obras mais caras do Judiciário. O novo prédio será doze vezes maior que a sede atual. Embora o tribunal tenha apenas sete ministros e tenha grande demanda apenas em anos eleitorais, o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio de Mello, defende a necessidade de uma nova sede. O prédio que hoje abriga o TSE foi construído na década de 60 e conta com três anexos. O novo TSE será erguido e às margens do Lago Paranoá, região nobre de Brasília, num terreno cedido pela União em 2001”. Quem quer o fim das fraudes? Lembro-me que para derrubar a Lei que mandava imprimir o voto eletrônico para eventual conferência o então presidente do TSE, Sepúlveda Pertence, e o ministro Nelson Jobim, que também passou pelo mesmo cargo, argumentavam que seria caro comprar as impressoras. Fiquei pensando: será que usaram nesse caso os mesmos critérios de cotação utilizados agora para os laptops dos ministros do STJ? De qualquer maneira, enquanto mantiveram a discussão fechada em torno de matérias não resolvidas, como esse entendimento obtuso sobre a relação entre candidatos e partidos, a Justiça Eleitoral e as casas legislativas vão se poupando da discussão de suas despesas e, numa outra janela, mantendo intocável o atual sistema de apuração de votos, à prova de qualquer conferência. Na véspera do segundo turno passado, o prefeito Cesar Maia informou no seu “ex-blog” como mesários de confiança de políticos votam pelos eleitores nessas zonais mais distantes, em que certos candidatos garantem suas eleições. Fiquei pensando por que não discutem uma Lei anti-fraude. Por que, por exemplo, os títulos eleitorais não são como cartões bancários, que todo mundo tem. O eleitor passaria na urna, como faz um aposentado para receber sua grana, e depois assinaria na folha. A urna também imprimiria o voto para eventual conferência. Na Venezuela de Hugo Chávez eu vi com meus próprios olhos uma eleição a prova de fraude, desenvolvida por uma empresa norte-americana, a Smartmatic. Antes de se dirigir à seção eleitoral, o cidadão cadastra suas impressões digitais. Depois do eleitor votar, a própria urna eletrônica (e não outra máquina) emite o voto impresso: ele confere e põe numa outra urna. À saída, ainda marca um dedo com tinta azul que dura dois dias para não votar outra vez. Ao final da votação, os resultados são enviados diretamente da seção eleitoral para um computador central (sem essa de disquete) através do telefone celular. Aqui, bem, aqui, somos um dos raros países em que uma Justiça Eleitoral faz tudo – gerencia as eleições, julga seus atos e ainda legisla a respeito. Veja estudo a respeito das eleições em outros países. coluna@pedroporfirio.com Saiba como são as eleições em outros países Veja entrevista do diretor da empresa Smarmattic sobre as eleições na Venezuela concedida ao jornal conservador EL NACIONAL de Caracas Leia mais sobre as urnas eletrônicas na Venezuela

domingo, 9 de novembro de 2008

Ai de nós se o STF consagrar a impunidade dos torturadores

“A lei anistiou os crimes políticos e conexos. A tortura não é crime político em lugar nenhum do mundo. Tenho certeza de que o Supremo terá oportunidade única de fazer com que a história brasileira seja contada de forma não envergonhada, com a punição dos torturadores” – Cezar Britto, presidente da OAB, ao protocolar ação no STF.
O estranho parecer da Advocacia Geral da União e o pronunciamento “compensatório” do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, nos recolocaram em mais um pântano jurídico, típico de um mundo legal onde a incompetência, a pusilanimidade e a má fé se aliam em prejuízo dos direitos elementares dos cidadãos. Dentro de alguns dias, o STF deverá se pronunciar sobre o questionamento da OAB em relação ao suposto benefício da Lei de Anistia aos torturadores. Autores da ação, os advogados Fábio Konder Comparato e Maurício Gentil Monteiro assinalaram: “É irrefutável que não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo”. Com a iniciativa, a entidade contesta a mal inspirada defesa que a Advocacia Geral da União fez dos coronéis reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, acusados de pelo menos 64 mortes sob tortura em instalações militares. Nessa peça que compromete todo o corpo jurídico da AGU, a advogada Lucila Garbelini e o procurador-regional da União em São Paulo, Gustavo Henrique Pinheiro Amorim, afirmam que a Lei da Anistia de 1979 protege os torturadores: "A lei, anterior à Constituição de 1988, concedeu anistia a todos quantos, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos (...). Assim, a vedação da concessão da anistia a crimes pela prática de tortura não poderá jamais retroagir". Para fazer a defesa da impunidade dos torturadores e assassinos, esses ilustres procuradores chegam ao cúmulo alegar a proteção à intimidade das vítimas como argumento para defender os ex-comandantes do DOI/Codi. - É necessário ao Estado preservar a intimidade de pessoas que não desejam “reabrir feridas”, isto é, não gostariam que determinados fatos do período de exceção viessem a lume. Ponto de partida A ação do Ministério Público contra Ustra e Maciel é a primeira a contestar a validade da Lei da Anistia para acusados de tortura. Nela, os procuradores federais Marlon Weichert e Eugênia Fávero pedem que Ustra e Maciel sejam responsabilizados civilmente por mortes no DOI-CODI, principal centro de repressão política em São Paulo entre 1970 e 1976. No período, segundo registros oficiais, 6.897 pessoas passaram por lá, número que pode ser bem maior, considerando suas práticas de braço clandestino da repressão. Nada insulta tanto às Forças Armadas como essa muralha erguida por alguns recalcitrantes para assegurar a impunidade aos que usaram e abusaram do crime de tortura em suas instalações, durante a ditadura que se impôs pelas armas com a deposição de um presidente constitucional. Erra redondamente quem se posta como escudo em defesa de alguns torturadores covardes, que despiam e submetiam presos políticos a penosas sevícias naqueles idos aterrorizantes em que a força bruta era a única razão de ser de um regime alimentado pelo abuso de poder, origem do vírus da pusilanimidade, da insegurança e do medo de efeitos ainda hoje sentidos no tecido social. Quando a defesa da “anistia” desses crimes é formulada por contraposição comparativa com os atos contestatórios pelo presidente da mais alta corte do Poder Judiciário, aí é lícito supor que a ditadura ainda está no sangue dos “gendarmes” civis. Mais explícita é a posição do ministro da Defesa do Governo Lula, Nelson Jobim, outro que passou pelo STF por nomeação de FHC. - O que vai ser decidido pelo Supremo não é se alguém é a favor ou contra torturados ou torturadores. A questão é saber se o GRANDE ACORDO POLÍTICO da transição na década de 70, que deu origem à anistia, deve ser revisto interpretativamente ou não. Por ironia, foi o sacrifício de muitos brasileiros torturados que contribuiu para livrar a magistratura do garrote que ceifou admiráveis juízes, como Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal, Hermes Lima, José de Aguiar Dias e Osni Duarte Pereira, entre tantos próceres de uma Justiça que vem se desfigurando a olhos vistos. Nada é mais desconfortável do que ver advogados bem sucedidos recorrerem a sofismas para contrapor-se ao clamor de uma história que não pode apagar crimes praticados por agentes de segurança, cujos excessos levaram dezenas de brasileiros à morte. Estamos falando de violências praticadas no interior de instalações policiais e militares contra pessoas já aprisionadas, imobilizadas e sem a menor chance de escapar das sevícias e das matanças, como aconteceu com o ex-deputado Rubem Paiva, cuja morte é um dos mais cruéis corpos de delito daquele período trágico. Crimes sem paralelo Não há semelhança com nenhuma outra situação. Os que praticaram esses crimes faltaram com a própria ética castrense e não o fizeram no escuro da dúvida. Antes, como eu mesmo posso testemunhar, pareciam predispostos a uma sádica extrapolação de suas funções, com o que sobrepunham seus instintos perversos à prática investigativa. Mesmo as execuções em operações de buscas tiveram o tempero do ódio e da irracionalidade. Os repressores já saiam em campo com a intenção de ELIMINAR os contestadores, alguns mortos depois de imobilizados, como aconteceu com Carlos Lamarca e no Araguaia. Vale ainda lembrar que os agentes matadores s não se limitavam a levar prisioneiros à morte. Como os bandidos que hoje carbonizam os desafetos, davam fim aos corpos de suas vítimas, ocultando cadáveres e negando aos seus entes queridos até o último olhar. Graças a esse clima de impunidade, muitos familiares ainda não puderam dar uma sepultura digna a seus mortos. De todos os países deste hemisfério em que centenas de prisioneiros foram barbaramente torturados, muitos até o último suspiro, o Brasil é o único que insiste em negar o julgamento dessa súcia de sádicos celerados. Na Argentina, até os chefões das juntas militares estão purgando por seus crimes. No Chile, o general Augusto José Ramón Pinochet Ugarte pagou caro como assassino e gatuno, apesar do “ACORDO” que havia garantido a ele permanecer por algum tempo à frente das Forças Armadas e, depois, no cargo de senador vitalício. Querer passar uma borracha em tamanhas monstruosidades é dar foros de legalidade aos excessos letais de agentes públicos. Aí não importa a forma como a ditadura se desfez. A bem da verdade, os militares voltaram às suas funções constitucionais quando os regimes de exceção já não serviam aos interesses internacionais, financiadores do golpe de 64, encantados com a possibilidade de manterem o domínio com desgaste menor, através de civis mais hábeis, de colarinho ou de macacão. A tortura praticada por alguns celerados não se enquadra em nenhum viés de cunho político, não cabendo nenhum benefício previsto na legislação de anistia. Se os torturadores (e assassinos) permaneceram impunes até hoje foi por pura covardia dos guardiões das leis e pela inércia de uma sociedade que ainda não se encontrou com o verdadeiro estado de direito. Agora, no entanto, parece ter soado a hora da verdade. Inibir a impunidade Numa observação serena dos acontecimentos, vê-se que age de má fé quem tenta insuflar os militares de hoje contra um procedimento reparador de efeito personalíssimo, que não tem nenhum outro objetivo senão inibir a impunidade e reconhecer o direito dos que há mais de três décadas clamam e esperam por justiça. Em todos os regimes, é dever do Estado proceder suas investigações nos limites da Lei. A tortura é crime sem álibi. Ela não acontece num enfrentamento, em combate. E a recusa da condenação tem causado desconforto aos militares de hoje, porque de vez em quando estouram casos de violência irracional, como essas sevícias praticadas em Realengo contra um adolescente de 16 anos, por ter pulado o muro de um quartel. As Forças Armadas deste século deviam ser as primeiras a remover as manchas de sangue que ainda estão cravadas em suas paredes, assim como os supremos pastores forenses têm por condição mínima para o exercício do juízo sereno e confiável a exigência dos quesitos de civilidade e correção na defesa do Estado e da sociedade. Uma doença incurável? Em seu libelo sobre a ocorrência deplorável que vitimou um adolescente num quartel do Exército, o coronel-médico Levi Inimá Miranda (LEIA ARTIGO EM PORFÍRIO URGENTE) lembrou a convivência desconfortável com a violência: “A história comprova que nenhum militar, tanto durante os governos conseqüentes ao golpe de 1° de abril de 64 quanto nos governos pós-redemocratização, foi processado, julgado e condenado por crime de Tortura. Quando muito, alguns pouquíssimos foram processados apenas por “maus tratos”. E vai mais longe: “Fazem cerca de 5 meses que militares do Exército “entregaram” 3 rapazes do morro da Providência aos traficantes do morro da Mineira, o qual é dominado por uma facção rival àquela da Providência, para serem mortos. Isso nos permite aduzir que militares há que ainda teimam em não aprender com erros, bem como ficam mais uma vez patentes as faltas de comando e de supervisão desses casos. Em março de 2001, durante instrução militar nas dependências do 2° Batalhão de Infantaria Motorizada, 10 recrutas receberam choques elétricos, com telefone de campanha. Os militares foram processados na corte castrense apenas por “maus tratos”. Em maio de 2002, durante instrução militar nas dependências da 1ª Companhia de Engenharia de Combate Pára-quedista, 48 recrutas tiveram os olhos vendados, os punhos amarrados para trás, foram desnudados, pendurados de ponta-cabeça e receberam golpes de varas e choques elétricos (telefone de campanha AF-3), estes desferidos nos lábios, axilas, mamilos e genitais. Os militares foram processados na corte castrense somente por “maus tratos”. Em fevereiro de 2005, um civil foi preso e colocado numa cela do 1° Depósito de Suprimentos e encontrado morto na manhã do dia seguinte, em condições altamente suspeitas. Até hoje também não aprenderam com as torturas praticadas nos DOI-CODI, com os atentados havidos no Rio de Janeiro que culminaram na bomba do RIO-CENTRO, em 1981”. Por esses relatos, é lícito supor que a blindagem das torturas pretéritas, por motivos políticos, esteja associada a uma doença incurável que ainda permeia os órgãos de segurança. É como se o ambiente castrense não pudesse prescindir dessa forma degenerada de catarse. Como estou certo que não é nada disso, que a massa militar profissional é de outra estirpe, ainda espero que, ao fim, ao cabo, as gerações futuras ganhem segurança ao saberem da punição dos que se entregaram, ébrios, ao irresponsável e letal abuso de poder nos porões da ditadura.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Primeiras anotações sobre o 4 de novembro de 2008

“Demorou um tempo para chegar, mas esta noite, pelo que fizemos nesta data, nestas eleições, neste momento decisivo, a mudança chegou aos EUA”. Barack Hussein Obama, Chicago, 4 para 5 de novembro de 2008 Tenha paciência! Tentar reproduzir idiossincrasias pessoais e envelhecidos símbolos de forja ideológica nos comentários sobre o que aconteceu nesse 4 de novembro nos Estados Unidos é um verdadeiro desserviço à verdade e à história. Seja qual for o sentimento internalizado há décadas em cada um de nós, querer desconstruir a vitória de Barack Hussein Obama como um inegável corte epistemológico no processo político dos Estados Unidos é demonstrar total ausência do mínimo de lucidez. Já não digo da vitória do primeiro negro para a Presidência de um país onde o racismo foi lei em muitos estados até a década de sessenta e onde até hoje sobrevivem sentimentos mesquinhos de natureza racial. Isso por si já é um fato modificador, independente do discurso de Obama, que exprimiu o óbvio desde o primeiro momento: o fim do apartheid racial vale em todas as direções. Ele não era o melhor candidato por ser negro, mas por expressar uma proposta de contestação frontal à política adotada a ferro e a fogo por George Bush, de resto, o seu maior cabo eleitoral. Negro ele era para os recalcitrantes de um racismo enraizado, que jamais poderiam admitir ter alguém dessa origem à frente de qualquer governo. Se Barack Obama aceitasse essa condição como referencial primeiro de sua postulação, não teria sequer passado nas primárias do seu partido. Afinal, a população negra dos Estados Unidos não passa dos 10%. A revolução em si Temos então uma situação aparentemente contraditória. O fato de um negro chegar à presidência da potência decadente do Ocidente é uma revolução, uma mudança que fala por si e que por si presume outros câmbios, outras atitudes. A revolução consiste em ver essa ascensão num mundo governado por brancos, inclusive no Brasil, onde temos a maior população negra do mundo, depois da Nigéria. Quebrou-se um tabu nos Estados Unidos e isso não acontece isoladamente. Desde seu discurso na convenção do Partido Democrata de 2004, o senador de Illinois passou a ser visto como uma figura digna de admiração, sobretudo pelo entendimento da realidade e pela capacidade de expressar seu pensamento. Ao longo dos 19 meses de campanha, não teve medo de assumir posições difíceis, como a abertura de diálogo com o governo do Irã, isso apesar de toda a campanha suja disseminada contra ele, como relatou aqui na TRIBUNA o nosso competente (e honesto) correspondente Argemiro Ferreira. Seus opositores, inclusive dentro do Partido Democrata, fizeram chegar a todos os cidadãos dos Estados Unidos insinuações insistentes sobre sua infância na Indonésia, o país de maior população muçulmana do mundo. E, como você sabe, os muçulmanos são os demônios de hoje, assim como o foram os comunistas em passado recente. Aliás, não faltou quem o apontasse também como um perigoso socialista, um empecilho para o modelo de vida baseado na “livre iniciativa” e na economia de mercado, isso que você viu agora desmascarado com a transferência de uma fortuna dos cofres públicos para socorrer o ainda claudicante sistema financeiro privado. Essas informações são essenciais para entender o processo histórico nos Estados Unidos e essa corrida às urnas jamais vista há muitas gerações. A indicação das urnas Mais do que o mulato nascido na ilha do Havaí, cujo pai queniano voltou cedo para a África e ele mal conheceu, mas por quem sempre cultivou um grande carinho, há que considerar a manifestação coletiva dos norte-americanos, que demonstraram com esse voto explícito a rejeição do modelo segundo o qual são os grandes trustes internacionais que determinam a agenda do governo. Não há exagero em concluir que o povo dos Estados Unidos é vítima do sistema multinacional sem compromissos de fronteiras. Desde quando assassinaram Abraão Lincoln e, mais recentemente, quando o presidente Wilson declarou que o país deveria ser monitorado por homens como o banqueiro J.P Morgan, o ocupante da Casa Branca não passou de um títere das grandes corporações. Estas já não são empresas de algumas famílias, como até a segunda metade do século passado. Perpassam a própria fronteira dos Estados Unidos e trabalham com a aplicação da globalização ao pé da letra. No mundo globalizado, essas empresas têm trocado os empregos nos Estados Unidos pela mão de obra barata em países da Ásia, África e América Latina. Você pode ligar para uma central de um cartão de crédito e ele responder a partir do Paquistão ou da Índia. A tecnologia assim o permite. Um dos grandes problemas da economia norte-americana foi o refluxo negativo da NAFTA, a área de livre comércio da América do Norte, que está transferindo os empregos da Califórnia para o México. Tantos são os ingredientes de uma reavaliação por parte de um povo para quem o sonho hegemônico ou acabou o não pode ser escrito segundo a fórmula adotada até agora. O voto dos norte-americanos em Barack Obama, uma mensagem de um câmbio de proporções desconhecidas, tem mais a ver do que seu destinatário. Sua campanha aconteceu sob o impulso de combustíveis novos, como a contribuição financeira aberta, através da Internet, que somou a metade dos seus recursos. Além disso, motivou os jovens e fez as minorias acreditarem que valia a pena encarar uma fila. Elas acharam, como eu acho, que havia um confronto real, ao contrário dos pleitos anteriores, em que os postulantes à Casa Branca tinham os mesmos compromissos com o sistema. Não estou dizendo aqui que Obama vai virar os Estados Unidos de cabeça para baixo. Nem mesmo que esse é seu desejo. Mas do seu discurso da vitória em Chicago, o que mais me marcou foi a referência a Anne Nixon Cooper, a negra de 106 anos, que votou em Atlanta, com a esperança de que ia ver realizado o sonho de uma sociedade onde ninguém fosse discriminado pela cor da pele ou por sua condição social. Muito se escreveu e muito se escreverá sobre o último 4 de novembro. Como disse na última coluna, o sistema é mais forte do que qualquer presidente em qualquer país do mundo. Mas quando esse sistema vive uma crise de tamanha gravidade, quando perde sua credibilidade pela disseminação de uma verdadeira catástrofe econômica como conseqüência do modelo especulativo, quando aflora a conta impagável pelas políticas imperialistas de guerra e dominação, nessa hora, um povo que já experimentou uma guerra civil e já foi tão enganado por séculos decide retomar o fio da história e afrontar os responsáveis pelo sufoco que o acomete. Para mim, está claro que Obama tem consciência disso. E que agira considerando a insatisfação generalizada que produziu sua ascensão desafiadora. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 2 de novembro de 2008

Resta saber se o império assimilou a decadência

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 2 DE NOVEMBRO DE 2008
"Essa lei estabelece um mastodôntico feudo monetário (money trust) na Terra. Quando o presidente assiná-la, um governo invisível representado pelo poder monetário será legalizado em nosso país”.
Charles August Lindbergh, congressista de 1907 a 1917, mais conhecido por ter sido o pai do primeiro piloto a atravessar o Atlântico num monomotor, em 1927. "Deixe-me emitir e controlar o dinheiro de uma nação e não me importarei com quem redige as leis". – Mayer Amschel Rothschild (1744-1812) , precursor do “capitalismo selvagem” Em 2003, o ator negro Chris Rock escreveu e estrelou o filme “Head of State”, exibido no Brasil com o título “Um pobretão na Casa Branca”. Comédia despretensiosa, acabou sendo um prenúncio de uma possibilidade que só caberia em ficção: a vitória de um mulato, filho de queniano, com 4 anos de sua infância vividos na Indonésia, o país de maior população muçulmana do mundo. O que será do amanhã nos Estados Unidos – e, por conseqüência, no mundo, é um misto de dúvidas e esperanças. Mesmo na provável hipótese de vitória de Barack Hussein Obama, por quem torcem 79% dos brasileiros ligados, conforme pesquisa on line do jornal ESTADO DE SÃO PAULO, é precipitado dimensionar o “change” conseqüente de sua eventual ascensão. Antes do senador mulato e acima dele existe o “establishment” que dá as cartas desde priscas eras. Apesar da decadência do império norte-americano, de sua mais indisfarçável (e talvez irreversível) crise econômica, o país ainda vive sob controle dos “moneychangers”, os implacáveis agiotas que estão na raiz de um sistema baseado no domínio do mundo e na manipulação da economia. Depressão existencial Para agravar, o povo norte-americano sofre sua mais aguda depressão existencial. Poucos sabem, mas esse país que intervém em outros para “dar combate às drogas”, não é apenas o maior consumidor de cocaína (25% dos viciados, embora tenha apenas 4,7 % da população mundial): desde 2006 converteu-se no maior produtor de maconha do mundo, registrando um crescimento tão expressivo nessa “lavoura” que desbancou os plantios de milho e trigo juntos e passou a ser o principal produto agrícola em 12 Estados, segundo estudo da Universidade de Mississipi e pesquisa coordenada pelo professor PHD Jon Gettman, presidente da Droga Science Foundation, uma organização privada baseada na Califórnia. Toda essa concentração de esforços em favor de um jovem senador, apesar dos ataques venenosos dos adversários, parece a última cartada de uma sociedade em crise, onde o comparecimento às urnas gira em torno de 55% dos eleitores, apesar da variedade de candidatos, que vão desde o presidente da República até o juiz ou o xerife local. Símbolo de uma mudança radical, por ser negro, Obama reúne apoios inesperados. Além do general Colin Powell, ex-secretário de Estado de Bush, ele ganhou o reforço de Ken Duberstein, ex-chefe de Gabinete de Ronald Reagan. Enquanto 75% dos israelenses preferem o candidato republicano John McCain, dentro dos Estados Unidos líderes importantes da comunidade judaica manifestaram apoio a Obama. Foi o caso de Edgar Bronfman, que por 28 anos foi presidente do Congresso Mundial Judaico. Seu apoio ocorreu dois dias depois de McCain ter insinuado que Obama teria ligações com radicais palestinos. Obama terá o voto também de muitos cubanos da Flórida, onde a possibilidade de um abrandamento na política em relação a Cuba tem levado os mais exaltados a se desdobrarem na campanha do seu rival. Raul Martinez, ex-prefeito de um distrito de Miami, afirma que hoje as novas gerações dos 650 mil cubanos-norte-americanos (um quarto da população da cidade) querem o fim de medidas hostis à ilha e vão votar no candidato democrata. Essas novidades se refletem com realce na imprensa. Três dos quatro maiores diários dos EUA declararam apoio a Obama. O The New York Times, o Washington Post e o Los Angeles Times foram simpáticos aos democratas em 2004, mas agora estão na mesma posição jornais tradicionalmente republicanos e de estados conservadores, como Chicago Tribune, de Illinois, o Houston Chronicle, do Texas, e o Denver Post, do Colorado, que declararam voto no democrata. No total, 47 jornais que apoiaram Bush em 2004 estão hoje com Obama. Essas informações reforçam a expectativa de que o senador mulato seja uma espécie de tábua de salvação da grande maioria de assustados cidadãos do império em decadência. Embora a bancarrota bancária tenha sido mais saliente nos últimos 60 dias, muito antes a incerteza já rondava, em meio ao agravamento de uma crise econômica de inevitável repercussão social. A guerra em casa Com o atentado das torres gêmeas, os norte-americanos sentiram pela primeira vez em sua própria casa os horrores de uma guerra. Sua repercussão no existencial de um povo acostumado a bombardeios na terra dos outros provocou uma síndrome de pânico inconsciente, agravada com o prolongamento da guerra no Iraque, desencadeada com base em velhos truques de ameaças forjadas e bravatas pueris. A partir do 11 de setembro de 2001, o “estado belicoso”, responsável pela hipertofria dos gastos de guerra vem sendo questionado cada vez mais, na proporção de suas extravagâncias, dos seus métodos e de seus fiascos. A cada dia, os norte-americanos são tocados pelo volume de mentiras que move seus governantes e seus formadores de opinião. A Internet abalou os domínios dos donos e vendedores da “verdade”. Hoje, há milhões de fontes de informação e ingredientes de opinião. Você pode saber das coisas através de um despretencioso analista que, por não ser pago a peso de ouro pelos grandes cartéis, tem a língua solta. As próximas eleições sofrerão a influência de uma mídia nova, interativa, livre e reveladora. Uma mídia que, além de tudo, já opera uma mudança no comportamento da sociedade em hábitos que alcançam até as aproximações amorosas. Os valores e as cautelas tradicionais naufragam na torrente da dúvida e da desconfiança. A consequência mais dramática é a corrida às drogas, que representam um gasto de U$ 200 bilhões só no consumo anual da maconha. A Organização Mundial de Saúde revelou que 125 milhões de norte-americanos, de um total de 288 milhões, já experimentaram a maconha. A partir de 2006, quando em 25 anos multiplicou por dez o seu cultivo, os Estados Unidos se tornaram o maior produtor da canabis sativa do mundo, embora esteja longe da autosuficiência: U$ 35 bilhões anuais de maconha, contra US$ 23,3 bilhões no milho, US$ 17,6 bilhões na soja, US$ 11,1 bilhões em vegetais e US$ 7,4 bilhões no trigo. Povo manipulado Mais do que a crise econômica, o socorro aos bancos vem embaralhando as cabeças de um povo que é enganado oficialmente desde o dia 23 de dezembro de 1913, quando o ex-reitor da Universidade de Princeton, Woodrow Wilson, monitorado pelo banqueiro J.P. Morgan e pelos Rothschild, que o fizeram presidente dos Estados Unidos, assinou o “Federal Reserve Act”, criando o “Federal Reserve Bank”, um banco central privado que oficializou o “fractional reserve banking”, sistema pelo qual os bancos podem emprestar dez vezes mais do que o valor efetivo de suas reservas. Naquele então, o deputado Charles Lindbergh pressagiava: “As pessoas podem não perceber imediatamente, mas a verdade virá à tona no futuro. O pior crime legislativo da História está sendo perpetrado por essa lei dos banqueiros". A “crise imobiliária”, que já arrancou de suas casas hipotecadas 1 milhão e 200 mil norte-americanos, é o abuso do sistema financeiro e a consciência da impunidade levados às últimas conseqüências. O governo Bush já destinou U$ 700 bilhões para socorrer os bancos e seguradoras. A conta, no entanto, poderá chegar a U$ 2 trilhões, tendo como pano de fundo o aumento da pobreza não socorrida, do desemprego e do padrão salarial. Hoje mais de 37 milhões de trabalhadores ganham menos do que o salário mínimo de U$ 857,00. E 650 mil postos de trabalho foram fechados nos últimos 10 meses. Obama é menor do que o sistema, mas este treme com a crise que expõe suas próprias vísceras apodrecidas. Se for o escolhido por uma fatalidade histórica, porque a cruz pede um verdadeiro “enviado de Deus”, terá as condições para repensar o próprio modelo econômico falido, reposicionar o país no contexto internacional e cair na real. Resta saber se terá determinação e coragem. E se o sistema empenou de vez, se admite engolir a antítese dos seus branquelos de olhos azuis e reconhecer o “declínio americano” detectado pelo especialista em relações internacionais Francis Fukuyama ou o “mundo pós-americano”, referido por seu colega Fareed Zakaria. Resta saber até mesmo se as urnas vão confirmar as expectativas gerais. Afinal, em 1963, não faz muito, o racismo era Lei em muitos Estados e prática em quase todo o país dos arrogantes “donos do mundo”.