domingo, 27 de julho de 2008

Acenda uma vela todo dia para nunca precisar da Justiça


“Não é possível que não se atente para o fato de que vem a UNIÃO FEDERAL fazendo uma tremenda confusão, tumultuando sobremaneira o andamento do feito, quando desobedece a coisa julgada que se formou com o acórdão prolatado na Ap. Cível 51045/2006, na interpretação equivocada que deturpa o real alcance do lá estabelecido”.
Guillermo Federico Ramos e Luciana Trindade Pessoa da Silva, advogados da massa falida da Bloch Editores.

O que está acontecendo há exatos oito anos com o pessoal das empresas Bloch reforça a minha amarga convicção: todo dia acenda uma vela para nunca depender do Judiciário, esse poder hipertrofiado, divinizado e paradoxalmente transformado no grande altar da injustiça, onde prevalece como um carma o dito popular de “cada cabeça uma sentença”.
Acontece ironicamente numa empresa que, além do outrora pujante parque gráfico, tornou-se um grande grupo de comunicação, por onde passaram muitos dos profissionais que hoje são referências na mídia nacional.
Por onde passei eu, quase clandestinamente, em suas revistas dedicadas ao entretenimento, quando fechadas estavam as portas da mídia política, minha especialidade, em função da pressão da mesma ditadura que tentou em vão, por todos os meios, inclusive com bombas de dinamite, detonar esta TRIBUNA, fortaleza da resistência, mantida graças à determinação de um jornalista indomável que, aos 86 anos, escreve como ninguém com o vigor olímpico de um jovem.
O que ainda faz infernal a vida de dois mil sobreviventes, personagens de um verdadeiro holocausto, mostra que este é um país em que a Lei é apenas uma senhora ambígua, confusa, disforme, abusada, volúvel, sujeita ao humor de magistrados intocáveis, porque constitucionalmente blindadas em nome de prerrogativas que valem aqui como armaduras do mais exuberante entulho ditatorial.
No caso dos trabalhadores da falida Bloch, nada tem lógica. A empresa faliu em 2000, antes da malsinada Lei de Recuperação das Empresas, experimentada primariamente para dar suporte à punga dos direitos trabalhistas do pessoal da Varig.
Mesmo assim, pilares elementares de suas normas foram pelos ares, ante a leitura de um desembargador que desfez decisão de primeira instância e desconhecer a primazia do credor trabalhista, em benefício da dívida tributária, embora lidasse com coisa julgada.
Direitos preteridos
Por conta de decisão publicada no Diário Oficial da Justiça do dia 25 de junho, a 3ª Câmara Cível endossou procedimento do relator, que acolheu argüição da União a respeito da destinação do que seria o resíduo do imposto de renda retido na fonte e não recolhido, entendendo assim que não se trata de patrimônio da massa falida.
Com isso, foi desautorizada a 5ª Vara Empresarial, que havia determinado um novo rateio de R$ 3.000,00 para os empregados que há 8 anos percorrem os corredores da Justiça, correndo atrás de um prejuízo muito maior do que o calote em si. Em sua maioria, por conta da idade num país em que experiência não conta, esses profissionais foram apeados do mercado enquanto grupo.
Não estou aqui para entrar no questionamento técnico da decisão, porque na babel de uma Justiça que é maior do que o Direito, há hermenêutica para todos os gostos, como enfatizam os que reclamam o mínimo de uniformização da Jurisprudência, antes mesmo da tímida Emenda Constitucional nº 45/04, que estabeleceu a súmula vinculante.
Nem quero invocar o entendimento doutrinário do ministro Marco Aurélio Mello, que, num acórdão sobre a minha Lei que libertou a safra de escravos do volante que pagavam diárias até abril de 2000, escreveu com todas as letras:“
“Sendo fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, o exame da constitucionalidade do ato normativo faz-se considerada a impossibilidade de o Diploma Maior permitir a exploração do homem pelo homem”.
Cito para que você alcance meu raciocínio dois depoimentos extraídos de respeitáveis estudos jurídicos – de um juiz do Rio Grande do Sul, lavrado em 1990, e de um advogado de São Paulo, publicado em novembro de 2005.
Justiça por sorte
Escreveu então o juiz José Maria Rosa Tesheiner: “é um escândalo que a vitória ou a sucumbência da parte se determine pela sorte, conforme a distribuição de seu processo se faça a esta ou aquela Câmara”.
No mesmo documento, o magistrado gaúcho pôs o dedo na ferida, ao comentar as decisões judiciais:
“O papel da vontade é inversamente proporcional ao do conhecimento. A decisão é tanto mais árdua e imprevisível, quanto maior a ignorância a respeito das causas e das conseqüências, do passado e do futuro, do certo e do errado, do conveniente e do inconveniente. Pode ela ser aleatória, sentimental ou racional.
Pode-se decidir mediante um par ou ímpar ou por se gostar ou não gostar de alguém ou de alguma coisa. Em ambos os casos, e mais ainda no primeiro, a decisão de um grupo é suscetível de repetição por outro, por simples mimetismo”.
Com igual ênfase, assim se pronunciou o advogado Luís Felipe de Freitas Kietzmann: “a parte que espera a apreciação de matéria em que haja divergência jurisprudencial não possui convicção de que sua pretensão será acolhida, mas simplesmente ingressa com a demanda esperando que a distribuição se dê perante juiz, câmara ou grupo de câmaras, que possua determinado entendimento favorável”. E conclui:
“O Direito consiste, portanto, não apenas no produto do processo legislativo, mas especialmente na efetiva aplicação deste pelos órgãos do poder Judiciário, em contínuo processo hermenêutico de interpretação das leis”.
A Justiça e a Lei no Brasil se equivalem no desprezo pela dignidade humana expressa na premissa constitucional. O seu corpo de delito mais eloqüente é a longa e infinda espera com que castigam os cidadãos. No caso da Bloch, pouco conta o agravamento da situação de cada um por conta da demora.
Pesam mesmo a indústria dos agravos e sua sócia, a indústria das liminares, tudo como subproduto da matriz romana do direito ilusório que nos embala, que nem Montesquieu, nem Rousseau, nem os humanistas de hoje lograram conjurar. Até porque, ao contrário, tudo que se fez, desde o Código Civil napoleônico de 1804, foi privilegiar a Lei adjetiva e as artimanhas dos advogados inspirados no pragmatismo grosseiro e abjeto, segundo o qual vencer é o que interessa.
Enquanto a Justiça brasileira for essa babel que está aí, com seus super-poderes intrínsecos, as vítimas da falência da Bloch têm pouco o que esperar, apesar do heróico esforço de sua Comissão de Ex-funcionários. Sua causa, para alcançar ao menos um naco do direito, terá que ser reclamada de fora para dentro dos tribunais. É a isso que exorto nossos caros colegas.
coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 24 de julho de 2008

A guerra surda entre a manipulação e o voto de opinião

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 25 DE JULHO DE 2008
“Temos que criar regras que viabilizem o processo democrático. A internet é um instrumento mais barato, é impossível barrar esse processo. Muito mais difícil é a fiscalização”. Juiz Luiz Márcio Pereira, responsável pela coordenação-geral da fiscalização da propaganda eleitoral do TRE-RJ. O maior crime que se comete contra a democracia tida e havida como representativa é tornar clandestina uma campanha eleitoral. No entanto, tal prática parece institucionalizar-se, com a criminalização das mais variadas formas de propaganda, sempre encoberta por pretextos nobres, que, no fundo, no fundo, são autênticas arapucas contra o voto livre, o voto de opinião, alimentando o mais abjeto clientelismo, o peso da máquina pública e as coações localizadas. Quem se debruçar sobre essa colcha de retalhos ainda chamada de Lei 9504/97 (parece um transgênico com vários enxertos) terá à mão a aquarela da manipulação pintada por políticos que jogam pesado para continuarem com seus mandatos, por incompetentes anacrônicos e até por uma hermenêutica judicial que, por bem ou por mal, estimula a queda do nível dos nossos parlamentos, especialmente os municipais. A aplicação ao pé da letra da Lei Eleitoral e das Resoluções do TSE e do TRE implica na inviabilização das campanhas voltadas para os eleitores que escolhem por critérios críticos. Porque se ainda há lucidez na interpretação de alguns juízes, particularmente os que acumularam experiência com outras campanhas, de um modo geral os candidatos estão sujeitos a tal contingenciamento na divulgação de suas propostas que acabam impedidos de alcançar esse eleitorado infenso à troca de votos por favores. O resultado é festejado principalmente pelos que querem que os legislativos sejam meros apêndices do Poder Executivo e valhacoutos de interesses espúrios, dedicados a um jogo de péssimos hábitos, com o que isso representa para o enfraquecimento e caricaturização do regime democrático de direito. Opinião calada Uma reportagem criteriosa assinada por Fábio Vasconcellos e Elenilce Bottari, no jornal O GLOBO do último domingo, dia 20, demonstra claramente que o eleitor de opinião está cada dia mais distante da escolha dos vereadores, abrindo espaço para a ascensão dos padrinhos de “serviços sociais” clientelistas mantidos sabe Deus como, pelos controladores das máquinas públicas, pelos pastores e padres “carismáticos” e pelos bandos armados – “milicianos” ou não. A matéria não deixa dúvidas: “Há uma tese, bastante difundida, de que, quanto mais informado e escolarizado o eleitor, maior é a probabilidade de ele se interessar por política. Se a hipótese não estiver incorreta ou desatualizada, há algo a ser descoberto no Rio. Região onde estão aqueles com os melhores níveis de formação, a Zona Sul abriga os eleitores que mais abrem mão de escolher vereadores. Descrença nos candidatos ou falta de interesse nas eleições, o fato é que a soma das abstenções, votos nulos e em branco nessa área da cidade, para eleição de representantes da Câmara, chega a 30,86%. O percentual é maior do que o registrado no Centro (29,74%) e na Zona Norte (24,17%). Os melhores índices estão na Zona Oeste (21%). Para se ter uma idéia, a diferença entre as zonas Sul e Oeste chega a quase 47%. Os dados foram obtidos a partir do cruzamento dos resultados das eleições de 2004. Naquele ano, em toda a cidade, cerca de um milhão de eleitores não participou da eleição para vereadores”. Dessa reportagem vale a pena pinçar ainda: “Presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães diz que um dos motivos para a desmotivação política do bairro é o desempenho dos vereadores. Ele cita o caso recente da Câmara de querer aprovar um projeto renovando as concessões de linhas de ônibus sem consultar a população: — O fato de termos mais acesso a informações explica a desmotivação da Zona Sul. No entanto, acredito que, cada vez que abrimos mão de participar desse processo, mais contribuímos para manter a situação como está. Em Copacabana, bairro de Horácio, está a 18ª Zona Eleitoral, localizada na Rua Miguel Lemos. Lá, foi registrado o maior índice de abstenções: 25,45%. Também nessa rua houve o percentual mais alto de voto em branco para vereadores (5,28%). O votos nulos foram recordes na Zona Eleitoral da Rua Antônio Basílio, na Tijuca (7,6%), seguida da 18ª Zona, também na Rua Miguel Lemos (7,11%). Na Zona Oeste, a média de voto em branco para vereador é de 3,6%. Já os votos nulos não passam de 3,98%. Há zonas eleitorais, como a da Avenida Cesário de Melo, em Santa Cruz, onde os votos nulos foram de apenas 2,65%, o índice mais baixo da cidade”. Internet limitada Além do terror que se apossa de um candidato, pela possibilidade de levar uma multa por descuido de algum colaborador no trabalho de rua, o voto de opinião é ainda bloqueado pela interpretação absolutamente descabida que a Lei e muitos magistrados dão à Internet, ao ponto de restringir o envio de cartas eletrônicas – mais conhecidos como e-mails – que têm alcance ilimitado e custo zero, ao contrário do que acontece com as malas diretas enviadas pelos correios. Neste sistema, somando desde a impressão da carta até o selo, passando pelo envelope, etiquetas e pessoal remunerado, uma correspondência não sai por menos de R $ 2,50, o que a torna exclusividade de candidatos com mala cheia. Além disso, há um verdadeiro esquema de manipulação de cadastros oficiais, tornados privativos dos candidatos da máquina. Segundo pesquisa do Ibope/NetRatings, o Brasil ultrapassou em junho a marca de 41 milhões 565 mil pessoas com acesso à Internet em qualquer ambiente, como casa, trabalho, escola, cybercafés e bibliotecas. Considerando que o Brasil tem aproximadamente 184 milhões de habitantes, o número de internautas já equivale a 22,5% da população. Se esmiuçarmos o levantamento, poderemos detectar que em grandes cidades, como Rio e São Paulo, esse percentual já ultrapassou os 50%. Como se infere da análise do cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília, o leitor de uma mensagem eletrônica é provavelmente um cidadão com visão crítica, portador de um voto de opinião. “O público da internet é mais seletivo, em geral, mais instruído” – pondera. Estamos, assim, diante de um quadro definido: ou há mais espaços para sensibilizar o voto de opinião ou teremos legislativos cada vez mais medíocres, viciados e corruptos. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 20 de julho de 2008

Mandatários e magistrados no jogo da verdade


Foto do site da Associação dos Oficiais de Justiça do Estado de São Paulo, onde se lê: Pena máxima para Desembargador = Aposentadoria Compulsória(via administrativa)
Pena para Servidor do Judiciário = Perda de Cargo e Demissão a bem do Serviço Público


MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 21 DE JULHO DE 2008


“Os magistrados têm clareza de que a Justiça, como está, é ruim. Os juízes trabalham muito, mas não trabalham para distribuir Justiça”.
Maria Tereza Sadek, pesquisadora, considerada uma das maiores autoridades sobre o Judiciário brasileiro.
Como disse na sexta-feira, o ministro Gilmar Mendes não pode ser crucificado como se fosse o único a exorbitar, porque ele é parte de todo um sistema que já foi cognominado “a ditadura da toga”, a mais perigosa das ditaduras, segundo o ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo.
Políticos e magistrados são duas faces da mesma moeda. Os políticos têm mandatos de 4 anos, submetidos ao julgamento das urnas. Os magistrados, mesmo os que entram pele cota do “quinto constitucional” (indicados pela OAB e Ministério Público), ficam nos seus cargos até os 70 anos, ao contrário do que acontece em "modelares" países democráticos, como EUA e Suíça, onde são eleitos por tempo determinado.
Para a segunda instância em diante, são promovidos por deliberações inter corporis ou indicações exógenas e chegam às altas cortes sem o estresse dos concursos. Todos são vitalícios e inamovíveis, de acordo com o artigo 95 da Constituição Federal.
Qualquer candidato a qualquer posto eletivo, mesmo de vereador nos cafundós do Judas, é obrigado a tornar pública a sua Declaração de Bens, nem que seja só um fusca ou uma raspa em sua conta, ainda que não tenha a menor possibilidade de se eleger. Os magistrados, não. A evolução do seu patrimônio é protegida pelo sigilo fiscal, como os brasileiros da área privada, embora sejam titulares de amplos poderes de decisão.
Os políticos são diariamente questionados pela mídia, até porque são travessos mais da conta. Os magistrados, não. A menos que algum deles seja pilhado em operações policiais orientadas pelo Ministério Público, suas decisões, por mais insustentáveis, são sintomaticamente acolhidas com o silêncio da grande mídia.
Fora de controle
Os magistrados exigem que os advogados cumpram cronometricamente os prazos. Já eles usam e abusam da protelação: procrastinam até a publicação dos seus votos, evitando que uma decisão seja cumprida em função dessa atitude, embora a Constituição Federal prescreva, em seu Artigo 93, inciso II:
“e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”.
Os políticos são cassáveis (apesar da pizzaria) e sofrem impeachment, como aconteceu com o próprio presidente da República, Fernando Collor de Mello.
De 2004 para cá, houve troca de prefeitos em 296 cidades. Desses afastamentos, 60,5% (179) se deram por cassação de mandato. No Congresso, quem não foi cassado nos processos abertos na legislatura passada também não conseguiu reeleger-se.
Mais grave: graças a essa “ditadura da toga”, mandatários foram cassados por LIMNINARES da Justiça Comum, independente do absurdo alegado em alguns casos.
No âmbito da magistratura, a realidade é outra. O ex-presidente do TJ de Rondônia, desembargador Sebastião Teixeira Chaves, preso em agosto de 2006 sob a acusação de integrar uma quadrilha de alto quilate que roubou R$ 70 milhões dos nossos impostos, teve como punição do Conselho Nacional de Justiça a aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de carreira, que passam dos R$ 20 mil mensais.
Aliás, esse Conselho até hoje não disse a que veio. Que o diga o conselheiro Paulo Lobo, indicado pela OAB, e tido como uma “voz dissonante no CNJ”. Em entrevista ao jornal O GLOBO, em 30 de março de 2008, ele lamentou que, em quatro anos de existência, foi punido apenas um magistrado, exatamente o “condenado” a receber uma gorda aposentadoria.
Se o CNJ, que seria a ferramenta de controle externo do Judiciário, já claudicava antes, a “doutrina” do ministro Gilmar Mendes reduziu ainda mais seu poder controlador. Ele assumiu sua presidência afirmando que o conselho não pode dar prioridade a processos disciplinares contra juízes acusados de corrupção. Esta seria matéria do respectivo Tribunal de Justiça.
Já os desembargadores não punem os colegas, como aconteceu na investigação interna sobre direcionamento de processos pela “forma 4”, no TJ-RJ, em 2004, com base em denúncia do escritório de advocacia Andrade & Fichtner.
Naquele caso, O então presidente do TJ-RJ, Miguel Pachá, informou que remeteu o caso para o Ministério Público. “Só o Ministério Público pode investigar”, afirmou. Segundo Pachá, o tribunal foi “até o limite que a lei permitia”, uma vez que “a lei não permite que a Justiça investigue”.
Situação privilegiada
Os magistrados não podem se queixar dos vencimentos, nem da falta de juízes. Estão abertas as inscrições para juízes substitutos do Distrito Federal e Territórios: o vencimento inicial previsto em edital é de R$ 21.005,69.
Neste mesmo instante, o Colégio Pedro II, o maior padrão salarial do ensino médio oficial, abriu concurso para professores, com salários de R$ 2.095,35 (graduados) a R$ 3.456,35 (doutores). No Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, há 15 vagas de nível superior, com vencimentos de R$ 1.747,83. No Rio, a Prefeitura abriu concurso para o cargo de professor I – ciências, com salário é de R$ 1.032,58.
No Ministério da Marinha, foram abertas em abril 83 vagas para engenheiros e analistas, com vencimentos iniciais de R$ 3.425,87. Para 63 vagas de tecnologista (nível superior) o Ministério de Ciência e Tecnologia ofereceu um inicial de R$ 2.982,00.
A burocracia judicial custa mais de 3,5% do PIB do Brasil e, nesta área, é uma das maiores despesas do mundo. É um investimento maior do que o que se faz em educação no País. Se somarmos as despesas com os demais órgãos jurídicos, o valor final ultrapassou R$ 130 bilhões, em 2007, ou 5% do PIB .
Já a quantidade de magistrados no Brasil é de um para cada 13 mil habitantes, próxima da média mundial, perdendo apenas para a Alemanha. No Rio, só na Justiça Comum, há 180 desembargadores e 800 juízes de primeira instância sem contar as centenas de ”juízes leigos”.
No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, ainda há um fundo que retém nos seus cofres parte de todas as taxas judiciais cobradas. Operado pela Corregedoria, esse fundo arrecada tanto que o TJ-RJ já emprestou dinheiro para o Governo do Estado.
Há muito mais o que falar para levar os que ainda pensam a uma discussão produtiva sobre algo que põe em xeque o próprio quimérico regime de direito.
coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Impeachment do ministro ou desencanto com a Justiça?

Daniel Dantas, um homem de bens incontáveis e de robustos arquivos.
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 18 DE JULHO DE 2008
“Imagine-se o que aconteceria a um juiz se desatendesse a qualquer exigência do rei e sua família ou até de algum favorito ou fâmulo real”. Moreira de Azevedo, sobre juízes do Império. Na manhã desta sexta-feira, 18 de julho de 2008, numa manifestação de rua puxada por alguns jovens indignados, uma Brasília perplexa ouvirá o primeiro grito de desencanto que terá como alvo principal sua excelência o ministro Gilmar Mendes, elevado ao Supremo Tribunal Federal por obra e graça de um sistema em que a mais alta corte do país sai da pena do chefe do Poder Executivo. A previsão é de tempo ensolarado com temperatura amena que, às dez horas da manhã, quando os manifestantes se encontrarão nas escadarias do Congresso Nacional, deverá registrar em torno de 21 graus. O ato é convocado como a erupção espontânea de um tumor. Ao meu conhecimento, chegam 8 assinaturas, entre as quais a do jovem Yuri Soares Franco, diretor do Centro Acadêmico de História da Universidade Nacional de Brasília, cuja inquietação acompanho à distância pela troca de e-mails. Com ele, assinam o chamamento, com a pureza brancaleone os brasileiros Bruno dos Reis Fonseca, estudante de Geografia da UnB; Carla Bezerra - secretária de juventude do PT-DF; Cícero Rola - diretor de comunicação da CUT-DF; Cláudia Maya - Vice-presidente da União Nacional dos Estudantes no DF; Marcos Zimmermann Fiegenbaun, de São Leopoldo (RS) Rafael Holanda Barroso – diretor do Centro Acadêmico de Ciência Política da UnB e o Centro de Documentação e Apoio aos Movimentos Populares - Campo Grande/MS. O protesto tem um objetivo inédito, porém da maior oportunidade: os que lá estiverem, poucos ou muitos, personificarão os milhões de indignados que atravessam a Internet de fio a pavio com seus e-mails amargurados e os outros milhares que expressaram suas opiniões nos jornais pelos espaços dos leitores. Eles querem que se discuta o impeachment do ministro Gilmar Mendes, por conta de suas inconvenientes decisões que favoreceram o banqueiro bilionário Daniel Valente Dantas, livrado de uma prisão temporário de 5 dias em nome do regime de direito que é mais invocado quando a “vítima” é um homem de bens do seu quilate. Onça com vara curta O ministro certamente está mais do que tranqüilo. Para quem percorreu com desenvoltura os meandros do poder que levaram Fernando Henrique Cardoso a anunciar sua ida para o STF mesmo quando ainda não havia sido aberta nenhuma vaga, essa movimentação soa como uma quixotesca demonstração do mais onírico irrealismo. Estão cutucando a onça com vara curta. Se até o juiz concursado e inatacável vai para o banco dos réus por ter divergido do chefe supremo do Poder Judiciário, apesar da solidariedade de um punhado de bravos colegas, como essa meia dúzia de quase meninos ousa expressar na rua o grito que está parado no ar? Se os delegados que passaram quatro anos queimando a mufa para desbaratar a sofisticada rede criminosa são desonradamente afastados da investigação, apesar do clamor geral e do desconforto causado, como pode aparecer alguém de calças curtas para questionar o majestoso tratamento dado ao bilionário plutocrata? De certo, o senhor presidente do Supremo Tribunal Federal, que foi recebido com todo respeito pelo chefe do Poder Executivo, há de considerar todas as manifestações uma ofensa ao Poder Judiciário, às Leis, à Constituição, à hierarquia e ao Estado de Direito. Não está em jogo, para ele, o duplo habeas corpus em benefício do banqueiro que quis molhar a mão do delegado Victor Hugo com a bagatela de 1 milhão de dólares. Sim, porque, como é parte deste regime de direito, decisão judicial não se discute, cumpre-se. Pode ser atrabiliária, estapafúrdia, tendenciosa, pode ser o que for: ai de quem se negar a cumpri-la, que isso poderá custar no mínimo o xilindró de que o ministro Gilmar livrou o celebrado banqueiro. E, para sermos justos, o senhor ministro Gilmar Mendes está sendo barbaramente injustiçado, como se fosse o único magistrado a espelhar-se em Luiz XVI, para quem o estado era ele. Já que a Associação dos Magistrados do Brasil e as entidades do Ministério Público e da Polícia Federal decidiram questionar a dupla libertação do vitorioso banqueiro, por que não questionam o próprio sistema que produz ministros e desembargadores por critérios políticos, segundo a balanço do poder inter-corporis? Ou você não sabe que só se faz concurso para juiz de primeira instância? Que são diferentes os méritos para chegar à segunda instância, à terceira e ao Supremo? O jogo da corrupção Na segunda-feira, transcrevi uma entrevista da juíza Márcia Cunha de Carvalho, que passou de titular da 2ª Vara Empresarial para auxiliar do juiz Ayub, na 1ª Vara. Do que ela declarou com todas as letras ao jornal O GLOBO, assustada depois de contrariar os interesses de Daniel Valente Dantas, duas informações precisam ser relidas para que possamos entender o universo de um poder em que seus titulares, mesmo os nomeados, ganham cargos vitalícios até os 70 anos de idade. "Fui nomeada titular da vara em dezembro do ano passado (2004). Em fevereiro, uma pessoa contatou meu marido e disse: “Vi que você tem acesso a diversos desembargadores e juízes de vara empresarial. Queria trabalhar junto, fazer parcerias”. Meu marido, aposentado e advogado, acabara de montar um escritório. A pessoa queria que ele advogasse para o Opportunity, oferecendo um contrato astronômico, em que o cliente pagaria todo mês um valor certo, tendo ou não ação. No caso, um grande mensalão. Tenho prova de que ele fez a oferta". No final do seu desabafo, a juíza Márcia Cunha declarou: “Eu entendi aquilo como uma tentativa de corrupção. Por que eles iam escolher o meu marido, com um escritório que estava começando, oferecendo uma vantagem tão grande? Qual o interesse deles? Só isso. Soube depois que esse tipo de abordagem não foi só comigo. Outros colegas que tinham processo no Opportunity sofreram este tipo de abordagem". Em suma, por hoje, devo dizer, sem querer tirar razão dos garotos de Brasília, que não há nada mais precário do que tentar enfrentar os rumos do absurdo adotados por boa parte da Justiça com a imolação de um ministro do Supremo. Há muito mais a questionar, se a intenção é realmente resgatar a responsabilidade do Judiciário imaginada por Montesquieu, quando pugnou pela independência dos juízes no florescer do quimérico estado de direito. Do contrário, tudo o que agora se fizer soará como uma primária tentativa de enxugar gelo. coluna@pedroporfirio.com

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A semente da dúvida que abala a Justiça



O juiz Fausto Martin de Sanctis, que teve a coragem de enfrentar o todo poderoso presidente cdo Supremo e agora vai para o banco dos réus do Conselho Nacional de Justiça, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, é um especialista em casos que envolvem lavagem de dinheiro. Com fama de rigoroso, já condenou o doleiro Toninho da Barcelona, seqüestrou obras de arte do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira e pediu a prisão do magnata russo Boris Berezovsky, suspeito de ser um dos investidores ocultos do Corinthians.
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 14 DE JULHO DE 2008

"Esse episódio está deixando a população e o mundo jurídico perplexos".

Romualdo Sanches Calvo Filho, presidente da Academia Paulista de Direito

Criminal

Não tenha dúvida: depois que o ministro Gilmar Mendes queimou instâncias duas vezes para mandar soltar o banqueiro Daniel Valente Dantas, a Justiça não será a mesma aos olhos do povo. O STF ainda aparecia como a última esperança contra a impunidade. Agora, como uma onda no mar, nenhum cidadão com o mínimo de senso crítico vai entender por que o plutocrata que ofereceu um milhão de dólares a um delegado para livrar sua cara não pode passar uns dias em cana, experiência que até o Paulo Maluf viveu, apesar de seu traquejo nas sendas da impunidade.
Pior será quando, sem ter como explicar suas peripécias que comprometem meio mundo em todos os poderes, inclusive no Judiciário, o senhor dos anéis atravessar o Atlântico, na mesma rota do coleguinha Salvatore Alberto Cacciola. Com as modernas ferramentas da comunicação, ele não terá dificuldade de comandar seus negócios através de prepostos escolados que já aprenderam os macetes deste mundo fanaticamente corrupto, que põe Sodoma e Gomorra no santuário.
Com mais bala na agulha, Daniel, o festejado, o amigão de todos os figurões da República, terá a protegê-lo uma rede competente de informantes, a salvo de juízes íntegros e delegados incorruptíveis. De posse de informações íntimas de nossas ínclitas autoridades em todos os podres poderes e com a assessoria do coronel israelense Avner Shemeh, um "batuta" em espionagem privada, ele manterá seu reinado incólume e ainda dará mais asas à sua fértil imaginação.
Já aqui, o juiz Fausto Martin de Sanctis irá para o banco dos réus do Conselho Nacional de Justiça pelo crime de insistir em mandá-lo para a prisão, contrariando o presidente do Supremo, que também é presidente do Conselho.
E o delegado Protógenes Queiroz, que coordenou as investigações, já está com a batata assando, conforme noticiou a "Folha de S. Paulo" deste domingo, em meio a uma orquestrada campanha que já fala de um "estado policial", que só existe porque alguma coisa está sendo feita, no estrito limite da lei, atingindo alguns donos do País, nesse valhacouto acostumado a pintar e bordar sob a proteção dos cobres que cobrem qualquer indelicadeza adversa. Enquanto não desfazem por inteiro o trabalho do Ministério Público Federal e da PF, recorro aos meus arquivos implacáveis, onde as peripécias do banqueiro baiano já ocupam um bom espaço.
Suborno na Justiça
E vou encontrar duas peças preciosas: uma delas é a desesperada entrevista da juíza Márcia Cunha de Carvalho, quando titular da 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. No caso da juíza Márcia Cunha, ela própria procurou o jornal "O Globo" no final de setembro de 2005 para denunciar a tentativa de suborno do banco de Daniel Valente Dantas na pendência judicial com os fundos de pensão pelo controle da Brasil Telecon.
"Fui nomeada titular da vara em dezembro do ano passado (2004). Em fevereiro, uma pessoa contatou meu marido e disse: `Vi que você tem acesso a diversos desembargadores e juízes de vara empresarial. Queria trabalhar junto, fazer parcerias'. Meu marido, aposentado e advogado, acabara de montar um escritório. A pessoa queria que ele advogasse para o Opportunity, oferecendo um contrato astronômico, em que o cliente pagaria todo mês um valor certo, tendo ou não ação. No caso, um grande mensalão. Tenho prova de que ele fez a oferta".
Como ninguém se lembrou de retirar do baú essa entrevista, faço sua transcrição para que você conheça melhor a personaliade desse plutocrata.
"Quem fez a proposta?
Meu marido contou que recebeu a proposta de Eduardo (Rascovisky) e achava, no início, que não ia se concretizar, mas acabou confirmada. Era muito dinheiro. Basicamente, para fazer lobby. Conversamos sobre ela num domingo. Ele disse que era uma proposta excelente. Respondi que com o Opportunity não ia dar, porque havia ação na minha vara. Só não sabia qual porque tinha acabado de entrar. Eduardo até disse a meu marido que tinha uma ação na vara, mas não era importante.
Que ações eram essas?
Entrei na intranet em casa e vi que havia dois números de ação do Opportunity na 2ª Vara. Na segunda-feira, fui ver que ações eram essas e descobri que uma era simplesmente a mais importante de todas que o Opportunity tinha, pelo controle do grupo (de empresas administradas pelo banco, entre elas a Brasil Telecom). Falei para o Sérgio (marido) que ele não podia aceitar de maneira alguma. Ele contatou a pessoa e disse que não aceitava. A pessoa disse que isso não tinha nada a ver e pronto.
O que aconteceu depois?
A primeira decisão que dei na ação beneficiava o Opportunity. Logo surgiu um boato de que a minha suspeição seria argüída porque minha filha estagiava no escritório Andrade & Fichtner, que patrocinava os fundos de pensão. Já havia despachado várias ações deles.
Nunca havia me passado na cabeça qualquer suspeita, mas pedi a minha filha para sair do escritório em março. No mesmo período, o escritório foi substituído pelo Paulo César Pinheiro Carneiro. Em maio, este entra com um pedido de antecipação de tutela, pedindo que eu declarasse a nulidade de um acordo que o Opportunity fez em nome de todos, mas que só beneficiava ele, que dizia: `Se eu for destituído por qualquer destas partes como administrador, toda vez que o grupo social tiver que votar prevalece a minha intenção de voto'.
Qual foi a sua decisão?
O Opportunity tinha menos de 10% de todo o investimento. Os outros dois têm, cada um, cerca de 40%. Ele, com menos de 10%, ia mandar mesmo afastado. Isso por 15 anos. Isso é abuso de poder. Sustei os efeitos do acordo.
O que a senhora achou da abordagem feita ao seu marido?
Eu entendi aquilo como uma tentativa de corrupção. Por que eles iam escolher o meu marido, com um escritório que estava começando, oferecendo uma vantagem tão grande? Qual o interesse deles? Só isso. Soube depois que esse tipo de abordagem não foi só comigo. Outros colegas que tinham processo no Opportunity sofreram este tipo de abordagem".
Sobre a outra peça, falarei oportunamente.



sexta-feira, 11 de julho de 2008

De como rasgam as leis trabalhistas no "sapatinho"

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 11 DE JULHO DE 2008 "A Lei 11.101/05 é uma forma nova de extinção do emprego, sem garantir qualquer indenização ao empregado ou impor qualquer responsabilidade ao adquirente". Ação Direta deInconstitucionalidade 3934/07, assinada pelo Partido Democrático Trabalhista Quando insisto na denúncia do crime cometido por influência do compadrio contra os trabalhadores da Varig não penso apenas nesse admirável plantel. O que se vê aí é a "mãe de todas as maldades" contra os direitos trabalhistas, segundo uma velha estratégia, a mesma adotada por Mao Tse-Tung quando tomou Xangai. De posse da maior cidade chinesa, as outras cairiam como pedras de dominó. O que está em jogo é, portanto, muito mais do que o massacre de uma corporação através da desnacionalização-doação da mais antiga empresa brasileira de aviação. Além da desestruturação de todo o sistema aéreo, por sua marca internacional, a Varig entra como "laboratório" de experimento da liquidação dos direitos trabalhistas por vias transversas, mas fulminantes. A chamada Lei de Recuperação das Empresas é o primeiro grande golpe assestado no coração do acervo de legislações sociais, produzidos na era Vargas, que FHC jurou detonar e que só agora começa a desmoronar, no governo de um sindicalista que sempre desdenhou de tudo o que se conquistou antes do seu aparecimento no bojo do chamado novo sindicalismo. No caso da Varig, o primeiro diagnóstico demonstra a falácia da "recuperação da empresa", processo legal que só serviu para encobrir a transferência nada oculta de seus 80 anos acumulados de conhecimento e prestígio para um fundo abutre norte-americano, que fez o mais peralta "negócio da China", aliás com a assinatura de um ágil operador chinês, o endiabrado Lap Chan, que deve ter estudado nos seus livros o efeito da conquista de Xangai. Isto quer dizer que o modelo poderá ser aplicado em qualquer outra empresa, sem qualquer tipo de salvaguarda social. No caso da Varig, ainda houve um agravante dramático: junto com o massacre do pessoal demitido sem ver um centavo das verbas rescisórias, sucumbiu também o seu fundo de pensão, credor de 3 bilhões da empresa, que não tem a menor idéia de quando verá a cor do dinheiro sonegado. Falácia da recuperação Uma análise da aplicação da Lei 11.101/05 mostra que o processo seguido tornou letra morta o seu artigo 47, que pomposamente prescreve: "A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica". Na prática, a manutenção da própria empresa como fonte produtora; a do emprego dos trabalhadores; e dos interesses dos credores (seus pagamentos) não aconteceram. Antes, pelo contrário. É o que fica claro na análise dos pilares da Lei 11.101 aplicados ao caso da Varig, tomando por base números da própria Gol, que a comprou do fundo norte-americano por uma grana superfaturada. Pilar 1 - Manutenção da empresa (como fonte produtora) Muitos dias antes de 8 de maio de 2008, em 24 de abril, segundo sua própria página na internet, a empresa VRG já havia determinado o encerramento de atividades em todos os seus vôos internacionais de longa distância, fazendo com que a chamada "recuperação" da Varig hoje se resuma a uma empresa que ocupa menos de 8% do mercado e abandonou completamente a navegação aérea de longa distância aos concorrentes - especialmente os estrangeiros. Registros da Anac em abril indicam que as 36 aeronaves mantidas na frota da VRG, quase dois anos após sua "recuperação", atendem a não mais que 7,96% da demanda existente (ou seja, 0,22% do mercado por avião), percentual cuja comparação com os 0,55% de mercado por aeronave de sua controladora Gol indica grande probabilidade de vermos a empresa alegadamente "recuperada" ser ainda mais encolhida em futuro próximo. Na balança de pagamentos, o Brasil perdeu mais de 90% dos 1,3 bilhão de dólares em ingressos com a destruição da Varig, pois as demais empresas nacionais não conseguiram ocupar mais que 10% das rotas anteriormente servidas pela empresa "recuperada". Em resumo: no pilar manutenção da empresa o fracasso aponta para redução brutal nas suas operações, com todas as rotas de longo curso abandonadas e os 4 cantos do mundo vazios da bandeira da Varig. Pilar 2 - Manutenção do emprego (dos trabalhadores da empresa em recuperação) Quanto à manutenção do emprego dos mais de 10.000 trabalhadores da Varig, temos que em 28 de fevereiro de 2008 a VRG também publicou em sua página da internet ter empregado exatamente 850 ex-funcionários da Viação Aérea Rio-Grandense, para uma malha servindo 140 vôos domésticos por dia, além de destinos internacionais. Ainda na internet, a mesma VRG declara que teria ao final de fevereiro 1.119 comissários e 246 chefes de cabine, totalizando 1.365 tripulantes de atendimento. Com 2 pilotos para cada 8 comissários, conclui-se que a VRG teria então 1.535 aeronautas em seus quadros e sendo o número de aeronautas equivalente a 45% do total de funcionários da empresa, a VRG teria 3.410 funcionários. Assim, menos de um quarto dos funcionários da empresa "recuperada" é originado das empresas ditas em recuperação. Menos de um quarto do total de funcionários em uma empresa que segundo se alardeou largamente em seu plano de "recuperação" estava destinada a manter postos de trabalho dos funcionários da Varig. Enquanto isto, na chamada Flex (a Varig que teria sobrado), um verdadeiro cabide de empregos se apresenta, com 300 e tantos funcionários para fazer operar uma única aeronave. Caso esta proporcionalidade fosse adotada na VRG, com 36 aeronaves, todos os 10.000 funcionários que foram vitimados pela "recuperação" da Varig estariam hoje empregados... Em resumo: no pilar manutenção do emprego o fracasso aponta para 100% ilegalmente demitidos e sem receber seus direitos trabalhistas, com mais de 75% atualmente desempregados. Pilra 3 - Pagamento aos credores (manutenção dos seus interesses) Já no pilar que exige o pagamento dos credores, podemos verificar que da dívida original de cerca de 8,5 bilhões de reais, sequer 1% chegou a ser pago até o momento e só a manutenção do cabide de empregos na chamada Flex já consumiu muito mais do que isto. Ao mesmo tempo, graças à não amortização do valor devido, o montante já ultrapassa hoje 10 bilhões de reais pelos juros e correção monetária acumulados enquanto o patrimônio se deteriora para atender o desejo de quem se interessa por manter a suposta "recuperação". Em resumo: no pilar manutenção do interesse dos credores o fracasso aponta para menos de 1% das dívidas quitadas e o contínuo desperdício de milhões na manutenção de uma empresa simplesmente de fachada. Voltarei ao assunto. mailto:coluna@pedroporfirio.com%20

domingo, 6 de julho de 2008

Um desastre muito mais pesado do que o ar

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 7 DE JULHO DE 2008 “A diretoria da Anac errou porque votou de maneira açodada a operação de venda da VarigLog para o fundo americano e não analisou, com cuidado, o que estava sendo vendido, ou seja, qual era o objeto da venda, que não poderia incluir os slots e hotrans, pois pertencem à União” Aurélio Rios, Subprocurador da República Daqui, do sopé da serra dos Três Rios, contemplo nuvens carregadas, prenunciando capítulos desastrosos no céu azul da pátria amada. Não, não estou falando de acidentes, que isso me tiraria o sono, por si já raro e petulante. Por ironia do destino, no entanto, tudo o que venho escrevendo há anos do meu solitário bastião ganha nítidos desenhos de uma realidade apocalíptica. Por incúria, má fé e sujeição a interesses espúrios, estão preparando o tapete nebuloso para entregar nossos céus de mão beijada às companhias estrangeiras. Talvez, não fosse exatamente isso o que desejavam os medíocres anões que se aliaram na irresponsável tarefa de destruir o maior patrimônio da aviação comercial brasileira, o plantel de profissionais que acumularam 80 anos da mais criteriosa vivência com esse invento desafiador de Santos Dumont. Pequenos mais da conta, esses senhores de todos os poderes talvez quisessem apenas saciar ambições menores de quem chegou outro dia e achou que tudo se resolvia pondo asas nos ônibus. Talvez, não digo que sim, nem que não! Mas o que é que você pode esperar de quem não entende patavina do que se passa a um metro do nariz, embora o poder lhes tenha subido à cabeça num desvario só explicável pelos modernos intérpretes de Freud? Agora, já são muitos os espaços que se abrem na imprensa para falar da hecatombe em sua fase mais cruel. Daqui a uns dias, não mais, vai cair a cortina que escondia toda a farsa que se montou para encobrir tenebrosos favorecimentos, com o uso e abuso do compadrio como forma de influir em decisões tão graves. Tudo o que se fez foi um terrível mal ao país. Qualquer governo, seja de direita, de centro ou de esquerda, teria o mínimo de lucidez para entender que a Varig constituía a espinha dorsal do sistema aéreo brasileiro. Independente da situação a que chegou, devido a fatores de toda natureza, próprios e decorrentes de políticas governamentais, qualquer um, que não fosse atiçado por perniciosos cortesãos, saberia que, para além dos aviões e dos escritórios, havia um time de primeira, com verdadeiros azes da aviação, que respondia pela qualidade dos serviços, a segurança e o prestígio de nossa um dia pujante aviação comercial. Crepúsculo anunciado Desde o início do milênio, o crepúsculo se desenhou a olhos vistos. Sabia-se que estava em jogo mais do que a insolvência de uma empresa, algo que acontece como uma fatalidade de um capitalismo em que todos, sem exceção, sabem que penam para não desaparecerem do mapa. Quantas empresas sumiram ladeira abaixo nessa guerra sistêmica em que todos estão sujeitos a sentenças de morte? Antes mesmo da Varig, saíram das pistas desde a perseguida Panair, à Real, o Lóide Aéreo, a Cruzeiro do Sul, a Vasp e a Transbrasil, enfim, as empresas do ramo tiveram a fatalidade do começo, meio e fim. Mas as empresas, sejam do que for, não são apenas capitais financeiros, escritórios, ferramentas. Enquanto houve lucidez e competência, as crises na área tinham seus efeitos perversos, mas não tão dramáticos. A Varig levou consigo o fundo de pensão dos profissionais de aviação, que vinha sendo solapado desde o dia em que o presidente Collor abriu a bolsa das apostas no seu desmonte, com receita definida, que incluía, como terceira fonte, uma pequena taxa cobrada nas passagens. Essa taxa, sem que os usuários tivessem feito qualquer reclamação, compunha a base de cálculo do fundo. Já antes, na irresponsabilidade de quem ainda não saiu da província, o Sr. José Sarney, presidente por acaso, meteu os pés pelas mãos e golpeou a aviação comercial, que tem seus custos determinados em grande parte por insumos externos, nivelando-a às transportadoras terrestres na hora de congelar suas tarifas. Como o sistema é obra do demônio, já dizem os muçulmanos com toda razão, e como seus gênios trabalham a longo prazo, não me surpreende que hoje estejamos assistindo à consumação de um processo iniciado naqueles idos, quando a Varig estava entre as cinco companhias aéreas de maior credibilidade no mundo inteiro. Naqueles idos, repito, em que desapareciam dos ares empresas emblemáticas como a Panan, em que os norte-americanos viviam suas primeiras dúvidas atrozes sobre o domínio que tentaram desde a conferência de Chicago, em 1944, quando prepararam o golpe da política de céu aberto que hoje, finalmente, começa a aparecer como inevitável em países com dimensões continentais como o Brasil, objeto da cobiça de tantos interesses externos em tantas áreas, num complô apátrida e violento que poderá acarretar a simbolização de nossas fronteiras, com a anexação virtual ao sistema econômico que trabalha para o Wall Street e não para o povo deste ou daquele país. Golpe na soberania O noticiário destes dias é a demonstração mais incontestável dos males indefensáveis perpetrados contra uma corporação de alto nível, num desmonte impatriótico de toda o setor, que deixou de ser olhado pela visão maior do interesse nacional para sujeitar-se às manipulações bandidas de quem tem acesso ao poder e bala na agulha para disparar em qualquer direção, não importando quantas vítimas inocentes cairiam no caminho. Hoje, já não dá mais para jogar para debaixo do tapete a tremenda trapalhada produzida contra a soberania nacional dos nossos céus, na qual, infelizmente, prevaleceu tão somente a arrogância e o poder de influência de quem levou uma grana preta para virar os aviões de cabeça para baixo. E nisso, não se pode partidarizar, nem politizar a questão em níveis igualmente medíocres. Não é certo tratar do problema somente para dizer que não faria isso, porque tem gente de todos os valhacoutos envolvida até o pescoço nessa sujeira indescritível. Hoje, o que se espera com os detritos à tona é a revogação dos males causados e a reavaliação de tudo. Não há como considerar, como Chamberlain fez em relação aos nazistas, que só resta “relaxar e gozar”. Há mais de meio milhar de pilotos brasileiros exilados. Há milhares de profissionais de alta qualificação na maior penúria, procurando qualquer coisa, porque se tornaram os mais mal-tratados objetos de um sistema que já transformou os direitos trabalhistas em peças de museu e mostrou que não está nem aí para os aposentados e pensionistas que acreditavam existir um governo para controlar os destinos de um fundo de pensão para o qual contribuíram de boa fé. coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Um “imposto invisível” que custa os olhos da cara

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 4 DE JULHO DE 2008 “Cinco famílias têm direito ao domínio útil de Botafogo, o que é uma loucura”. Regina Chiaradia, da Associação dos Moradores de Botafogo. Nestes tempos bicudos em que o brasileiro tem de morrer numa baba em impostos – mais 1/3 da sua renda – gostaria de indagar numa boa, até porque, como consta do ditado, perguntar não ofende: por que até hoje somos penalizados com essas taxas de laudêmios e enfiteuses, entulhos do arco da velha, que sobrevivem a séculos por cima de pau e pedra? Sabe do que estou falando? Coisa da corte portuguesa, dos tempos coloniais, que atravessou independência adentro no primeiro reinado e pegou pesado até hoje, sem que ninguém consiga derrubar, embora todo mundo pense como o advogado tributarista Melhin Chalhub, para quem “a União cobrar isso em pleno século 21 é injustificável, por ser uma invenção da Idade Média”. A União? Menos. O próprio Chalhub lembra que em Niterói, o Asilo de Santa Leopoldina, por exemplo, ainda recebe laudêmio pela maioria dos imóveis construídos em Icaraí, um dos bairros mais nobres dessa simpática cidade. Pelos cálculos do advogado Francisco Neto, de São Paulo, a União Federal possui e detém apenas 30% das terras aforadas, enquanto a Igreja Católica possui 60%, ficando o restante com particulares e com herdeiros da família imperial brasileira. Antes que você vire a página e me deixe aqui falando sozinho, vou logo explicando: quem vende imóvel nas áreas onde vigora o laudêmio, paga nada menos de que 5% do seu valor para uma espécie de sócio oculto. Só no Rio de Janeiro, pelos cálculos da Secretaria Nacional de Patrimônio, 50% do seu território sofrem com essas taxas que enchem as burras da União, da Prefeitura, de ordens religiosas e de famílias que ganharam essa boca desde as sesmarias, quando a cidade foi dividida em lotes no Primeiro Reinado, em 1831. Isso numa tremenda balbúrdia: primeiro, porque ora cobram pelo valor do solo, ora incluem as construções. Depois, no caso dos terrenos de marinha, ninguém se entende sobre quem está nos 33 metros definidos naquele 1831 como de proteção militar. Tem imóvel na Av. Lúcio Costa, construído há menos de 10 anos, que não está cadastrado. Outros, na mesma beira mar, por mais antigos, não são peixes, mas caíram na malha. Em 2006, houve até uma audiência pública na Associação Comercial do Rio de Janeiro, quando alguns deputados federais prometeram mover céus e terras para mudar a Constituição e acabar com esse “imposto invisível”, que nos pega no contrapé. Era ano de eleição para o Congresso e depois ficou por isso mesmo, até porque, como dizem os juristas de fino trato, essa é “matéria infraconstitucional” – isto é, o buraco é mais embaixo - não tem nada a ver com a dourada Carta Magna. Os donos de Botafogo No bairro de Botafogo, a Associação de Moradores entrou com uma ação civil pública para livrar 30 mil proprietários da São Clemente e adjacências do pagamento dessa taxa à família Silva Porto, que tem o direito real adquirido pelo sistema de sesmarias feito na época do Primeiro Reinado. A presidente da associação, Regina Chiaradia, constatou que a taxação levou muitos aposentados a venderem os imóveis para quitar as dívidas com os Silva Porto, considerados enfiteutas (pessoas que recebem o valor do domínio útil de um prédio). - Acredito que cerca de 50 a 60 mil pessoas pagam essas taxas seculares no bairro todo, algumas delas sem saber direito o que é – disse ao JB em 2006. E o governo federal, o que tem a dizer? Como sempre, esse, como qualquer outro, se puder nos arranca o olho da cara e nos deixa a imaginar navios na beira da praia. Em todas as ações contra a cobrança dessa grana, a Advocacia Geral da União questiona até sua autoria. Porque é dinheiro que não entra no catálogo das reclamações com impacto político. E leva milhares de pessoas à rendição incondicional. Afinal, neste país, o senso crítico foi substituído pelo jeitinho brasileiro: no lugar de reagir contra a extorsão, o cidadão procura uma forma de burlá-la e fica tudo por isso mesmo. Uma prática do tempo que os portugueses estavam por cima da carne seca foi sacramentada no primeiro reinado, mantida no Código Civil republicano de 1916 ( artigos 678 e 680) e ainda ganhou forma de “regulamentação” com os Decretos-Leis 2490, de 1940 e 2398, de 1987. Pelo artigo 26, parágrafo 1° do decreto do Doutor Getúlio, “todas as transferências onerosas, quaisquer que sejam suas modalidades, estão sujeitas ao pagamento de laudêmio”. Pelo artigo 3º do Decreto de 1987, assinado pelo Doutor Sarney, “dependerá de prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil”. E a farra continua A cobrança– mais do dobro do ITBI municipal - foi calorosamente debatida na última Constituinte, que abriu caminho para o seu fim através do artigo 49 de suas Disposições Transitórias: "A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem os respectivos contratos." Com a aprovação do atual Código Civil, que passou a vigorar em 11 de janeiro de 2003, a enfiteuse deixou de ser disciplinada e foi substituída pelo “direito de superfície”. O seu artigo 2.038 proibe a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, aos princípios do Código Civil de 1916. Nada mudou até hoje, no entanto. Que o digam os moradores da Urca à Sepetiba, do Flamengo à Ilha do Governador, que pagam à União 5% do valor do imóvel a cada venda ou do Castelo (no Centro), que são “sócios” da Ordem Terceira da Penitência. Ou os proprietários dos prédios do Pátio do Colégio, em São Paulo, de toda a cidade de Petrópolis (nas mãos dos herdeiros do imperador) ou da cidade de Tombos, em Minas Gerais, que são “devedores” da Igreja. E olha que poucas são as legislações no mundo que ainda abrigam esse arcaísmo histórico. Não sei quantos estão interessados em entrar nessa briga contra laudêmios, enfiteuses, foros e outros bichos que corroem nossos orçamentos. Mas eu acho que esta é uma boa oportunidade para questionar, até porque estamos às vésperas de eleições municipais e precisamos modernizar a legislação sobre o uso do solo, sob pena de produzir uma crise de moradia igual a que levou os norte-americanos à lona. coluna@pedroporfirio.com