sexta-feira, 1 de agosto de 2008

No país das liminares, surgem 7 advogados por hora

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 1 DE AGOSTO DE 2008
“Como é que recrutamos os magistrados no Brasil? O cidadão sai da faculdade de Direito; se foi bom aluno, se foi o gênio da turma com 22 anos de idade, inscreve-se num concurso porque descobriu que não tem vocação para ser advogado, não vai exercer a advocacia no setor público, não vai ser consultor de empresas. Pega, pois os programas do concurso e estuda ininterruptamente. Passa e é nomeado; daí a dois anos, alcança a vitaliciedade”. Ministro Edson Vidigal, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça.
O Brasil forma por dia 174 advogados, ou seja a cada hora saem 7 novos advogados dos fornos das 1038 faculdades de direitos implantadas no Brasil, a maioria a toque de caixa. Por ano, 63.510 bacharéis. Dessas escolas, segundo números de março de 2007, 923 são particulares. Esse milhar corresponde a um aumento astronômico de cursos autorizados: em 1960, o número de faculdades de direito era de 69, com um certo equilíbrio entre públicas e privadas. Estima-se que hoje tenhamos mais de meio milhão de advogados. Isto porque, mesmo com diplomas, a maioria de bacharéis não consegue passar nos exames da OAB. Do contrário, teríamos passado do milhão há muito tempo. No rico Estado de São Paulo (dono da metade da nossa riqueza produzida – PIB de R$ 727 bilhões), o número de reprovados nos exames da Ordem chega a 92,84%. Com 39 milhões 827 mil habitantes, funcionavam em 2007 nada menos de 225 faculdades de direito, 45 a mais do que nos Estados Unidos, que tem uma população de 299 milhões. Por que tantos brasileiros procuram arrancar um diploma de bacharel em direito? Na resposta a esta pergunta está a mais podre balbúrdia institucional do país. Ou seja, em outras palavras, todos sonham em participar do verdadeiro poder, que julga, legisla e até arrecada para um fundo próprio, produzindo violências diárias, acatadas docilmente por uma sociedade desnorteada e submetida ao tacão da mais intocável das ditaduras, a ditadura da toga. Um poder que constrói os prédios mais caros do país, como o do TSE em Brasília, que estava sendo questionado pela mídia e saiu da pauta justo no dia em que a corte eleitoral anunciou a decisão sobre fidelidade partidária. Procedimento emblemático O que venho levantando a respeito desse impenetrável mundo jurídico dá um livro maior do que a enciclopédia britânica. Você dirá que tenho me dedicado a essa obstinada pesquisa porque a liminar de um desembargador, no crepúsculo do ano judicial, garfou o meu mandato de vereador sob o mais inverossímil dos motivos, o de que eu teria renunciado ao mandato antes mesmo de assumi-lo. Você dirá que eu fiquei ainda mais ligado nos escaninhos desse poder hipertrofiado que, no entanto, guarda em suas prateleiras 43 milhões de processos, porque o Tribunal Regional Eleitoral manteve o mandato do suplente que ocupa meu lugar, sob a alegação de justa causa para trocar de partido, alegada no julgamento de 7 de julho, embora nunca, em tempo algum, ele tenha formulado qualquer queixa contra o partido, nem mesmo no documento em que formalizou sua desfiliação do PDT, em 28 de setembro, um mês depois de estar inscrito no PSC e 6 meses além do prazo permitido pela Resolução do TSE. É. Pode ser. E qual é o mal nisso? A gente só fecha as portas depois de arrombadas, é dos nossos hábitos e costumes. Mas se sou jornalista há exatos 47 anos – isso nenhum desembargador poderá cassar nem que a vaca tussa ( ou será que eles podem tudo até me cassarem profissionalmente?). Como sou ainda um jovem de 65 anos tenho muito tempo para frente e, como mandato ou sem mandato legislativo, com jornal ou sem jornal, tenho todo o tempo do mundo para encarar essa barbárie que o brilhante procurador André Luís Alves de Melo, do Ministério Público de Minas Gerais destrinchou, num arrazoado de 5.341 palavras, cognominando-o de “judicialização do Estado brasileiro”. Barbárie que deixa no chinelo a ditadura militar, que me torturou e me manteve no cárcere por um ano e meio, mas que, na hora do julgamento, a 1ª Auditoria de Marinha e depois o Superior Tribunal Militar tiveram a dignidade de me absolver por unanimidade, apesar da catilinária do feroz promotor José Manes Leitão. Prejuízo consciente Ao contrário do que acontece em outros casos e outros órgãos da mídia, tudo o que tenho escrito sobre o comportamento de boa parte do Judiciário só tem trazido prejuízo para o meu processo. Sei disso e pago à vista. O mandado de segurança que ganhou liminar em 19 de dezembro de 2007, com a cassação “automática”, foi declarado extinto pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2008, com base no voto divergente do desembargador Motta Moraes, o mesmo que foi derrotado no TRE em 7 de julho quando, demonstrando profundo conhecimento dos fatos, relatou pela cassação do suplente e pela restituição do meu mandato. No entanto, decorridos 65 dias, a decisão ainda não foi publicada. Só o desembargador que deu a liminar em 19 de dezembro, levou quase dois meses para liberar o voto vencido. E agora ainda vamos ter que esperar a publicação de uma declaração de outro voto vencido para então ter início o ritual burocrático que levará à publicação de um acórdão que, aliás, ainda não parece claro. Mas o meu sangue latino, minha alma cearense e minha admiração por Maomé, o Alcorão e a Suna me levam a liberar o grito parado no ar com a mesma crença do jovem islâmico que vai ao encontro da morte com a convicção que está ganhando uma confortadora sobrevida eterna. Abstraindo o meu caso, o caso da Varig, que poderia ter sido resolvido se o processo de da defasagem tarifária não tivesse rolasse por 18 anos sem o julgamento final; o caso dos trabalhadores da Bloch, de oito anos ainda, que há pouco tiveram uma decisão de primeira instância reformada na segunda em prejuízo dos seus direitos, há toda uma mazela institucional que precisa ser questionada para que os brasileiros de amanhã não passem pelo mesmo drama. Nesse caso, vale recorrer de novo ao diagnóstico do procurador mineiro: “A judicialização do Estado brasileiro é um fenômeno que diante do contexto mundial atual é inconcebível, pois fórum não produz riqueza, uma nação não pode consumir-se em litígios e a agilização do sistema jurídico ocorreria naturalmente com a criação de períodos fixos para permanência nos cargos de cúpula, assim como já é até nas forças armadas para os generais, o mesmo sistema seria adotado para desembargadores e procuradores de justiça, que seria a aposentadoria compulsória após um período de oito anos no cargo ou retornaria para o cargo de origem, pois em uma democracia não há superioridade definitiva entre membros de uma instituição”. coluna@pedroporfirio.com