domingo, 30 de dezembro de 2007

A decepção do filho, que deu adeus ao curso de Direito


“Pouco importa seja o poder exercido por um, por alguns ou por muitos. Quem o detém tende a dele abusar. O poder vai até onde encontra os seus limites. Para que os seus titulares não possam abusar dele, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Esse é o ensinamento de Montesquieu”
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, ex-presidente do STJ.


Quando meu filho de 19 anos me comunicou a decisão de abandonar o curso de Direito, ao concluir o primeiro período, uma serena tristeza invadiu-me a alma, entrecortada por um melancólico sentimento de culpa.
A notícia me foi dada já no crepúsculo do dia. Escurecia e não havia uma única estrela no céu. Antes, nuvens carregadas aproximavam-se do maciço da Tijuca, alvo instintivo do meu olhar. Logo em seguida, como soe acontecer aqui no sopé da serra dos Três Rios, a luz se foi e ficamos às escuras.
Tudo parecia anunciar um mau presságio. Fazia alguns dias, passara o 4 de dezembro, uma data emblemática para mim: em 1950, quando ainda tinha 7 anos, perdi meu pai no mesmo dia em que o irmão, promotor de Justiça, aniversariava. O irmão, para minha alegria, completou seus 91 anos neste 2007, em meio ao respeito de quantos sabem de sua personalidade incorruptível. Mas a morte do pai, depois de uma enfermidade cruel, naquela primeira segunda-feira de um dezembro estéril, eu jamais consegui esquecer.
As náuseas do ofício
Ao dar um passo atrás, meu filho abriu mão de dois anos de vida acadêmica e terá de repetir o percurso para acessar novamente o curso de Comunicação Social da PUC, para o qual havia sido aprovado, simultaneamente com a classificação para a Faculdade Evandro Lins e Silva, do IBMEC, que preferiu pela garantia de um “emprego seguro” ao receber o canudo.
Lembrei-me do que escrevi sobre suas primeiras impressões quando se iniciava na vida acadêmica. Naquela última segunda-feira de agosto, ponderei: “Preocupo-me por ele e por sua geração, pelos jovens que precisam ter a máxima certeza da seriedade das instituições. E, dentre elas, o Poder Judiciário, a última cidadela num regime constitucional. A Justiça não pode sucumbir. Se a minam ou se ela se golpeia, leva de roldão todo o estado de direito”.
Por minha filosofia de vida, não me pus em confronto com a decisão do filho. Mas pelo meu cérebro vulcânico todas as hipóteses passaram numa torrente de imagens e visões dramáticas. Por que essa drástica mudança de rumo num país em que não se pode perder um dia ante a escassez das oportunidades?
O mais grave em tudo isso é a crença de que pode ter influenciado no seu sacrifício juvenil, ainda que inconscientemente, a sucessão de absurdos e iniqüidades que permeiam a grotesca intervenção de magistrados da Justiça Comum ( e não a Eleitoral) ao decidirem sobre a expropriação do mandato que me foi conferido pelo povo.
Meu filho disse simplesmente que não se viu motivado para a advocacia, até porque ganhar dinheiro não é sua prioridade de vida. Ele também se convenceu que erramos quando abrimos mão de um vestibular numa faculdade pública por um certo escrúpulo, considerando que podemos pagar uma particular e muitos que não podem pagar são alijadas de ambas. Essa reflexão ele passou a fazer depois da divulgação dos exames da OAB-RJ.
Mas, vivenciando esse histórico perverso e inexplicável, onde constituições, leis, códigos e direitos elementares são atropelados em sede liminar pelo duvidosa ilação da “fumaça do bom direito”, não me surpreenderá se tais violações, infectadas da mais horripilante hipocrisia, tenham inoculado nos recônditos do seu cérebro as náuseas que sua primeira experiência universitária lhe causaram.
Sabendo de minha própria história e dos seus irmãos mais velhos – sacrificados e humilhados quando permaneci dois anos nos cárceres da ditadura, mas vitoriosos e senhores dos seus destinos – ele não vai se abater, é claro. Ainda está em tempo de buscar aquilo em que possa acreditar para prover seu sustento com o mínimo de prazer e dignidade.
Assim também, não vão ser essas liminares exóticas e insustentáveis à luz do dia, nem a desatenção de plantonistas premidos pelo volume de processos, que me prostrarão diante de abomináveis “fatos consumados”.
A nossa Justiça
Mais do que o meu mandato legítimo, honrado, honesto, coerente, ético, inatacável, está em jogo a própria preservação do respeito a um Poder Judiciário que custa aos contribuintes 5% do PIB brasileiro, mais do que os 4,2% da educação.
Quando um magistrado se excede em suas prerrogativas, acolhendo a alegação absurda de que um candidato teria renunciado a algo que AINDA IA DISPUTAR, QUE AINDA NÃO POSSUÍA, quem passa a assustar é toda a magistratura, pois como dizia o barão de Montesquieu, mestre de todos os mestres, “a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
A Justiça é a pedra angular que pode ser o bem e o mal de um país onde quase ninguém preza seus direitos, até por desconhecê-los, algo que, contamina seu próprio corpo, formado por mais de 500 mil advogados, 13 mil juízes de carreira, 8.900 promotores e procuradores de Justiça, sem falar nos juízes leigos, nos defensores públicos e nos milhares de sacrificados serventuários.
O poder decisório dessa Justiça está exposto ao vírus da ambição pessoal, diagnosticado de quando em vez, e à sofreguidão compensatória, em face da abundância de leis embaralhadas e conflituosas, além do precário ambiente acadêmico, marcado pelas reprovações nos exames da OAB, como aconteceu no último aqui no Rio, em que duas faculdades privadas não conseguiram aprovar sequer um único bacharel.
Em nosso país, como todo agrupamento, o Poder Judiciário é um universo tão plural e contraditório que abriga homens de bem, virtuosos, competentes, abnegados, ao lado de alguns despossuídos de caráter e de formação jurídica, o que submete os cidadãos uma espécie de “roleta russa”.
Pela fatalidade da última palavra, o poder de Justiça no Brasil, além de um exercício teleológico, produz uma contundente tentação do caráter: como é lugar comum, decisões judiciais, por mais liminares ou extravagantes que possam ser, são cumpridas ao pé da letra.
Sei que tudo que eu disser aqui poderá ser usado contra mim para manter um ato absurdo, que suprime sem constrangimento regras que qualquer rábula sabe de có e salteado. Mas o que me cabe fazer, se a grande mídia silencia diante da cassação canhestra de um mandato legítimo, até por seu ineditismo?
O “fumus boni iuris” que baliza tantas e tão precipitadas decisões não pode ser uma ferramenta letal, nem virar uma hidra que faz do regime de direito um anencéfalo sem pé e sem cabeça.
A crônica de nossos dias é de tensão e desconfiança nas instituições e isso afeta mortalmente o animus de um povo já fragilizado por um ambiente de generalizada insegurança, em todos os campos do seu cotidiano.
O que compensa, por ora, é saber que há magistrados vocacionados, que têm refletido com responsabilidade sobre o peso de seus poderes. Esses são verdadeiros expoentes de um pensamento conseqüente e intimoratos na busca de respostas justas para além da blindagem que lhes protege.
É a eles que estou me dirigindo, junto com o lamento íntimo pela decepção do meu filho.
coluna@pedroporfirio.com

PARA ENTENDER O ESBULHO: Primeiro suplente do PDT, assumi em fevereiro, depois de uma consulta formal da Câmara Municipal ao TRE, pressionada pelo segundo suplente, que não aceitara uma decisão do juiz titular da 2ª Zona Eleitoral, em 2005, assegurando minha posição na lista de suplentes. O plenário do Tribunal aprovou por 4 a 1 o relatório do relator Márcio André Mendes Costa, que respeita a Lei Orgânica do Município. Ainda que eu tivesse renunciado perante o partido – o que não era verdade –a renúncia só é válida perante a casa legislativa.
No dia da minha posse, p segundo suplente entrou com um mandato de segurança contra a Câmara na 6ª Vara da Fazenda Pública. A juíza Vanessa Cavalieri negou provimento, alegando que a Justiça Comum era incompetente para tratar da matéria, prerrogativa da Justiça Eleitoral. No mesmo dia, porém, esse segundo suplente obteve do desembargador de plantão, Ismênio Pereira da Costa, o acolhimento a um agravo, como qual fui “cassado” no dia seguinte.
Na 20ª Câmara Cívil, o relator de então, desembargador Camilo Ribeiro Rulieri, então desembargador itinerante, tornou a liminar sem efeito, 27 dias depois, com base nos artigos 557, parágrafo l°-A e artigo 527 do Código do Processo Civil, porque “a matéria não foi enfrentada em primerio grau”.
Na primeira instância, o mandado de segurança foi julgado em 28 de setembro, com sentença proferida pela juíza Jacqueline Montenegro, que negou provimento e depois rejeitou seu embargo de declaração. Nesse mesmo dia, o segundo suplente foi VOLUNTARIAMENTE ao PDT e requereu sua desfiliação, indo agregar-se ao PSC, partido pelo qual pretende ser candidato em 2008.

Havia em pauta para o dia 3 de outubro, na 20ª Câmara Civil um agravo, que teria sido prejudicado pela promulgação da sentença. A desembargadora Letícia Sardas entendeu que poderia conceder o agravo e o fez, com os votos de outros dois colegas. Duas desembargadoras já haviam se consideradas impedidas no processo. Odete Knaack de Souza, que ficou como relatora, requereu seu afastamento depois que o advogado do segundo suplente formulou petição nesse sentido durante suas férias. E A desembargadora Conceição Aparecida Mousnier Teixeira de Guimarães Pena também se considerou impedida ao ser sorteada para substituí-la.
No mesmo dia 3 de outubro, o STF decidiu que o mandato pertencia ao partido e fixou a data de 27 de março de 2007 para definir quem poderia perder o mandato. O segundo suplente deixou o PDT pela segunda vez em 28 de setembro de 2007. Informada formalmente, a desembargadora Letícia Sardas suspendeu a execução do acórdão, enquanto os advogados Siqueira Castro e Adriana Conrado Zamponi entravam com embargos declaração, seguidos pelo procurador da Câmara, Flávio Brito.
No dia 12 de dezembro, o segundo suplente, já filiado a outro partido, o PSC, entrou com mandado de segurança, que foi deferido, em caráter liminar, pelo desembargador Nascimento Póvoa, no dia 19, às vésperas do recesso do Judiciário. No recesso, tanto meus advogados como o PDT entraram com embargos, que foram negados, Num deles, a desembargadora de plantão afirmou que a Câmara estava em recesso, o que não era verdade.
O que vai acontecer agora, os advogados estão estudando। De qualquer forma, o PDT já entrou no TRE com o pedido de cassação do segundo suplente, já que o mandato lhe pertence por decisão do STF e o beneficiário da liminar foi para outro partido no final de setembro.
Cassado por liminar, nada mais
perverso e anti-democrático

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 26 DE DEZEMBRO DE २००७

O crime de Pedro Porfírio? Escrever nesta TRIBUNA, que eles nãopodem submeter. Não podendo submeter, perseguem".
Helio Fernandes


No outono de 1925, Max Brod publicou uma das mais profundas e inquietantes peças literárias - "O processo", do seu amigo Franz Kafka, um escritor tcheco que morrera um ano antes num sanatório de Viena, pedindo que todas as suas obras fossem destruídas.
Editado num momento de grande efervescência cultural, logo depois do manifesto surrealista de André Breton, "O processo" entrou de imediato para o catálogo da literatura do absurdo. Tratando da saga de Joseph K. para descobrir por que havia sido detido e estava sendo processado, a obra de Kafka ganharia as telas em 1962, pelas mãos de Orson Welles, um dos monstros sagrados de Hollywood, revelando Anthony Perkins num desempenho fenomenal.
Há centenas de livros e filmes sobre o vilipêndio do direito em todos os tempos. Não sei se nossos magistrados, assoberbados com grandes números de processos, muitos fora de suas áreas, tiveram tempo de ler ou de pelo menos refletir sobre a verdadeira tragédia institucional que avassala o País, naquilo que seria a pedra angular da democracia: a garantia constitucional. Já eu não faço outra coisa a não ser estudar todo esse estranho universo que guarda semelhanças com o personagem de Kafka.
É claro que meu interesse nessas pesquisas decorre de fatos que me afetam e que afetam a algumas categorias, como os profissionais da Varig e beneficiários do Aerus, cujos direitos trabalhistas e previdenciários foram engolfados pela superposição da nova Lei de Recuperação de Empresas, e tratados por uma Vara Empresarial que lhes negou tudo e mais alguma coisa.
Um capítulo melancólico
No meu caso, não há precedentes. O que seria matéria da Justiça Eleitoral, como se pronunciou originalmente a juíza Vanessa Cavalieri, da 6ª Vara da Fazenda Pública, foi para o âmbito da Justiça Comum, que sequer considerou a decisão do Plenário do TRE do Estado do Rio, aprovada por 4 votos a 1 em janeiro deste ano, reafirmando o fórum para eventual renúncia de um parlamentar: ela deve ser formulada do próprio punho perante a Casa Legislativa, como consta em todas as constituições.
Independente do que venha acontecer, essa novela sobre o meu mandato vai acabar entrando para a história do Judiciário como um dos seus capítulos mais melancólicos e assustadores. Porque ela parte de uma premissa absolutamente falsa e insustentável: a de que em 2004 eu teria renunciado ao mandato que ainda ia disputar e para o qual sequer fui eleito, ficando como primeiro suplente.
O conjunto de documentos e informações sobre as duas CASSAÇÕES de que fui vítima, por descuidadas medidas liminares, dá um livro. Nesses 11 meses, tenho sido protagonista e testemunha de situações absolutamente inacreditáveis, adotadas por magistrados de tais poderes que nos levam a ter uma compreensão mais indulgente de muitas das práticas da ditadura.
Quando você está na fogueira, o exercício de opinar é constrangedor. Se você considera uma decisão correta, isso pode ser usado para tudo, até para incrementar ciúmes. Criticar então, seus próprios advogados desaconselham.
Há situações absolutamente mortais, como o caso da Varig: o seu processo para rever perdas decorrentes de políticas tarifárias percorre os escaninhos do Judiciário há mais de 15 anos. Se ele tivesse sido julgado em tempo hábil, a empresa não teria se afundado na crise que levou ao desespero mais de dez mil famílias.
Não sei o que pensa um só magistrado - imagine esse universo de 13 mil detentores de inesgotáveis fontes de poder, protegidos pelo art. 95 da Constituição Federal, que lhes assegura vitaliciedade e inamovibilidade.
Perversidade banalizada
Isso me força a escrever com toda a cautela. Uma observação poderá ser usada contra o meu direito ao exercício de um mandato parlamentar, cujo tratamento perverso já se banalizou, configurando um estado de ostensiva insegurança jurídica e uma pressão psicológica que afeta inevitavelmente minha saúde, considerando que sou um homem de quase 65 anos, hipertenso e com um passado de deplorável violação dos meus direitos políticos e da minha liberdade.
Hoje, quando um amigo me telefona, sua primeira pergunta é: você continua vereador ou já foi cassado por outra liminar? Sim, porque quando eu cheguei a festejar uma sentença, pronunciada em 28 de setembro pela juíza Jacqueline Montenegro, cinco dias depois uma Câmara Civil concedia ao segundo suplente um agravo, algo que, pela interpretação do Código de Processo Civil, teria perdido o objeto.
Essa leitura foi também do suplente, que no mesmo dia se dirigiu ao PDT e requereu sua desfiliação para agregar-se a outra legenda (que eu saiba, em seis anos, ele já foi do PSDB, PFL, PT do B, PDT, PHS e agora está no PSC). Com essa atitude absolutamente espontânea, seu pleito PERDEU O OBJETO, como dirá qualquer juiz.
Esse foi igualmente o sereno entendimento da desembargadora Letícia Sardas, que teve a dignidade de rever seu voto e suspender o acórdão, dando efeitos infringentes aos embargos de declaração formulados pelos advogados Siqueira Castro e Adriana Conrado Zamponi, bem como pelo procurador da Câmara, Flávio Brito.
Eu jamais poderia imaginar que um novo desembargador entrasse no caso, e, nas vésperas do recesso forense, concedesse uma nova liminar, na contramão do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com sua medida, ele tirou o mandato do PDT e passou para o PSC, uma negação da jurisprudência da fidelidade partidária.
Por que isso? Eu jamais renunciei ao mandato, muito menos quando não o detinha. Admitir que eu tenha feito isso não é questão de hermenêutica - é ultrapassar a fronteira da serenidade. A própria Assessoria Jurídica do PDT, que entrou no processo como minha assistente, reconheceu que a declaração apresentada, com data de 2004, é um documento obrigatório para qualquer candidato. Logo, sem efeito jurídico nenhum. E foi assinado inclusive pelo beneficiário da nova liminar, com firma reconhecida e tudo.
Bem, se ao menos um magistrado tomar conhecimento deste depoimento, eu já me dou por satisfeito. Independente disso, voltarei ao assunto porque devo essa informação também a você.
coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A greve de fome de um contra a sede crônica de 12 milhões

Piso em ovos quando meto o meu bedelho em polêmicas já polarizadas e dominadas por paixões, premidas por emoções e truncadas pela intransigência. Sinto-me compelido ao exercício da habilidade e da argúcia para não chocar, nem ferir suscetibilidades. Porque aprendi ao longo de tantas linhas percorridas que o uso das palavras é uma arte marcial. Todo cuidado é pouco ao tratar de temas que estão à flor da pele - reconheço. Mas também não nasci com a síndrome do avestruz, que prefere enterrar a cabeça a exercitar o seu olhar crítico sobre esse confuso panorama. Feito tal preâmbulo com toda ênfase, gostaria de manifestar-me com o devido o respeito e o espírito de tolerância sobre a atitude de um bispo que está expondo sua vida numa greve de fome por discordar do projeto da transferência de 60 metros cúbicos por segundo de água do velho Chico para áreas castigadas pelas secas, onde vivem mais de 12 milhões de nordestinos nos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. E antes de comentar o fato em si, eu lhe pergunto: e se outro brasileiro, clérigo ou não, decidisse fazer uma greve de fome para garantir a realização do projeto de transposição, qual vida deveria ser preservada? Qualquer um pode fazer greve de fome. Eu mesmo participei de uma, que durou 11 dias, no presídio naval da Ilha das Cobras, quando a ditadura nos trancafiou na quinta prisão, a mesma cela úmida, cavada numa pedra, onde um dia Tiradentes sofreu as mesmas agruras. Naquele verão de 1969, brigávamos por direitos elementares, como receber visitas, banho de sol e ter acesso a informações. Era algo que nos dizia respeito exclusivamente e dependia tão-somente que a Justiça Militar ordenasse tais providências, o que felizmente aconteceu. Em busca da cruz Hoje temos um país de 180 milhões submetidos a um gesto insensato e pessoal de quem busca espontaneamente a sua própria cruz. Já não se discute o projeto e sua repercussão, mas se o governo deve desistir de uma obra gigantesca para evitar a morte de um bispo da santa Igreja Católica, Apostólica e Romana. Ninguém quer que o obstinado sacerdote morra. Mas terá autoridade um governo que pára uma obra de 5 bilhões de dólares para impedir um ato de sacrifício individual, seja de quem for? Será que o bispo ainda acredita na tutela da Igreja sobre um estado laico? Será esse o grande argumento para sustentar uma tese num ambiente em que, apesar das controvérsias, não se pode mais empurrar com a barriga uma tragédia secular? Você dirá que há outras alternativas, mas já procurou saber se realmente dá para resolver o problema com cacimbas em áreas onde a água some até no fundo do poço? Vejo esse episódio sob três aspectos: 1. Um ato supostamente heróico, que reflete uma atração pelo trágico de alguém que se propõe a entrar para a história como o mártir por decisão própria, no que mistura lendas, dogmas, megalomanias, desapreço pela própria vida, messianismos e uma boa dose de histrionismo. É claro que ele próprio tem suas razões existenciais para optar pelo sacrifício individual sob a influência de uma certa leitura da teologia, que guarda semelhança com os monges budistas que atearam fogo às vestes na guerra do Vietnã e até mesmo, ainda que ressalvadas as diferenças do "modus faciendi", com os muçulmanos que explodem seus corpos na interpretação ortodoxa de sua "guerra santa". No caso, o bispo não recorre ao jejum sequer para garantir a salvação da lavoura. E, consciente ou não, acaba sendo usado pelos grandes fazendeiros e exportadores que "privatizaram" os mananciais do velho Chico e não querem nem mesmo o aumento do cultivo às suas margens para preservar seus oligopólios. Hoje, apenas 25% de seu entorno são cultivados. 2. Uma irresponsável manipulação política de quem deseja um cadáver para jogar contra um governo que pode ser censurado por muita coisa, menos por um projeto que beneficiará a 12 milhões de brasileiros, segundo estudos fartos e antigas idéias. Estas remontam o dia em que, em 1847, Marco Antônio Macedo, deputado provincial cearense, propôs a Dom Pedro II a ligação do São Francisco com o Riacho dos Porcos, um afluente do Jaguaribe, o maior rio seco do mundo, sugestão acatada pelo imperador, que encarregou os engenheiros Henrique G.F. Halfeld e Emanoel Lias de fazerem os primeiros levantamentos sobre o rio. Propriedade privada Eu não chegaria a afirmar isso com tanta crueza, mas parece que tem gente torcendo para que haja um desenlace fatal para, com ele, enterrar na mesma sepultura "a referência política de Lula e do Partido dos Trabalhadores na história dos movimentos sociais do Brasil", como espera Paulo Maldos, assessor do Conselho Missionário Indigenista. 3. Mais uma demonstração de que o povo precisa realmente vacinar-se contra a doença aguda da desinformação e da mistificação, que grassam como uma praga entre nós. Infelizmente, muitos pegam o bonde andando e tomam partido sem procurar conhecer toda a verdade, sem ouvir todos os atores do conflito. O São Francisco não é propriedade privada de ninguém - é por natureza um rio de integração nacional, que joga no mar a cada segundo 3.850 m3 de água, o que, como disse o engenheiro Paulo Canedo, da UFRJ, tornará absolutamente irrelevante os 60 m3 por segundo que servirão para matar a sede de milhões de nordestinos. Pouco se fala, mas eu, que nasci na roça e conheço a cabeça dos fazendeiros, nunca vi raça tão mesquinha. E vou mais além: desafio os que dizem que a transposição não vai beneficiar os camponeses do Nordeste setentrional a mostrarem entre os monopolistas do grande rio as roças de pequenos lavradores beneficiados por limitada irrigação. Minha esperança é que, agora que o STF bateu o martelo, a idéia de uma postura afirmativa e sem traumas possa descer sobre os mais próximos do bispo católico e seus afoitos incentivadores, até porque, como no texto de Brecht, infeliz é a nação que precisa de heróis. Da mesma forma, desejo que se contenham os que querem se aproveitar do episódio para alvejar quem pode ser questionado por certas políticas, mas com a serenidade que o País exige. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 16 de dezembro de 2007

O PULO DO GATO NO BEM ENSAIADO JOGO DE APARÊNCIAS

"O governo perde 40 bilhões de reais da arrecadação da CPMF, mas cortará pelo menos 80 bilhões a pretexto daquela redução. Nada mais neoliberal do que a derrota no Senado".
Carlos Chagas, TRIBUNA DA IMPRENSA de 15.12.2007






Arthur Virgílio comandou a prorrogação da CPMF para FHC, em 2002। Agora, apareceu como seu grande adversário e ainda passou um pito no senador Pedro Simon
Quando ainda saboreava o espetáculo no Senado em que roubou a cena de todo mundo, inclusive do astro Pedro Simon, o tucano Arthur Virgílio desapontou seus fãs ao se dizer disposto a aprovar uma nova CPMF quando o carnaval passar।

A moçada que queria ver o Lula amargar um perrengue ficou sem entender bulufas. Afinal, depois de tanta verborragia transmitida ao vivo e a cores, de tanto histrionismo em nome do pão nosso de cada dia, por que esse estraga prazer?
Ora, como tenho insistido, você está sendo tratado como idiota - e aceita mansamente - pelos protagonistas dos poderes e pelos vendedores de informações. O que lamento profundamente é que você também seja um incorrigível desmemoriado. E tenha uma doentia propensão para o "me engana que eu gosto".
Não faz muito, em março de 2002, foi o mesmo Virgílio quem comandou a prorrogação da CPMF, em nome de FHC, na função de secretário-geral da Presidência da República. No limiar daquele outono, ele se excedeu. Bateu de porta em porta para abreviar os prazos, com medo do interregno que poderia livrar o contribuinte do desconto por 90 dias:"Temos de negociar com o PFL até a exaustão, para tentar ganhar tempo, porque infelizmente não podemos mudar a data da Semana Santa". - disse, nervoso.
Quatro cesarianas
Em matéria de prorrogação, a CPMF já passou por quatro cesarianas. No governo Lula, foi prorrogada sem grandes transtornos, em 2004. Pior foi em 1999, em pleno sultanato tucano, quando passou de 0,20% para 0,38% sob o pretexto de juntar uns cobres também para a Previdência Social.
Não me entenda mal. Só estou querendo dizer que não há maior vexame para todos do que ser a favor de um imposto quando governa e contra, quando cai do cavalo. É o caso do senador Álvaro Dias, tucano do Paraná, que votou pela prorrogação com FHC em 2002 (quando foi candidato a governador pelo PDT) e mudou de idéia nas votações de 2004 e 2007.
Nesse caso, muitos senadores mostraram que ou são broncos com neurônios escassos ou são sabidos mais da conta. Os que votaram contra não se acanharam em servir de bandeja, por 60 a 18, o desvio das receitas constitucionais, com a prorrogação da DRU - Desvinculação dos Recursos da União - até 2011.
Como a votação ainda está nas páginas e nas telinhas, você deve lembrar muito bem que a CPMF teve 45 votos a favor, quando o governo precisava de 49 e que sete senadores da base governista negaram-lhe fogo (seis votaram não e um faltou). Fora Jarbas Vasconcelos, por amarguras regionais, os outros devidamente cobrados ou compensados, diriam sim, como, aliás, alguns já fizeram em votações anteriores.
Um deles, Expedito Gonçalves Ferreira Junior, eleito por Rondônia com 267.728 pela coligação PPS / PFL, trocados pelo PR, queixou-se de que o governo desprezou os aliados e foi negociar com os adversários. "Desprestigiado", votou contra.
Por que o governo lhe negou "carinho" se ele podia ser ganho no barato? Essa é a charada. Nesse cenário de repetidas pantomimas, quem tem um neurônio é rei. Manipular é moleza. Caem na mesma tocaia políticos insaciáveis, jornalistas induzidos e cidadãos mal-informados.
Você vai dizer: o Lula suou a camisa para conseguir a aprovação. Será que ele queria mesmo destinar todo o dinheiro da CPMF para a saúde, como ofereceu no último lance? E será que essa bolada iria só para a saúde pública?
A CPMF era prorrogada sem traumas, apesar de algumas encenações. O bicho só começou a pegar quando, no final de 2000, o governo decidiu permitir o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes.
A festa dos banqueiros
Já a DRU passou cheia de si e sem faniquitos. Políticos e imprensa não calaram por acaso. A encomenda era focar o "imposto dedo-duro", que pode ser trocado no "sapatinho" por outras fontes na química da tecnocracia. Ou prestar-se a um arrocho, ou servir para mostrar a "insensibilidade social" da casa, já mal na fita pela dupla absolvição do colega alagoano.
A DRU é um cheque em branco, no qual o Executivo passa a mão em 20% de todas as receitas da União e joga onde quiser. Na prática, desde os tempos de FHC, esse dinheiro faz a alegria dos banqueiros, para os quais produzem um "superávit primário" e drenam o dinheiro público, a título do pagamento de uma dívida que cada vez aumenta mais. Isso, tucanos e papagaios sacramentaram, enquanto você festejava o fim (TEMPORÁRIO) da CPMF.
Resultado: como demonstrou o economista Paulo Passarinho, "nos primeiros quatro anos do atual governo - de 2003 a 2006 - os números da execução orçamentária indicam que na área da Assistência Social foram gastos R$ 59,6 bilhões; na Saúde, R$ 136,3 bilhões; na Educação, R$ 62,2 bilhões; na Segurança Pública, R$ 11,6 bilhões; na rubrica da Organização Agrária, R$ 11,8 bilhões; e no PAGAMENTO DE DESPESAS COM JUROS O VALOR É ASSUSTADOR: R$ 594,2 BILHÕES!"
Apesar desses desembolsos generosos, a dívida em títulos públicos em poder do mercado saltou de R$ 62 bilhões em 1995, quando FHC debutou na presidência, para R$ 1,1 trilhão em 2007.
Não foi por acaso que o líder do governo pediu e obteve a votação em separado das duas matérias. Por baixo do pano, rolou um tremendo conchavo. Só não viu quem dormiu no ponto. Se mantivessem a votação casada, como aconteceu na Câmara Federal, os senadores ficariam numa incômoda saia justa com banqueiros, que estão de malas cheias.
Esse acordo, que consagrou um bem ensaiado jogo de aparências, passou pelo "nada consta" que livrou a cara do colecionador das folhas corridas dos colegas, e pela eleição do insípido, inodoro e permeável Garibaldi Alves para a Presidência do Senado.
Depois deste verão ensolarado, a conversa será outra, até porque os governadores e prefeitos também perderão uma graninha sem a CPMF. Mais uma vez, você levará uma rasteira, devidamente dourada quando a jiripoca piar.
Enquanto isso, o governo ganhou um disco de ouro para apresentar polidas desculpas se o Temporão ficar de mãos atadas numa área em que um país sem grana como Cuba apresenta índices invejáveis, graças a seu modelo que trata do cidadão antes de adoecer. Modelo que não pega bem num regime em que 37 milhões de brasileiros morrem numa grana para os planos privados de saúde.
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