domingo, 3 de agosto de 2008

A discreta liminar que vai minar o ensino público no Estado do Rio


MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 4 DE AGOSTO DE 2008

Estudantes da UERJ fizeram protesto contra corte no seu orçamento em setembro de 2007. E agora?

“O Estado aplicará, anualmente, nunca menos de 35% (trinta e cinco por cento) da receita de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino público, incluídos os percentuais referentes à UERJ (6%) e à FAPERJ (2%)”.
Constituição do Estado do Rio de Janeiro (artigo 314).

Nada mais espantoso do que o silêncio sepulcral de parlamentares, candidatos, corporações, estudantes e da mídia sobre a mais recente “vitória judicial” de um governador contra o ensino público. Uma “vitória” que, para variar, teve a chancela do ministro Gilmar Mendes, no exercício do seu poder solitário de conceder liminar, esta ferramenta do direito tão vulgarizada em nossos dias que ganhou peso de decisão de mérito e se perpetua ante a aceitação generalizada.
Duvido que você saiba do que estou falando. A rigor, a liminar concedida no dia 17 de julho pelo presidente do Supremo aconteceu na mais cuidadosa discrição, quando ainda a dupla soltura do plutocrata Daniel Valente Dantas cintilava na ordem do dia.
A liminar nesse caso me parece muito mais fora de propósito do que aquela concedida no dia 19 de dezembro por um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que me tirou da Câmara carioca, em benefício do suplente, sempre patrocinado por escritórios de boa parentela.
No caso da decisão do presidente da mais alta corte de Justiça, afirmo sem medo de cometer exageros, que sua decisão foi uma precipitação desnecessária e provavelmente irreversível, com repercussão social muitas vezes maior do que os seus habeas corpus para o banqueiro.
Concedida ainda no plantão, essa liminar chega a ser absurda no meu entendimento: entendimento de quem não chega a ser nem um rábula. Mas que ainda conserva o mínimo de percepção e lucidez, num país domesticado e submetido servilmente a certos dogmas e a certos intocáveis poderes, cada dia mais hipertrofiados e imunes a toda e qualquer cara feia.
Trata-se de uma liminar numa Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada no dia 4 de julho, no rastro de uma mal explicada balbúrdia legal, com a despropositada alegação do “periculum in mora”, isto é “perigo da demora”.
Na sua ADI 4102, o governador Sérgio Cabral FILHO obteve a suspensão dos artigos da Constituição Estadual que obrigam o estado a destinar 6% da receita tributária líquida à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e destinam 35% da receita estadual de impostos, incluída a proveniente de transferências, à manutenção no desenvolvimento do ensino público. Nesses 35% estão incluídos os 6% destinados à UERJ, 2% para a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e 10% para a educação especial.
Data Vênia...
A alegação do “periculum in mora” é descabida. O ministro a endossou, alegando a proximidade do encerramento dos prazos para fechamento das propostas orçamentárias para o ano de 2009 por parte do Poder Executivo. Que eu saiba, em qualquer um dos entes da federação, a Lei Orçamentária só é enviada ao Legislativo no segundo semestre e só é votada no mês de dezembro.
Mais chocante, no meu modesto entender de mero escriba, é o histórico sobre a rejeição do Poder Executivo ao disposto na Constituição Estadual. Tudo que o governador Sérgio Cabral FILHO pediu foi o restabelecimento de uma MEDIDA CAUTELAR, que prevaleceu durante 15 anos, até ser considerada insubsistente em despacho do dia 18 de dezembro de 2007 pelo ministro Celso de Mello, “acolhendo parecer do eminente Procurador Geral da República”, em face da promulgação da Emenda Constitucional que consolidou o teor original da carta.
A decisão do ministro Celso de Mello foi publicada no DJE (Diário da Justiça Eletrônico) em 31 de janeiro de 2008. E não houve a interposição de recurso de nenhuma espécie nos prazos previstos. Logo, DATA VÊNIA, não havia mais o que ser julgado, muito menos o que merecesse o benefício de uma nova liminar.
Na sua argüição perante o ministro Gilmar Mendes, o governador Sérgio Cabral FILHO saiu-se com uma verdadeira pérola do direito: a publicação dessa decisão não foi captada por falha no sistema de acompanhamento de intimações pelo Diário de Justiça eletrônico. ASSIM, A INSUBSISTÊNCIA DA MEDIDA LIMINAR, VIGENTE HÁ MAIS DE 15 ANOS, SOMENTE FOI PERCEBIDA NO FIM DE JUNHO DESTE ANO, NO CURSO DOS TRABALHOS DE REVISÃO DA PROGRAMAÇÃO DO PLANO PLURIANUAL E DA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA DO ESTADO PARA 2009.
Não sei se estou sendo pedante ou se já me faltam alguns neurônios nos meus 65 anos de vida mais do que vivida. Mas estamos diante do caso típico em que “o provisório legal” se torna permanente, morre por perda de objeto e ressuscita pelos super-poderes de uma autoridade do Judiciário que se sobrepõe à Lei, ao código de processo e até ao regimento interno da corte.
Nisso, assombra-me a confissão de desleixo do governador, contornada pela boa vontade do ministro de plantão, deixando-me ainda mais assustado sobre o que considero um abuso de poder. Fosse um simples cidadão que tivesse perdido os prazos, provavelmente estaria sendo exposto ao ridículo ou até mesmo capitulado na figura do litigante de má fé.
Penada na educação
Como não sou do ramo, choca-me ver o direito ser suprimido pela esperteza de advogados ágeis e o descuido de magistrados que decidem sem o indispensável conhecimento da matéria (talvez até pela quantidade de processos à mão).
Meu alarido ecoa mais na denúncia do tratamento de toque de caixa dado à destinação de recursos para a educação e a dispositivos de uma Constituição Estadual a respeito, objetos de longas discussões. Não dar para engolir toda uma salvaguarda constitucional ser detonada por uma simples penada de um ministro de plantão.
Além de lamentar o caráter casuístico da decisão, que expõe a olho nu a insegurança jurídica cultivada em todas as esferas do Judiciário, violenta-me constatar que a incursão judicial extemporânea ocorre como desdobramento de uma política de cortes sistemáticos nos recursos do Estado para a educação.
Tão logo assumiu, em janeiro de 2007, o governador Sérgio Cabral FILHO reduziu em R$ 87 milhões o orçamento de 2007 da Secretaria de Educação. Apesar de ter garantido que a área não seria afetada pelo corte orçamentário anunciado naqueles dias, o setor perdeu 8,7%. O governador Cabral Filho também reduziu a previsão de gastos de todas as universidades estaduais e escolas técnicas, inclusive da Uerj, com a qual se comprometeu, durante a campanha, a rever os cortes feitos pela governadora Rosinha Garotinho.
Diante dessa liminar, imaginaria que haveria uma gritaria, nem que fosse só pontual. No entanto, não me consta que tenha havido alguma mobilização. Será que eu estou procurando chifre em cabeça de burro? Será?
coluna@pedroporfirio.com