“Não é possível que não se atente para o fato de que vem a UNIÃO FEDERAL fazendo uma tremenda confusão, tumultuando sobremaneira o andamento do feito, quando desobedece a coisa julgada que se formou com o acórdão prolatado na Ap. Cível 51045/2006, na interpretação equivocada que deturpa o real alcance do lá estabelecido”.
Guillermo Federico Ramos e Luciana Trindade Pessoa da Silva, advogados da massa falida da Bloch Editores.
O que está acontecendo há exatos oito anos com o pessoal das empresas Bloch reforça a minha amarga convicção: todo dia acenda uma vela para nunca depender do Judiciário, esse poder hipertrofiado, divinizado e paradoxalmente transformado no grande altar da injustiça, onde prevalece como um carma o dito popular de “cada cabeça uma sentença”.
Acontece ironicamente numa empresa que, além do outrora pujante parque gráfico, tornou-se um grande grupo de comunicação, por onde passaram muitos dos profissionais que hoje são referências na mídia nacional.
Por onde passei eu, quase clandestinamente, em suas revistas dedicadas ao entretenimento, quando fechadas estavam as portas da mídia política, minha especialidade, em função da pressão da mesma ditadura que tentou em vão, por todos os meios, inclusive com bombas de dinamite, detonar esta TRIBUNA, fortaleza da resistência, mantida graças à determinação de um jornalista indomável que, aos 86 anos, escreve como ninguém com o vigor olímpico de um jovem.
O que ainda faz infernal a vida de dois mil sobreviventes, personagens de um verdadeiro holocausto, mostra que este é um país em que a Lei é apenas uma senhora ambígua, confusa, disforme, abusada, volúvel, sujeita ao humor de magistrados intocáveis, porque constitucionalmente blindadas em nome de prerrogativas que valem aqui como armaduras do mais exuberante entulho ditatorial.
No caso dos trabalhadores da falida Bloch, nada tem lógica. A empresa faliu em 2000, antes da malsinada Lei de Recuperação das Empresas, experimentada primariamente para dar suporte à punga dos direitos trabalhistas do pessoal da Varig.
Mesmo assim, pilares elementares de suas normas foram pelos ares, ante a leitura de um desembargador que desfez decisão de primeira instância e desconhecer a primazia do credor trabalhista, em benefício da dívida tributária, embora lidasse com coisa julgada.
Direitos preteridos
Por conta de decisão publicada no Diário Oficial da Justiça do dia 25 de junho, a 3ª Câmara Cível endossou procedimento do relator, que acolheu argüição da União a respeito da destinação do que seria o resíduo do imposto de renda retido na fonte e não recolhido, entendendo assim que não se trata de patrimônio da massa falida.
Com isso, foi desautorizada a 5ª Vara Empresarial, que havia determinado um novo rateio de R$ 3.000,00 para os empregados que há 8 anos percorrem os corredores da Justiça, correndo atrás de um prejuízo muito maior do que o calote em si. Em sua maioria, por conta da idade num país em que experiência não conta, esses profissionais foram apeados do mercado enquanto grupo.
Não estou aqui para entrar no questionamento técnico da decisão, porque na babel de uma Justiça que é maior do que o Direito, há hermenêutica para todos os gostos, como enfatizam os que reclamam o mínimo de uniformização da Jurisprudência, antes mesmo da tímida Emenda Constitucional nº 45/04, que estabeleceu a súmula vinculante.
Nem quero invocar o entendimento doutrinário do ministro Marco Aurélio Mello, que, num acórdão sobre a minha Lei que libertou a safra de escravos do volante que pagavam diárias até abril de 2000, escreveu com todas as letras:“
“Sendo fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, o exame da constitucionalidade do ato normativo faz-se considerada a impossibilidade de o Diploma Maior permitir a exploração do homem pelo homem”.
Cito para que você alcance meu raciocínio dois depoimentos extraídos de respeitáveis estudos jurídicos – de um juiz do Rio Grande do Sul, lavrado em 1990, e de um advogado de São Paulo, publicado em novembro de 2005.
Justiça por sorte
Escreveu então o juiz José Maria Rosa Tesheiner: “é um escândalo que a vitória ou a sucumbência da parte se determine pela sorte, conforme a distribuição de seu processo se faça a esta ou aquela Câmara”.
No mesmo documento, o magistrado gaúcho pôs o dedo na ferida, ao comentar as decisões judiciais:
“O papel da vontade é inversamente proporcional ao do conhecimento. A decisão é tanto mais árdua e imprevisível, quanto maior a ignorância a respeito das causas e das conseqüências, do passado e do futuro, do certo e do errado, do conveniente e do inconveniente. Pode ela ser aleatória, sentimental ou racional.
Pode-se decidir mediante um par ou ímpar ou por se gostar ou não gostar de alguém ou de alguma coisa. Em ambos os casos, e mais ainda no primeiro, a decisão de um grupo é suscetível de repetição por outro, por simples mimetismo”.
Com igual ênfase, assim se pronunciou o advogado Luís Felipe de Freitas Kietzmann: “a parte que espera a apreciação de matéria em que haja divergência jurisprudencial não possui convicção de que sua pretensão será acolhida, mas simplesmente ingressa com a demanda esperando que a distribuição se dê perante juiz, câmara ou grupo de câmaras, que possua determinado entendimento favorável”. E conclui:
“O Direito consiste, portanto, não apenas no produto do processo legislativo, mas especialmente na efetiva aplicação deste pelos órgãos do poder Judiciário, em contínuo processo hermenêutico de interpretação das leis”.
A Justiça e a Lei no Brasil se equivalem no desprezo pela dignidade humana expressa na premissa constitucional. O seu corpo de delito mais eloqüente é a longa e infinda espera com que castigam os cidadãos. No caso da Bloch, pouco conta o agravamento da situação de cada um por conta da demora.
Pesam mesmo a indústria dos agravos e sua sócia, a indústria das liminares, tudo como subproduto da matriz romana do direito ilusório que nos embala, que nem Montesquieu, nem Rousseau, nem os humanistas de hoje lograram conjurar. Até porque, ao contrário, tudo que se fez, desde o Código Civil napoleônico de 1804, foi privilegiar a Lei adjetiva e as artimanhas dos advogados inspirados no pragmatismo grosseiro e abjeto, segundo o qual vencer é o que interessa.
Enquanto a Justiça brasileira for essa babel que está aí, com seus super-poderes intrínsecos, as vítimas da falência da Bloch têm pouco o que esperar, apesar do heróico esforço de sua Comissão de Ex-funcionários. Sua causa, para alcançar ao menos um naco do direito, terá que ser reclamada de fora para dentro dos tribunais. É a isso que exorto nossos caros colegas.
coluna@pedroporfirio.com
Guillermo Federico Ramos e Luciana Trindade Pessoa da Silva, advogados da massa falida da Bloch Editores.
O que está acontecendo há exatos oito anos com o pessoal das empresas Bloch reforça a minha amarga convicção: todo dia acenda uma vela para nunca depender do Judiciário, esse poder hipertrofiado, divinizado e paradoxalmente transformado no grande altar da injustiça, onde prevalece como um carma o dito popular de “cada cabeça uma sentença”.
Acontece ironicamente numa empresa que, além do outrora pujante parque gráfico, tornou-se um grande grupo de comunicação, por onde passaram muitos dos profissionais que hoje são referências na mídia nacional.
Por onde passei eu, quase clandestinamente, em suas revistas dedicadas ao entretenimento, quando fechadas estavam as portas da mídia política, minha especialidade, em função da pressão da mesma ditadura que tentou em vão, por todos os meios, inclusive com bombas de dinamite, detonar esta TRIBUNA, fortaleza da resistência, mantida graças à determinação de um jornalista indomável que, aos 86 anos, escreve como ninguém com o vigor olímpico de um jovem.
O que ainda faz infernal a vida de dois mil sobreviventes, personagens de um verdadeiro holocausto, mostra que este é um país em que a Lei é apenas uma senhora ambígua, confusa, disforme, abusada, volúvel, sujeita ao humor de magistrados intocáveis, porque constitucionalmente blindadas em nome de prerrogativas que valem aqui como armaduras do mais exuberante entulho ditatorial.
No caso dos trabalhadores da falida Bloch, nada tem lógica. A empresa faliu em 2000, antes da malsinada Lei de Recuperação das Empresas, experimentada primariamente para dar suporte à punga dos direitos trabalhistas do pessoal da Varig.
Mesmo assim, pilares elementares de suas normas foram pelos ares, ante a leitura de um desembargador que desfez decisão de primeira instância e desconhecer a primazia do credor trabalhista, em benefício da dívida tributária, embora lidasse com coisa julgada.
Direitos preteridos
Por conta de decisão publicada no Diário Oficial da Justiça do dia 25 de junho, a 3ª Câmara Cível endossou procedimento do relator, que acolheu argüição da União a respeito da destinação do que seria o resíduo do imposto de renda retido na fonte e não recolhido, entendendo assim que não se trata de patrimônio da massa falida.
Com isso, foi desautorizada a 5ª Vara Empresarial, que havia determinado um novo rateio de R$ 3.000,00 para os empregados que há 8 anos percorrem os corredores da Justiça, correndo atrás de um prejuízo muito maior do que o calote em si. Em sua maioria, por conta da idade num país em que experiência não conta, esses profissionais foram apeados do mercado enquanto grupo.
Não estou aqui para entrar no questionamento técnico da decisão, porque na babel de uma Justiça que é maior do que o Direito, há hermenêutica para todos os gostos, como enfatizam os que reclamam o mínimo de uniformização da Jurisprudência, antes mesmo da tímida Emenda Constitucional nº 45/04, que estabeleceu a súmula vinculante.
Nem quero invocar o entendimento doutrinário do ministro Marco Aurélio Mello, que, num acórdão sobre a minha Lei que libertou a safra de escravos do volante que pagavam diárias até abril de 2000, escreveu com todas as letras:“
“Sendo fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, o exame da constitucionalidade do ato normativo faz-se considerada a impossibilidade de o Diploma Maior permitir a exploração do homem pelo homem”.
Cito para que você alcance meu raciocínio dois depoimentos extraídos de respeitáveis estudos jurídicos – de um juiz do Rio Grande do Sul, lavrado em 1990, e de um advogado de São Paulo, publicado em novembro de 2005.
Justiça por sorte
Escreveu então o juiz José Maria Rosa Tesheiner: “é um escândalo que a vitória ou a sucumbência da parte se determine pela sorte, conforme a distribuição de seu processo se faça a esta ou aquela Câmara”.
No mesmo documento, o magistrado gaúcho pôs o dedo na ferida, ao comentar as decisões judiciais:
“O papel da vontade é inversamente proporcional ao do conhecimento. A decisão é tanto mais árdua e imprevisível, quanto maior a ignorância a respeito das causas e das conseqüências, do passado e do futuro, do certo e do errado, do conveniente e do inconveniente. Pode ela ser aleatória, sentimental ou racional.
Pode-se decidir mediante um par ou ímpar ou por se gostar ou não gostar de alguém ou de alguma coisa. Em ambos os casos, e mais ainda no primeiro, a decisão de um grupo é suscetível de repetição por outro, por simples mimetismo”.
Com igual ênfase, assim se pronunciou o advogado Luís Felipe de Freitas Kietzmann: “a parte que espera a apreciação de matéria em que haja divergência jurisprudencial não possui convicção de que sua pretensão será acolhida, mas simplesmente ingressa com a demanda esperando que a distribuição se dê perante juiz, câmara ou grupo de câmaras, que possua determinado entendimento favorável”. E conclui:
“O Direito consiste, portanto, não apenas no produto do processo legislativo, mas especialmente na efetiva aplicação deste pelos órgãos do poder Judiciário, em contínuo processo hermenêutico de interpretação das leis”.
A Justiça e a Lei no Brasil se equivalem no desprezo pela dignidade humana expressa na premissa constitucional. O seu corpo de delito mais eloqüente é a longa e infinda espera com que castigam os cidadãos. No caso da Bloch, pouco conta o agravamento da situação de cada um por conta da demora.
Pesam mesmo a indústria dos agravos e sua sócia, a indústria das liminares, tudo como subproduto da matriz romana do direito ilusório que nos embala, que nem Montesquieu, nem Rousseau, nem os humanistas de hoje lograram conjurar. Até porque, ao contrário, tudo que se fez, desde o Código Civil napoleônico de 1804, foi privilegiar a Lei adjetiva e as artimanhas dos advogados inspirados no pragmatismo grosseiro e abjeto, segundo o qual vencer é o que interessa.
Enquanto a Justiça brasileira for essa babel que está aí, com seus super-poderes intrínsecos, as vítimas da falência da Bloch têm pouco o que esperar, apesar do heróico esforço de sua Comissão de Ex-funcionários. Sua causa, para alcançar ao menos um naco do direito, terá que ser reclamada de fora para dentro dos tribunais. É a isso que exorto nossos caros colegas.
coluna@pedroporfirio.com
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