quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Primeiras anotações sobre o 4 de novembro de 2008

“Demorou um tempo para chegar, mas esta noite, pelo que fizemos nesta data, nestas eleições, neste momento decisivo, a mudança chegou aos EUA”. Barack Hussein Obama, Chicago, 4 para 5 de novembro de 2008 Tenha paciência! Tentar reproduzir idiossincrasias pessoais e envelhecidos símbolos de forja ideológica nos comentários sobre o que aconteceu nesse 4 de novembro nos Estados Unidos é um verdadeiro desserviço à verdade e à história. Seja qual for o sentimento internalizado há décadas em cada um de nós, querer desconstruir a vitória de Barack Hussein Obama como um inegável corte epistemológico no processo político dos Estados Unidos é demonstrar total ausência do mínimo de lucidez. Já não digo da vitória do primeiro negro para a Presidência de um país onde o racismo foi lei em muitos estados até a década de sessenta e onde até hoje sobrevivem sentimentos mesquinhos de natureza racial. Isso por si já é um fato modificador, independente do discurso de Obama, que exprimiu o óbvio desde o primeiro momento: o fim do apartheid racial vale em todas as direções. Ele não era o melhor candidato por ser negro, mas por expressar uma proposta de contestação frontal à política adotada a ferro e a fogo por George Bush, de resto, o seu maior cabo eleitoral. Negro ele era para os recalcitrantes de um racismo enraizado, que jamais poderiam admitir ter alguém dessa origem à frente de qualquer governo. Se Barack Obama aceitasse essa condição como referencial primeiro de sua postulação, não teria sequer passado nas primárias do seu partido. Afinal, a população negra dos Estados Unidos não passa dos 10%. A revolução em si Temos então uma situação aparentemente contraditória. O fato de um negro chegar à presidência da potência decadente do Ocidente é uma revolução, uma mudança que fala por si e que por si presume outros câmbios, outras atitudes. A revolução consiste em ver essa ascensão num mundo governado por brancos, inclusive no Brasil, onde temos a maior população negra do mundo, depois da Nigéria. Quebrou-se um tabu nos Estados Unidos e isso não acontece isoladamente. Desde seu discurso na convenção do Partido Democrata de 2004, o senador de Illinois passou a ser visto como uma figura digna de admiração, sobretudo pelo entendimento da realidade e pela capacidade de expressar seu pensamento. Ao longo dos 19 meses de campanha, não teve medo de assumir posições difíceis, como a abertura de diálogo com o governo do Irã, isso apesar de toda a campanha suja disseminada contra ele, como relatou aqui na TRIBUNA o nosso competente (e honesto) correspondente Argemiro Ferreira. Seus opositores, inclusive dentro do Partido Democrata, fizeram chegar a todos os cidadãos dos Estados Unidos insinuações insistentes sobre sua infância na Indonésia, o país de maior população muçulmana do mundo. E, como você sabe, os muçulmanos são os demônios de hoje, assim como o foram os comunistas em passado recente. Aliás, não faltou quem o apontasse também como um perigoso socialista, um empecilho para o modelo de vida baseado na “livre iniciativa” e na economia de mercado, isso que você viu agora desmascarado com a transferência de uma fortuna dos cofres públicos para socorrer o ainda claudicante sistema financeiro privado. Essas informações são essenciais para entender o processo histórico nos Estados Unidos e essa corrida às urnas jamais vista há muitas gerações. A indicação das urnas Mais do que o mulato nascido na ilha do Havaí, cujo pai queniano voltou cedo para a África e ele mal conheceu, mas por quem sempre cultivou um grande carinho, há que considerar a manifestação coletiva dos norte-americanos, que demonstraram com esse voto explícito a rejeição do modelo segundo o qual são os grandes trustes internacionais que determinam a agenda do governo. Não há exagero em concluir que o povo dos Estados Unidos é vítima do sistema multinacional sem compromissos de fronteiras. Desde quando assassinaram Abraão Lincoln e, mais recentemente, quando o presidente Wilson declarou que o país deveria ser monitorado por homens como o banqueiro J.P Morgan, o ocupante da Casa Branca não passou de um títere das grandes corporações. Estas já não são empresas de algumas famílias, como até a segunda metade do século passado. Perpassam a própria fronteira dos Estados Unidos e trabalham com a aplicação da globalização ao pé da letra. No mundo globalizado, essas empresas têm trocado os empregos nos Estados Unidos pela mão de obra barata em países da Ásia, África e América Latina. Você pode ligar para uma central de um cartão de crédito e ele responder a partir do Paquistão ou da Índia. A tecnologia assim o permite. Um dos grandes problemas da economia norte-americana foi o refluxo negativo da NAFTA, a área de livre comércio da América do Norte, que está transferindo os empregos da Califórnia para o México. Tantos são os ingredientes de uma reavaliação por parte de um povo para quem o sonho hegemônico ou acabou o não pode ser escrito segundo a fórmula adotada até agora. O voto dos norte-americanos em Barack Obama, uma mensagem de um câmbio de proporções desconhecidas, tem mais a ver do que seu destinatário. Sua campanha aconteceu sob o impulso de combustíveis novos, como a contribuição financeira aberta, através da Internet, que somou a metade dos seus recursos. Além disso, motivou os jovens e fez as minorias acreditarem que valia a pena encarar uma fila. Elas acharam, como eu acho, que havia um confronto real, ao contrário dos pleitos anteriores, em que os postulantes à Casa Branca tinham os mesmos compromissos com o sistema. Não estou dizendo aqui que Obama vai virar os Estados Unidos de cabeça para baixo. Nem mesmo que esse é seu desejo. Mas do seu discurso da vitória em Chicago, o que mais me marcou foi a referência a Anne Nixon Cooper, a negra de 106 anos, que votou em Atlanta, com a esperança de que ia ver realizado o sonho de uma sociedade onde ninguém fosse discriminado pela cor da pele ou por sua condição social. Muito se escreveu e muito se escreverá sobre o último 4 de novembro. Como disse na última coluna, o sistema é mais forte do que qualquer presidente em qualquer país do mundo. Mas quando esse sistema vive uma crise de tamanha gravidade, quando perde sua credibilidade pela disseminação de uma verdadeira catástrofe econômica como conseqüência do modelo especulativo, quando aflora a conta impagável pelas políticas imperialistas de guerra e dominação, nessa hora, um povo que já experimentou uma guerra civil e já foi tão enganado por séculos decide retomar o fio da história e afrontar os responsáveis pelo sufoco que o acomete. Para mim, está claro que Obama tem consciência disso. E que agira considerando a insatisfação generalizada que produziu sua ascensão desafiadora. coluna@pedroporfirio.com

9 comentários:

Anônimo disse...

Pedro Porfírio,
Gostaria que você desse seqüência à essa análise, comentando suas primeiras impressões sobre a escolha de Barack Obama dos primeiros nomes do seu governo, especialmente, o do secretário da defesa de Bush - Robert Gates, sendo mantido no cargo (por que esta opção?) e o do Collin Powel (considero uma escolha polêmica) e do ex-diretor do FED, como publicado pela Folha Online.
Gostaria também de saber se você já viu o documentário "Zeitgeist", postado no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=CZ8naJjapek (primeira parte de 11 da tradução em português). Caso não tenha visto, recomendo que o assista e o divulgue na sua coluna. É altamente esclarecedor.
Leila Brito-Belo Horizonte

Anônimo disse...

Leila
Vamos ver os próximos passos pela boca do presidente eleito. Esses dias são férteis em especulações.
Vi o filme, mas não alcancei sua simbologia.
abraços
Porfírio

FOLHADTRIGO disse...

Saudações Revolucionarias,
'velho' revolucionario... Penso... O significado da "concepção" de Obama; usa president: Significa abertura de um diálogo democrático com outras nações sem a imposição da indústia bélica irracional para "toghether" podermos construir um mundo voltado para utilização racional de nossos conhecimentos para o desenvolvimento de tecnologias 'socioambientais' e respeito mutuo sempre e siempre!!!
'hasta la revolucion sempre e siempre!!!'

Anônimo disse...

Prezado Porfírio,
mais uma vez você brinda os seus leitores com este brilhante texto sobre o 4 de novembro de 2008 nos Estados Unidos. A chegada de Barack Obama à Casa Branca é um triunfo da humanidade, não por ser brown (marron), como ele gosta de dizer "I’m not black neither white, I’m brown!” (“Eu não sou preto nem branco, sou marrom!), mas por ser, desde a mais tenra idade, um sereno, lúcido e bravo guerreiro. Formado em Ciências Políticas pela Universidade de Colúmbia e Direito pela Harvard, Obama leva para a Casa Branca todo um cabedal de conhecimentos que, ao longo de sua vida ideou para se tornar um servo altaneiro do seu povo, sem distinção de raça ou cor. Entretanto, como está recebendo uma herança maldita, sua luta contra a decadência dos Estados Unidos vai ser extremamente difícil, pois a economia do país está à deriva e as panacéias que os "magos" locais estão lhe aplicando não apresentaram, até agora, nenhum resultado animador. Há que se considerar também que Obama se tornou um mito no imaginário de grande parte do povo americano e até mesmo das demais nações, e que dos mitos espera-se o máximo e até alguns milagres a curto prazo, quando tudo em volta é aflição. A vitória de Obama foi festejada até altas horas da madrugada do dia 5 de novembro, mas na contagem final dos votos ele obteve 62,98 milhões de votos e McCain 55,78 milhões, portanto, uma diferença em torno de, apenas, 7 milhões de votos. Isto significa que, do lado oposto ao dos que votaram em Obama existe também um enorme contingente de indivíduos oprimidos pela crise, que vai botar a boca no trombone se as coisas não melhorarem na alvorada de sua posse. E quando os americanos que se julgam injustiçados colocam a boca no trombone, historicamente põem o dedo no gatilho também.
Abraço,
do Odilon

Anônimo disse...

A esperança é a última que morre!!!

Como diria São Tomé, é ver para crer....

O verdadeiro comando dos USA está acima do Obama.

Anônimo disse...

GOSTARIA QUE FOSSE COMENTADA A IMPORTANCIA PREVIA DA ATUAÇÃO DO POLEMICO MICHAEL MOORE NA MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DO ELITOR MEDIO AMERICANO TENDO EM VISTA QUE LÁ EXISTE APENAS A DIREITA MODERADA E A DIREITA RADICAL. VEJO COMO FATO PREPONDERANTE NESTA MUDANÇA A MILITANCIA DO AUTOR DE "STUPID WHITE MEN"

Anônimo disse...

GOSTARIA QUE FOSSE COMENTADA A IMPORTANCIA PREVIA DA ATUAÇÃO DO POLEMICO MICHAEL MOORE NA MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DO ELEITOR MEDIO AMERICANO TENDO EM VISTA QUE LÁ EXISTE APENAS A DIREITA MODERADA E A DIREITA RADICAL. VEJO COMO FATO PREPONDERANTE NESTA MUDANÇA A MILITANCIA DO AUTOR DE "STUPID WHITE MEN" E "DUDE,WHERE´S MY CONUTRY?"


JOSE EDSOSN BASTOS DE OLIVERA
ADVOGADO
BELO HORIZONTE -MG

Anônimo disse...

GOSTARIA QUE FOSSE COMENTADA A IMPORTANCIA PREVIA DA ATUAÇÃO DO POLEMICO MICHAEL MOORE NA MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DO ELEITOR MEDIO AMERICANO TENDO EM VISTA QUE LÁ EXISTE APENAS A DIREITA MODERADA E A DIREITA RADICAL. VEJO COMO FATO PREPONDERANTE NESTA MUDANÇA A MILITANCIA DO AUTOR DE "STUPID WHITE MEN" E "DUDE,WHERE´S MY CONUTRY?"


JOSE EDSOSN BASTOS DE OLIVERA
ADVOGADO
BELO HORIZONTE -MG

Anônimo disse...

Caro Porfírio. Seu artigo é ótimo e faço votos que esteja certo, mas não podemos esquecer a frase do "príncipe" no genial filme "O Leopardo" de Visconti: "às vezes é preciso mudar para ficar tudo com está".