domingo, 31 de agosto de 2008

Toda a verdade sobre o maior desastre da aviação

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 1 DE SETEMBRO DE 2008
“Além da desorganização, em todos os níveis, o que assistimos hoje, na aviação civil brasileira, é o desrespeito, em grau máximo, aos cidadãos-contribuintes – que pagam caro pelos serviços que não recebem – e aos trabalhadores do nosso setor aéreo – cujos postos de trabalho têm sido paulatinamente ceifados ou aviltados, num processo de desmonte jamais visto anteriormente no país”. Comandante Marcelo Duarte, vice-presidente da Associação de Pilotos da Varig. A conspiração que levou ao sucateamento e desfiguração da Varig ainda vai dar muito que falar. Como tudo que se engendra de mentes alugadas, não se garante por muito tempo. Mais dia, menos dia, suas vísceras ficam à mostra, revelando toda a podridão que infecta seu organismo. Na semana passada, coube ao comandante Marcelo Duarte demonstrar toda a extensão do crime cometido. Vice-Presidente da Associação dos Pilotos da Varig, ele expôs com a competência de um líder e a lucidez de um estudioso os subterrâneos dos interesses espúrios de forma tão didática que calou a boca do representante da Anac, presente no mesmo painel, realizado na Confederação Nacional do Comércio. Por seu conteúdo incontestável, a exposição do comandante Marcelo Duarte deve ser reproduzida por todo este país de enganados e iludidos. Ela reflete o seu nível de compreensão transcendente, aperfeiçoado no exílio em que vive hoje, na sofrida Angola, onde foi oferecer o talento e a competência que as aves de rapina jamais conseguirão emascular. O comandante Marcelo Duarte é um desses profissionais da aviação que pensa para além das nuvens carregadas. Sua luta na Varig é anterior ao desenlace que deu no patético leilão de 2006.
Antes mesmo desses dias sombrios, já era um perseguido político dentro da Varig, o que lhe valeu a demissão arbitrária, junto com um punhado de bravos que ousou enfrentar os desmandos de suas diretorias, enquanto as cúpulas dos sindicatos classistas roíam as unhas, como se estivessem ansiosas pela débâcle da Varig. Uma aula que voa O inteiro teor de sua palestra voa como um avião enfurecido pelas ondas da internet. Só eu recebi uma meia dúzia de cópias. É possível que por todo o mundo, onde quer que exista um profissional de aviação interessado, esteja sendo objeto de uma oportuna reflexão. Suas incontestáveis verdades podem ser encontradas em alguns sites e blogs. Eu mesmo fiz questão de incluí-la no “Porfírio Urgente”, já como reprodução do blog criado pelo incansável comissário aposentado Paulo Resende (http://variggrandecompanhiabrasileira.blogspot.com/). É do mesmo autor e com a mesma pontaria certeira o artigo “O Crime de Lesa-Pátria na Varig”, de cujo texto, publicado também no “Porfírio Urgente”, retirei algumas boas verdades: “No caso concreto da pseudo-recuperação judicial da Varig, nada mais se viu até aqui do que sucessivos atos inconstitucionais por parte dos diversos agentes envolvidos, haja vista que, não obstante a citada patologia da justificação impossível, e contrariamente aos imperativos sociais estampados na nossa Constituição, promoveu-se verdadeira e crassa violação dos direitos dos trabalhadores, demitidos sem suas indenizações, dispensados do mercado de trabalho, muitos exilados economicamente do País, além dos vários milhares de aposentados, ex-beneficiários do fundo de pensão Aerus, condenados à miséria no correlato escândalo. Tudo isso sob a pífia explicação impossível de uma recuperação que não ocorreu, como hoje se reconhece indiscutivelmente, e debaixo de inúmeros escândalos que começam a vir à tona, de empresas que burlaram a lei ao se constituir com o fito único de comprar a Varig na bacia das almas, de remessas de divisas para o exterior, da intervenção extemporânea e indevida no Aerus, entre outros. Crime de Lesa-Pátria Para piorar este quadro, em agosto de 2006, pelos cálculos da própria Varig, seriam necessários 650 milhões de reais só para fazer as rescisões trabalhistas. Hoje, a 1ª vara empresarial do Rio de Janeiro faz questão de desconsiderar mais de 80% do valor efetivamente devido aos trabalhadores, cujo total ultrapassa 1 bilhão e meio de reais, acrescidos de mais de 3 bilhões devidos ao Fundo de Pensão Aerus. Sob falsos argumentos, muitos trabalhadores do grupo Varig, no desespero, estão sendo levados a pensar que, em breve, terão seus problemas financeiros resolvidos com o recebimento de uma mísera parcela daquilo que efetivamente teriam direito, caso de fato houvesse uma recuperação judicial. Achar que ratear R$ 30 milhões por cerca de 10 mil trabalhadores é fazer Justiça, e que a lei de Recuperação Judicial foi um sucesso no Caso Varig, é mais do que um acinte à inteligência. É a volta da barbárie, desta feita praticada contra milhares de famílias. Por força do artigo 114 da Constituição da República Federativa do Brasil, é da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar ações oriundas das relações de trabalho, na forma da lei, incidindo, no aspecto, a regra específica prevista nos artigos 10 e 448 da CLT. Sob as mesmas justificativas que cada vez menos se sustentam (“vamos recuperar a Varig”), o Juízo da Vara 1ª Empresarial do Rio de Janeiro tem praticado e permitido que se pratiquem atos que esbulham direitos trabalhistas consagrados sob uma pretensa autorização da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, autorização essa que não existe – como reza seu próprio artigo 6º– ou, se existisse, como visto, seria inconstitucional. A Constituição Federal é a nossa lei maior e nenhuma outra lei está acima dela. E para que se espanquem quaisquer dúvidas que insistem em se apresentar (tanto quanto aquelas explicações esdrúxulas) é que parte da Lei de Recuperação já está sendo contestada pela Ação Direta de Inconstitucionalidade 3934, impetrada pelo PDT. O que está sendo imposto aos trabalhadores, verdadeira barbárie no plano pessoal e crime de lesa-pátria no plano institucional, implica em milhares de trabalhadores deixarem de receber seus salários atrasados e indenizações trabalhistas, sem qualquer contrapartida real de empregabilidade (esta utilizada maliciosamente como moeda em troca pelo silêncio, veja-se o teor do Edital de venda da Varig para a VarigLog), afastando-se qualquer dúvida quanto ao manifesto erro valorativo e normativo-hierárquico perpetrado pelo juízo que presidiu a ação de recuperação judicial da Varig”. coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Para que o leilão pague a quem de direito

Pedro Porfírio levou a Comissão dos Ex-Empregados da Bloch ao Ministro do Trabalho, Carlos Lupi, numa audiência com a participação de representantes da OAB.
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 29 DE AGOSTO DE 2008
"Com a decisão do Tribunal de Justiça, outros credores federais, como o INSS, certamente exigirão seus créditos. Como a massa falida não tem bens suficientes para cobrir todas as dívidas, existe o risco de tanto os credores federais quanto os ex-empregados não receberem o que lhes é devido." (José Carlos de Jesus, presidente da Comissão de Ex-Empregados da Bloch) Para início de conversa, uma patética constatação: é difícil afirmar se para os cidadãos brasileiros essa Justiça que está aí cumpre seu papel segundo a presunção etimológica do seu garboso enunciado. Justiça, tal como se ouve falar na inocência dos bancos escolares, é uma senhora que se apresenta de olhos vendados sem que ninguém tenha tido o trabalho de ver se não está em farrapos. Antes de ser uma olímpica estrela institucional, uma fortaleza do bem, essa Justiça que temos é, de fato e tão-somente, a redoma dos senhores incontestáveis da lei, que a interpretam e a executam ao seu alvedrio, muitas vezes, na contramão de direitos evidentes. Isto pelo chumbo grosso que blinda a toga, incluindo a garantia da eternidade no cargo, concedida a todos os magistrados, inclusive aos que a ele chegam por indicação de terceiros ou nomeação do chefe do Executivo. Não é por acaso que são do Judiciário as grandes obras faraônicas que exibem fachadas suntuosas, enquanto suas prateleiras são abarrotadas por pastas robustas de um papelório estéril, que se traduzem em números melancólicos: 43 milhões de processos emperrados como corpo de delito da arrogância e do grande desprezo pelos cidadãos. Cheiro da frustração Faço essa preliminar para registrar mais uma vez o cheiro mórbido da amarga frustração no processo de falência da Bloch, que se arrasta por sofridos 8 anos, apesar da lisura da juíza Maria da Penha Victorino, da 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, e do Ministério Público. Nem mesmo quando um juiz de primeira instância age com seriedade, competência e lucidez a Justiça cumpre sua parte. Por cima e ao lado dela, há outras instâncias onde o mesmo sentimento inexiste. Foi o que aconteceu com a absurda decisão da 3ª Câmara Cível, em face da interpretação de um desembargador que decidiu ao arrepio do Decreto-Lei 7661, publicado em 21 de junho de 1945, no crepúsculo da ditadura do Estado Novo, que prevaleceu por exatos 60 anos como a legislação de falências e concordatas. Nessa peça legal, seu artigo 102 não deixa dúvida nem para os freqüentadores dessas faculdades de araque: É GARANTIDA "A PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS DOS EMPREGADOS, POR SALÁRIOS E INDENIZAÇÕES TRABALHISTAS, SOBRE CUJA LEGITIMIDADE NÃO HAJA DÚVIDA, OU, QUANDO HOUVER, EM CONFORMIDADE COM A DECISÃO QUE FOR PROFERIDA NA JUSTIÇA DO TRABALHO". No entanto, para a surpresa de alguns advogados, a 3ª Câmara sobrepôs aos créditos trabalhistas o interesse do governo federal, que não poderia nem ter sido pleiteado, assegurando o pagamento em primeiro lugar do Imposto de Renda recolhido e não repassado aos cofres públicos. Tal entendimento foi confirmado agora, neste julho cinzento, depois da decisão da juíza Maria da Penha, determinando um novo rateio de R$ 3.000,00 entre a parcela já habilitada dos 2.822 ex-empregados, muitos de cabelos brancos, que hoje vivem a pão e água na mais deprimente das ironias: houvesse o mínimo de sensatez, o patrimônio do Grupo Bloch daria para honrar todo o seu passivo, principalmente os R$ 50 milhões de créditos trabalhistas. Depois dessa, ninguém sabe mais o que pode acontecer, tal a fatalidade do axioma "cada cabeça uma sentença". Mais uma vez, por instância da OAB do Rio de Janeiro e até com a anuência do relator da 3ª Câmara Cível, o imbroglio foi levado ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, que, no exercício de suas responsabilidades, está trabalhando para que a Procuradoria do Ministério da Fazenda refaça sua intervenção, em prejuízo dos elementares direitos previstos em lei. Isto porque, no limiar da estação das flores, o belíssimo e confortável prédio da Rua do Russell, obra do genial Niemeyer, irá mais uma vez a leilão, com o preço mínimo de R$ 40 milhões. Há uma grande expectativa de que o imóvel seja arrematado até por mais no pregão do próximo dia 17. Mas quem receberá o produto dessa venda, que já acontece com um atraso imperdoável? Se até a terceira quarta-feira de setembro o Ministério da Fazenda não mudar seu entendimento, o leilão se realizará, mas poderá prolongar por outros tantos anos a infindável batalha judicial, enquanto trabalhadores de uma corporação que envelheceu junta vão continuar à margem daquilo que é um direito líquido e certo. Sob esse aspecto, pelo que ouvi dos ex-colegas da Bloch, o próprio desembargador que puxou a decisão reconhece a gravidade do caso e pode reavaliar sua decisão, desde que o Ministério da Fazenda compreenda a urgência do reconhecimento do crédito trabalhista, na forma da lei e segundo a exegese constitucional mais afinada com a doutrina e a jurisprudência. Um ramo crítico No caso dos ex-empregados da Bloch Editores, há que considerar a própria natureza de uma atividade com um perfil crítico. O mercado gráfico tem sido achatado em função dos custos, principalmente de papel, e do desenvolvimento tecnológico, que eliminou boa parte da mão-de-obra. No âmbito da comunicação, a mídia eletrônica e a internet têm produzido efeitos tão acachapantes que a sobrevivência de um jornal resulta antes de tudo da obstinação de seus titulares e da sobrevivência de um certo espírito público entre os profissionais. A massa de trabalhadores da Bloch foi alcançada por um turbilhão que deixou a quase totalidade dos seus integrantes sem alternativas no âmbito de sua especialidade. Juntar a essa tragédia a privação das verbas indenizatórias no caso de uma falência irreversível é demonstrar o covarde predomínio da insensatez e da insensibilidade social. Se o governo federal quiser, se o esforço pessoal do Ministro Carlos Lupi produzir frutos, se a Justiça entender o drama com a mesma visão lúcida da juíza Maria da Penha Victorino, ainda será possível minorar o sofrimento de tantas famílias. Do contrário, o caso da Bloch continuará em exibição na tela da desesperança que nos deixa tomados pela mais sôfrega indignação. O leilão do prédio do Russell, onde o presidente Juscelino Kubitschek viveu sua última labuta, será na quarta-feira, 17 de setembro de 2008. Que essa data esteja à altura da história de um país onde um dia a força de trabalho gozava de respeito. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 24 de agosto de 2008

De como estão sepultando a “Era Vargas” (II)

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPENSA DE 25 DE AGOSTO DE 2008
“Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o povo seja independente”. Da carta-testamento do Presidente Vargas, de 24 de agosto de 1954. Como disse na minha última coluna, o sepultamento da “Era Vargas” é obra de mentes escoladas destes tempos de esperteza e pode se definir como cartada sob encomenda com a dupla assinatura das almas gêmeas que consolidam o grande passo atrás, sob o manto “neoliberal” da inclusão do país no universo manipulado da globalização. Há uma compulsória simbiose no assassinato premeditado: destroçar o repertório de conquistas trabalhistas e destruir os fundamentos da economia soberana são duas faces da mesma moeda que vão ganhando novos desenhos numa hábil simultaneidade. A castração dos direitos sociais processa-se por vias oblíquas em função da superposição de leis. Suprimem-se as garantias trabalhistas no bojo de legislações de natureza econômica. Estas são tão bem direcionadas que não se faz necessário revogar o disposto na CLT. Não é diferente a tática para derrubar as muralhas da soberania econômica. Trata-se então de produzir espasmos moleculares que enfraquecem os pilares da economia numa linguagem sofismada. No altar das profusas mistificações, não é difícil vender gato por lebre. A cada nova geração de brasileiros obtém-se o que se poderia chamar de lobotomia de nascença. São safras humanas cada vez com menor desejo de informação, menor espírito crítico e mais precária composição cultural. Com essa alienação de nascença, a desfiguração da nacionalidade se dá sem choro, nem vela. Petrobrás como alvo Na detonação dos fundamentos econômicos da “Era Vargas” a maior voltagem se aplica no choque que atinge a Petrobrás, a filha que levou Getúlio ao suicídio. Porque seu nascimento naquele 3 de outubro de 1953 foi, de fato, a sentença de morte que se consumou no 24 de agosto de 1954. Ironicamente, agosto, esse mês de momentos tão insanos, foi o escolhido para a primeira pernada fatal no monopólio estatal do petróleo, o caminho patriótico que Getúlio Vargas escolheu no turbilhão de um conflito que vinha desde 1948, quando o presidente Eurico Gaspar Dutra tentou aprovar o “Estatuto do Petróleo”, ressuscitado pela malsinada Lei 9478, de 6 de agosto de 1997, que ganhou a alcunha de “Lei do Petróleo”. Naqueles idos recentes o professor Fernando Henrique fez seu pai, o general Leônidas Cardoso, nacionalista de quatro costados, remexer-se no túmulo, ao patrocinar e sancionar o estatuto que Dutra não conseguiu aprovar, garantindo casa, comida e roupa lavada para os grupos privados que quisessem tirar uma casquinha em nossas nada misteriosas reservas de petróleo e gás. De 1997 para cá, o desmanche da “Era Vargas” na sua obstinação pela soberania, cujo emblema maior foi a Lei 2004/53, teve efeitos mais corrosivos do que tudo que se tentou antes, quando os entreguistas dos anos 40, encabeçados pelo confuso general Juarez Távora, perderam a primeira batalha ante a oposição dos nacionalistas liderados pelos generais Horta Barbosa, ex-presidente do Conselho Nacional do Petróleo; Salvador César Obino e Estilac Leal, ex-presidentes do Clube Militar, a primeira cidadela da resistência em defesa do nosso petróleo. Sob a égide da nova “Lei do Petróleo”, que permanece intacta há exatos 11 anos, o governo vai abrindo espaço para as empresas estrangeiras em condições humilhantes: primeiro, levam a leilão bacias petrolíferas onde já se sabe que tem petróleo, em função do notável desempenho dos profissionais da Petrobrás; depois, estabelecem retorno ao Estado muito inferior à média praticada no mundo; finalmente, associam a nossa estatal a grupos privados vorazes numa exploração sub-imperialista em 27 países, como era da essência do “Relatório Link”, aquele que, na década de 60, à frente da equipe de estrangeiros que fez as primeiras análises, disse que não havia petróleo no Brasil. Discussão imprópria Nessa faina, abrem uma discussão insólita e diversionista, como essa da criação de uma nova estatal só para as áreas da nova abundância, numa postura denunciada pelo engenheiro Fernando Siqueira, um bamba no assunto, como “a troca de seis por meia dúzia”. Essa seria igualmente, uma macaquice matreira, como se infere do brilhante artigo de Wladmir Coelho, mestre em direito e historiador, que mostrou o subterfúgio: o governo brasileiro estaria recorrendo à fórmula norueguesa, adotada em 2002, para chegar ao Ártico, uma área disputada com os Estados Unidos, Rússia e Canadá. Fernando Siqueira, um dos expoentes da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, falando em nome da entidade, pôs os pingos nos “is” ao demonstrar o arranhão da nossa soberania: "O governo federal recebe hoje menos da metade do que recebem os países exportadores pela exploração do petróleo (em suas bacias) e isso é gravíssimo - porque o pré-sal tem um potencial aí da ordem de 90 bilhões de barris. Se o petróleo se mantiver aí na casa dos US$ 100 o barril (e está acima disso) significa que há nas reservas cerca de US$ 9 trilhões que pertencem ao povo brasileiro. Esse volume de recursos seria entregue para empresas estrangeiras por meio de leilões impostos pelo atual marco regulatório". Considerando essas reservas, temos só nessa área o equivalente a 9 anos de todo PIB nacional. Para Fernando Siqueira, o essencial é mudar a “Lei do Petróleo”, objeto de uma proposta detalhada da AEPET, encaminhada em maio passado ao Congresso Nacional. "O governo pode até fazer leilões, mas tem que mudar a lei e remunerar as empresas nos mesmos percentuais da média mundial. Ou seja, passar de 40% para 84% o valor a ser pago sob a forma de tributos e participações especiais". Essa postura de alma gêmea interiorizada por Lula em face de FHC, no desvario exorcista em relação ao marco estabelecido por uma obra sedimentária e transcendental vai custar muito ao povo trabalhador. Mas também será um exuberante corpo de delito no julgamento destes dias tristes, pincelados por um uma decepcionante e incondicional sujeição ao sistema internacional. Sujeição que jamais se daria sob inspiração de Getúlio, Jango ou Brizola. coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

De como estão sepultando a "Era Vargas"

A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Da carta-testamento de Getúlio Vargas, levado ao suicídio em 24 de agosto de 1954 Quando o sol nascer, nesse domingo, teremos um motivo especial para reflexão: a história estará registrando o 54º aniversário do suicídio de Getúlio Dorneles Vargas, ainda o maior estadista do Brasil, cuja obra jamais poderá ser esquecida, como referência de patriotismo e de direitos sociais. Faço questão de falar do presidente Vargas da mesma forma que não posso deixar de lembrar seus legítimos herdeiros, João Goulart e Leonel Brizola, grandes vultos de uma história que está para ser contada com a lisura devida. Se me emociona fazer esta coluna hoje, o faço num esforço sobre-humano para chegar aos meus contemporâneos com as mais veementes lembranças. Isto por que estou vendo com meus próprios olhos a tentativa solerte de sepultarem sua obra, cujas marcas indeléveis são as ameaçadas conquistas trabalhistas e a afirmação da soberania nacional, seriamente abalada com o desmonte na prática do monopólio estatal do petróleo. No caso dos direitos trabalhistas, a mudança mais grave alcançou os aposentados e pensionistas numa rapina que ainda vai continuar. Há articulações em estado avançado para atingir outra vez os segurados do INSS, com a criação de mais empecilhos à aposentadoria, e as pensionistas, que praticamente perderiam esse direito. Mas há em curso também algumas negociações destinadas a detonar as conquistas dos trabalhadores na ativa, incluindo restrições às férias, décimo terceiro salário e outros direitos sociais. Tanto que não tem prosperado a discussão sobre a ratificação no Congresso da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, que proíbe a demissão imotivada, apesar dos esforços do ministro Carlos Lupi. O repertório de conquistas nos períodos de Getúlio Vargas e João Goulart é vasto e representa uma mudança radical na compreensão dos direitos dos trabalhadores. Abandonados e mal pagos Ninguém até hoje chegou nem perto dessa mudança. E quem faz discurso em nome dos assalariados tem tido uma postura surpreendentemente hipócrita. Ao contrário da fala doce, pratica medidas que têm minado os direitos conquistados. O mais grave nesse campo é o abandono dos empregados no caso da insolvência das empresas. Nem na antiga lei, nem na nova, que se apresenta como destinada a garantir a recuperação, os profissionais das empresas em crise tiveram garantias efetivas dos seus créditos. Dois casos que servem de referências são a situação do pessoal da Bloch, que faliu em 2000, sob vigência da antiga lei, e mais recentemente o caso da Varig, primeira a recorrer aos subterfúgios da "recuperação com a chancela da Justiça". Até hoje os trabalhadores da Bloch esperam o reconhecimento dos seus créditos, que seriam prioritários, na forma na lei do tempo de Getúlio. O cumprimento dessa obrigação tem sido solapado por uma estranha morosidade da Justiça, em contraste com a disponibilidade de bens que dariam para que todos os créditos trabalhistas fossem honrados. Aí, apesar da postura correta da Vara Empresarial, em primeira instância, atos em nível de Câmara Cível provocaram sentimentos de frustração entre os trabalhadores: o rateio de um crédito, decidido com clareza meridiana pela juíza da Vara Empresarial, foi desautorizado na 3ª Câmara Cível, que acolheu uma insólita petição da Procuradoria da Fazenda Pública, a quem caberia esperar a observação do direito de credor preferencial concedido pela antiga lei aos empregados. No caso da Varig, porém, a assimilação da nova lei pelo titular da 1ª Vara Empresarial acarretou uma interpretação tão perversa que, pela primeira vez, excluiu a Justiça Trabalhista de qualquer pronunciamento sobre direitos trabalhistas. Este fato teve o peso de um aviso: os direitos conquistados pela CLT já não contam. A abrupta conseqüência dessa percepção legal "nova" foi a dispensa dos trabalhadores do grupo Varig sem a quitação de uma única dívida trabalhista. Com a chancela da Vara Empresarial, sete mil trabalhadores foram para o olho da rua sem um níquel, mesmo de salários atrasados. Há uma semelhança trágica nos dois casos. Uma massa de profissionais especializados, preparados, competentes ficou ao deus-dará, com todas as dificuldades imagináveis para o reingresso no mercado de trabalho. Na lambança da Varig, a violência se irradiou para os seus aposentados, cujo fundo de pensão complementar foi de água abaixo, por conta da dívida bilionária da patrocinadora, que vinha se acumulando sob os olhares cúmplices da Secretaria de Previdência Complementar. Renúncia "voluntária" A cristalização desses casos abre caminho para um ambiente de chantagem social. Assustados, os trabalhadores de outras empresas e de outras atividades acabam abrindo mão dos seus direitos, numa de que só terão condição de permanecer em seus postos num regime em que de fato a legislação trabalhista tenha desaparecido. Há, assim, uma sistematização sibilina da proposta proclamada pelo professor FHC para enterrar a "Era Vargas". Como é da doutrina vigente, o próprio "mercado" vai gerando um tipo de relação destituída das garantias que sobrevivem apenas no papel. Era garoto quando o país foi abalado pela notícia da morte de Getúlio. Mas lembro perfeitamente do choque que causou, como prenúncio de que estava em marcha um processo articulado de fora para dentro com o objetivo de destituir o povo de suas conquistas sociais. Num primeiro momento, o sacrifício do presidente serviu como um entrave a essa conspiração. A população foi para as ruas e tomou consciência da gravidade de toda aquela campanha contra ele. Em 1955, refeito, o povo elegeu uma chapa presidencial com Juscelino e Jango. As mesmas forças que fizeram de tudo para rasgar aqueles direitos se mantiveram em franca atividade. Veio a crise de 1961, quando tentaram impedir a posse de João Goulart. E o golpe de 1964, que o derrubou do poder, abrindo caminho à ditadura. Ali começaram a detonar as conquistas da "Era Vargas". Mas, curiosamente, é neste momento em que os trabalhadores começam a sentir a falta de Getúlio, Jango e Brizola. Curiosamente, é por isso que hoje O "Doutor Getúlio" não me saiu da cabeça. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 17 de agosto de 2008

O jogo sujo contra um combustível limpo

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 18 DE AGOSTO DE 2008
“A oferta de gás natural nos próximos anos deve ser mais do que suficiente para atender à crescente demanda local” Davidson de Magalhães Santos, presidente da Bahiagás, durante o 11º Congresso Mundial de GNV, realizado em junho, no Rio.
Comecemos por essa notícia, publicada no jornal TEMPO, de Minas Gerais: o Gás Natural Veicular (GNV) deixou de ser o combustível preferido dos taxistas. De acordo com o Sindicato Intermunicipal dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários, Taxistas e Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens (Sincavir-MG), há dez anos, 70% da frota de táxi era movida pelo GNV. Hoje, dos 6.000 táxis em circulação no Estado, apenas 1.300 usam gás natural - 21% da frota. A venda de gás natural veicular em Minas não se compara às do Estado do Rio, onde se concentram quase 50% dos consumidores desse combustível limpo. Os últimos números indicam que cerca de 655 mil automóveis fizeram conversão para o GNV no Estado. Só na capital, são quase 460 mil veículos. Uma conversão para o gás não sai por menos de R$ 3 mil reais. Praticamente, toda a frota de táxis e kombis é movida a gás. Para um total de 2 milhões e 150 mil veículos registrados na cidade do Rio de Janeiro, previa-se que os usuários de GNV chegariam a 500 mil até o fim do ano, se não fosse a traiçoeira mudança na política do governo, que só falta agora criminalizar quem fez essa opção, benéfica para o motorista e, sobretudo, para o meio ambiente. Os números que falam Segundo gráficos da Agência Nacional do Petróleo, em julho de 2007, funcionavam no Estado do Rio 407 de um total de 1290 postos equipados com compressor de gás no país. São Paulo, que detém metade do PIB nacional, tinha 315. Minas Gerais vinha em terceiro lugar, com 91. A partir de outubro de 2007, o governo mudou de idéia sobre o GNV. Num primeiro tranco, a Petrobras deixou de fornecer parte do gás à CEG, ensejando um clima de nervosismo que culminou com a mais grave crise entre as oficinas de conversão: quase 200 delas fecharam suas portas, em conseqüência de uma brusca retração, gerando uma considerável perda de emprego. O carioca viu-se diante do fantasma do desabastecimento de gás e, num segundo momento, de pagar mais pelo gás do que pelos outros combustíveis, particularmente o álcool, a menina dos olhos do sr. Luiz Inácio, que faz a festa dos grandes usineiros. O desabastecimento foi descartado com o uso de um expediente mais típico do governo atual – a inibição do consumo pela alta dos preços no posto. Nos primeiros sete meses de 2008, a CEG elevou em 25% os preços do GNV, em dois aumentos sucessivos, enquanto o álcool observava uma ligeira queda. Nas bombas, o GNV, que custava R$ 1,317 no início do ano, passou para R$ 1,647 o metro³. Embora seja possível comprar por até R$ 1,39 em alguns postos, há outros vendendo a mais de R$ 1,70. Se não fosse pela minha Lei 3631/03, a situação seria pior. Esta lei fez o número de revendas saltar de 97 postos na cidade do Rio de Janeiro em 2003 para 320 em 2007. A Lei deu prazo de cinco anos para que todos os revendedores de combustíveis se equipassem para a venda de GNV. Os novos alvarás só seriam concedidos com a previsão de imediata disponibilização do gás. Gás lucrativo Mesmo assim, o Rio de Janeiro pratica uma das maiores margens no país entre os preços da distribuidora e o consumidor. Esse mesmo GNV que pode custar mais de R$ 1,70, sai da CEG por R$ 0,96 centavos. E já sai caro, porque o gás natural consumido no Estado do Rio é da Bacia de Campos. Isso significa que os postos fluminenses ganham mais de 60% na comercialização do GNV, em contraste com os outros combustíveis: 8,0% para a gasolina; 9,0% para o álcool e 4,0% para o diesel. No entanto, o mesmo gás importado da Bolívia sai da Comgás por R$ 0,91, o que se reflete nos preços de varejo. Levantamento feito pelo deputado estadual Wanderlê Correia, de Sergipe, divulgado no último dia 15 de agosto, revelou que há muita incongruência nas planilhas dos preços entre distribuidoras e postos. Pela sua pesquisa, o preço do metro³ do GNV nas distribuidoras em Sergipe é de R$ 0,83. Na bomba, o preço pula para R$ 1,84. Na Paraíba, o preço na distribuidora é de R$ 0,89, e nas bombas é de R$ 1,62. Em São Paulo, o GNV na distribuidora é R$ 0,91 e nas bombas R$ 1,16 (números do deputado). Ainda por suas estimativas, a margem de diferença nos preços, em Sergipe, é de 106%, em São Paulo é de 63%. No Amazonas, os postos praticam uma margem de apenas 56%. O lucro bruto, em Sergipe, é de 113%, o terceiro maior do país, atrás apenas de Alagoas e Santa Catarina. No Amazonas, a margem de lucro é de 12%. Em São Paulo, os postos lucram 27%. O GNV ficou 20% mais caro este ano no país, e, na última semana, era vendido em média a R$ 1,615 nos postos do Rio de Janeiro. Foi a maior alta entre todos os combustíveis. O álcool teve queda de 1,47% no país em 2008, para R$ 1,467. A gasolina caiu 0,1% (para R$ 2,496) e o diesel acumulou alta de 14,33% (para R$ 2,10). O aumento do preço do GNV começa a provocar recuo nas vendas do combustível. Segundo o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), que representa parte da rede de postos, a queda foi de 5,5% no município do Rio no primeiro semestre, frente a igual período de 2007. Essa mudança no governo é mais uma rasteira nos brasileiros de boa fé e ainda entra em choque com as previsões do setor. No 11º Congresso Mundial do GNV, realizado no início de junho, aqui mesmo no Rio de Janeiro, o inglês John Lyon, presidente da Associação Internacional de Veículos a Gás Natural, garantiu que até 2020, portanto dentro de 12 anos, 80% da frota mundial de automóveis – o equivalente a 65 milhões de veículos – serão movidos a gás natural veicular. Já o presidente da Bahiagás, Davidson de Magalhães Santos, calculou que o aumento da oferta de gás natural no Brasil duplicará nos próximos 4 anos, passando dos atuais 60 milhões de metros cúbicos/dia para 131 milhões, em 2012. Como você vê, há uma mescla de incompetência e má fé na condução da política energética, particularmente em relação ao GNV, protagonista de uma das histórias mais sujas dos nossos dias. coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O que é isso, companheiro? Nem a Petrobrás escapa?

Sob o nosso mar azul (clique na imagem para ampliar)
"É o samba do lobista doido atribuir ao governo a idéia (?) de que uma estatal forte é um risco para o Estado - e que o melhor para o Estado nacional é entregar o pré-sal (um gigantesco lago de petróleo descoberto pela Petrobras, talvez a maior descoberta petrolífera da História), ou parte dele, a empresas estrangeiras". Carlos Lopes, médico e jornalista (artigo publicado na "Hora do Povo")
Santo Deus! Numa verdadeira operação de estado maior, estão esvaziando o monopólio estatal do petróleo justo na hora em que descobrem que sob o mar azul temos ouro negro para enrubescer as bochechas de muito paxá. Se o que estão fazendo na calada do dia não é entregar o ouro ao bandido, macacos me mordam. Daqui, dali e dacolá chegam notícias arrasadoras: estão pegando pesado na mais engenhosa discrição. Quando os brasileiros acordarem, se é que vão escapar ao sono letárgico, a vaca já foi pro brejo. O Brasil pode até entrar para o milionário clube da Opep, mas será tal qual esses pilotos de Fórmula 1, contratados por escuderias estrangeiras, que tremulam a bandeira brasileira para inglês ver e para massagear o ego dos nossos patrícios, no jogo das perdidas ilusões. O mapa da mina Porque, pelo andar da carruagem, a Petrobras vai acabar ficando a pé com esses leilões iniciados na funesta era FHC e mantidos com toda pompa por sua alma gêmea - o ex-tudo. Antes fosse só isso. Mas o esquema é voraz e ataca pelas onze. Ficamos sabendo agora, pelo alerta máximo da Associação dos Engenheiros da Petrobras, que há mais de dez anos o mapa da mina vem sendo administrado pela mais audaciosa empresa norte-americana, a mesma que ainda hoje canta de galo no Iraque. Verdade. A multinacional norte-americana Halliburton, através da sua subsidiária no Brasil, Landmark Digital and Consulting Solutions, está administrando o Banco de Dados de Exploração e Produção (BDEP), da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), sem ter passado por processo licitatório. E mais: as fontes informaram, ainda, que tiveram acesso ao parecer da Procuradoria Geral da República (PROGE), emitido em 2004, no qual exige que serviços prestados no BDEP sejam feitos mediante licitação. Mas, incrivelmente, a ANP até hoje não cumpriu a determinação da PROGE. Há dez anos, a Landmark recebe e tem acesso a todos os dados estratégicos de exploração e produção da Petrobras, além de embolsar R$ 600 mil por mês. A Halliburton, que já foi presidida pelo vice-presidente norte-americano Dick Cheney, atua no Brasil há mais de 40 anos e recentemente colocou um diretor de sua subsidiária em Angola (Nelson Narciso) na direção da Agência Reguladora, para gerenciar os leilões e o BDEP. Sobre essa inacreditável derrapada da ANP, cujo vice-presidente é o ex-deputado Haroldo Lima, tido e havido como patriota, vale transcrever comentários de Mauro Santayana no "Jornal do Brasil": "A Halliburton é a mais conhecida das empresas corruptoras do mundo, e mantém 130 empresas subsidiárias fora dos Estados Unidos, o que lhe permite fraudes costumeiras. Corrompe nos Estados Unidos, em seus contratos com o governo, e no estrangeiro. Em maio de 2003, ela foi multada em U$ 2,4 milhões, pela Security Exchange Comission, por subornar funcionário da Nigéria. A entrega dos segredos geológicos nacionais a uma empresa estrangeira - e com a ficha da Halliburton - se tornou possível com a política nacional do petróleo do governo social-democrata que escancarou o Brasil entre 1995 e 2003. O governo Vargas - com todos os seus imensos erros - teve o mérito de criar um projeto nacional de desenvolvimento fundado em nossos recursos naturais. Depois de mais de quatro séculos de exploração colonial e neocolonial, chegara o tempo de - com o trabalho e a inteligência dos brasileiros - explorar os recursos do solo e subsolo, a fim de libertar a população da ignorância, das doenças e da miséria. Mas o governo passado decidiu sepultar a era Vargas, e entregar tudo aos estrangeiros. O governo passado, com a cumplicidade do Congresso, autorizou a venda de 40% das ações da Petrobras a investidores estrangeiros. Isso, na época, representava US$ 2 bilhões. Com o aumento dos preços do petróleo e a descoberta das grandes reservas, essa participação se elevou a 120 bilhões, segundo os cálculos do engenheiro Fernando Siqueira. As remessas de lucros referentes ao petróleo são de 6 bilhões de dólares ao ano - o que contribui para o déficit externo. Além disso, em quase todos os países produtores de petróleo, as empresas estrangeiras concessionárias pagam mais de 80% de seus lucros ao Estado. No Brasil, por generosidade do governo anterior, essa participação, variável, é, no máximo, de 40%". O filé de Eike Batista Tem mais: em bem fundamentada matéria publicada no jornal "Inverta", Janete Maria da Silva e Helena Campos escreveram: "No 9º leilão de blocos de petróleo realizado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), a privada OGX arrematou 21 dos 23 blocos leiloados nas bacias de Campos e Santos. As bacias são, respectivamente, a maior produtora de petróleo e o berço dos megapoços pré-sal Tupi, Júpiter, Carioca e Pão-de-Açúcar, recentemente encontrados. Segundo Eike Batista, dono da OGX, "quem toca a empresa são técnicos experientes, que participaram dos projetos que resultaram na descoberta das reservas do pré-sal pela Petrobrás". Não é apenas através da abertura de seu capital na bolsa de valores, na qual o governo reteve apenas 33,2% da estatal, além de uma parte através do BNDES, que a Petrobras vem sendo privatizada. Segundo o artigo 26º da Lei do Petróleo (9.478), modificada durante o governo de FHC, o Estado tem o monopólio do petróleo no subsolo, mas a partir do momento em que sai do subsolo o petróleo é de quem o explorou. Assim, em vez dos 75% da renda do petróleo que deveriam permanecer no País nos anos 50, nas licitações feitas pela ANP apenas 30% da mesma retorna ao Estado (10% em participação especial, 5% em royalties e 15% em impostos). A Petrobras investe e corre o risco para encontrar os bolsões, leiloando todas as áreas ao seu redor a preços irrisórios. Apesar da não privatização da Petrobrás ter sido bandeira na campanha de Lula, o atual governo não modificou o Art. 26º. Se, por um lado, retirou do 9º leilão 41 blocos próximos aos megapoços pré-sal, por outro a ministra Ellen Gracie anulou a liminar que suspendia o 8º leilão, onde foram negociadas justamente áreas do poço Tupi. A ANP avalia o caso". Esse e outros desvios fatais para a nossa soberania estão na pauta da Frente Nacional dos Petroleiros, que se reúne a partir de hoje no Rio de Janeiro. Este, porém, não é assunto da agenda exclusiva dos trabalhadores do ramo: é uma OBRIGAÇÃO de todos os brasileiros que ainda acreditam nos fundamentos da soberania nacional e desta não abrem mão. mailto:coluna@pedroporfirio.com%20

domingo, 10 de agosto de 2008

É como se ouvíssemos um grito que estava parado no ar

O GLOBO mostrou o coronel Ustra, um dos acusados por crimes de tortura, em destaque na manifestação do Clube Militar
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 11 DE AGOSTO DE 2008 Vê-los respondendo por seus crimes não é revanchismo, é, isto sim, a oportunidade que se lhes dá de demonstrarem à sociedade, que praticaram esses atos, segundo dizem, para “ salvar o País do perigo comunista”. Luiz Carlos Moreira, capitão de mar e guerra (da reserva) e advogado. Não dá para segurar o grito que estava para no ar. Os brasileiros não são piores do que os argentinos, uruguaios e chilenos, que deram o devido tratamento aos que praticaram crimes comuns continuados dentro das instalações militares naqueles dias em que quase toda a América do Sul vivia sob o terror de ditaduras impiedosas, que cometeram as mesmas atrocidades. À margem dos que insistem em solidarizar-se com a violência institucionalizada daqueles idos, há vozes de indignação entre os que, tendo servido às Forças Armadas com o zelo profissional, podem hoje expressar-se por estarem aposentados. É o caso do coronel-médico Levi Inimá Miranda, reformado como incapaz em julho de 2007, depois de ter denunciado ao Ministério Público Militar uma coleção de punições de que foi vítima: cinco advertências, três repreensões e uma prisão disciplinar. Rompendo o silêncio É de sua lavra o libelo que me foi dirigido e que transcrevo na íntegra, com o único objetivo de tornar públicas as “vozes do silêncio”: “Cumprimentando-o, quero lhe dizer da minha estupefação quanto ao revide, por parte do Clube Militar, no que tange a questão da Anistia. Pior que a forma com que o tema foi abordado por militares, foi a presunção do presidente do Clube Militar, quando se pronunciou em nome do povo brasileiro. Isto foi de um atrevimento inominável. Também descabida foi a comparação entre as atrocidades outrora cometidas pelos órgãos de repressão, capitaneados pelo Exército e a corrupção reinante no governo atual, protagonizada por membros do PT e também por parte de membros de partidos da base governista. E, por fim, mais uma vez pecou o presidente do Clube Militar ao falar sobre “supostas torturas” praticadas por militares. Ele bem sabe tudo quanto ocorreu, a partir da OBAN, dos DOI-CODI, do DOPS etc., bem como também da Escola das Américas... E a história trás inúmeros exemplos, como Edson Luis Lima Souto, Manuel Fiel Filho, Vladimir Herzog, Rubem Paiva, Stuart Angel etc. E farta literatura há a respeito das atrocidades cometidas, bem como toda metodologia danosa e macabra (o pau-de-arara; o “esticador”; a palmatória; a cadeira do dragão; a “pimentinha; o “afogamento”; etc.), além da criação de “cemitérios clandestinos”; as queimas de corpos em pneus (no Araguaia) e em automóveis (na grande São Paulo); as amputações de mãos; as decapitações; as trocas de cabeças realizadas no IML de São Paulo, com a participação de peritos legistas, no intuito de trocar as identificações por odontogramas cadavéricos; a tutela de Laudos Cadavéricos, assinados por peritos legistas acumpliciados com aquele regime de exceção; etc. Não só as torturas e todo o morticínio realizados devemos às Forças Armadas. A elas devemos grande parte da gênese de todos os matizes de violência que hoje nos assola, enquanto cidadãos. Devemos muito ao Art. 27 da Lei de Segurança Nacional, que promoveu a mistura de presos comuns com presos políticos, e que inspirou os criminosos comuns, dando surgimento ao Grupo União, depois denominado Falange Vermelha e, por fim, Comando Vermelho; e, hoje, a todas as facões criminosas existentes. As formas de ocultações de cadáveres, empregadas pela repressão, hoje inspiram traficantes e grupos de extermínio, externadas pelos cemitérios clandestinos, espostejamentos, esquartejamentos, decapitações, carbonizações de cadáveres, quer através de pneus ou mesmo na queima de veículos automotivos. Os criminosos muito aprenderam com os órgãos de repressão. Qualquer militar que seja dotado de alguma intelectualidade, e que seja estudioso e leitor contumaz, bem sabe que o golpe militar de 1° de abril foi a derradeira tentativa de ditadura plena, e a única que efetivamente vingou; e que toda a filosofia golpista principiou na Escola Superior de Guerra, com o chamado “Grupo da Sorbonne”, sempre com a participação, em todas as fases evolutivas, de Golbery. Tivemos a ditadura de Marechal Deodoro da Fonseca; a ditadura do Marechal Floriano Peixoto, que derrubou Deodoro; o golpe militar frustrado pelo suicídio de Vargas – a ditadura militar foi gestada desde 1954, quando os militares pretendiam que Vargas renunciasse, para assumirem o poder, ou mesmo depondo-o, caso não renunciasse... -; a tentativa de impedir a posse de Juscelino; a tentativa de impedir a assunção de João Goulart, quando da renúncia de Jânio, contornada pelo parlamentarismo; e, por fim, o golpe que depôs Jango. Após o golpe militar de 1° de abril, ainda promoveram o “golpe dentro do golpe”, com a prorrogação do mandato do Castelo Branco. Depois de Castelo, a chegada de Costa e Silva, fiel representante da chamada “linha dura”, que, com sua morte, MÉDICI protagonizou os “Anos de Chumbo”, época em que efetivamente deram-se as maiores atrocidades. E também os atentados a jornais, as bombas em bancas de jornais, a bomba que vitimou uma secretária na OAB, a bomba do RIOCENTRO e tudo mais. Ao golpe militar de 64 também devemos a destruição do ensino público e da saúde pública de nosso país. Devemos a ele também o grau de empobrecimento de nosso povo, que se arrasta desde a máxima de que necessário era “fazer o bolo crescer para depois reparti-lo” (Delfin Neto)... Ao golpe também devemos a deterioração de nossas polícias, a partir do momento em que foram tornadas fantoches a serviço da repressão. Assim, o presidente do Clube Militar minimizou todos os desvarios conseqüentes aos insanos ditadores e seus séqüitos torturadores. Que a oficialidade mais nova desconheça a história é explicável com base na péssima qualidade do ensino vigente; mas ele não pode dizer que desconhece tais fatos. Historicamente, duas foram as atrocidades fratricidas protagonizadas por militares: Canudos e o golpe militar de 64. Aguerrido Pedro Porfírio! Desconhecer a verdadeira história da ditadura militar, e seus bastidores, é prova de ignorância, diante da tragédia causada ao nosso país e ao nosso povo. Desconhecer a história de tantos mortos e desaparecidos, e de vítimas, vivas, como, por exemplo, você, é, além de ignorância histórica, acumpliciamento culposo com os torturadores e assassinos do sistema atroz de outrora. Jamais nos esqueçamos do capitão Sérgio Macaco. Por fim, receba meu apoio, incondicional, às suas palavras, à sua história de brasilidade, de civismo e de moral. Tenho, pelo amigo, os maiores respeito e admiração, assim como também com relação a tantos outros brasileiros que lutaram, que sofreram, que foram imolados e que, em alguns casos, deram suas vidas, pelo nosso país e pelo nosso porvir”. Audiência sobre a Varig Foi antecipada para esta quinta-feira, dia 14, às 10 da manhã,a audiência pública na Comissão de Serviços e Infra-Estrutura/Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional sobre a Varig. Os ex-funcionários e aposentados do Aerus estão organizando uma caravana do Rio de Janeiro, que sairá às sete da manhã e voltará no mesmo dia. Os que puderem ir, devem entrar em contato com suas entidades. Antes da viagem, haverá uma reunião na sede da Apvar. coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Não há anistia que poupe torturadores perversos

“Entre os países criadores dos chamados "anos de chumbo", o Brasil é o único que ampara os responsáveis e os praticantes dos crimes comuns contra opositores da ditadura”. Jânio de Freitas, FOLHA DE SÃO PAULO, 3 de agosto de 2008 Entre perplexos e assustados os brasileiros, como eu, tomamos conhecimentos de dois fatos gravíssimos: primeiro, uma nota assinada pelo general Gilberto Barbosa de Figueiredo com os mesmos enunciados dos tristemente cognominados anos de chumbo; segundo, da realização de um “simpósio” reunindo os três clubes militares, com a presença de juristas por demais conhecidos. Na nota, o general Figueiredo me surpreende particularmente ao se referir à “tortura SUPOSTAMENTE praticada por alguns militares”. A esta altura da minha vida, tantos anos já passados com a conseqüente renovação da tropa, é profundamente lamentável que um general respeitado como o presidente do Clube Militar ainda ponha dúvida sobre comprovada tortura que levou muitos à morte nos porões do DOI-CODI, do CENIMAR e do CISA. E até mesmo em locais clandestinos, longe do alcance dos próprios militares d’antão. Toda a sociedade brasileira que viveu sob o signo do medo naqueles tétricos 20 anos sabia do que acontecia com quem ousasse contestar os usurpadores de um poder ilegal, que a ele chegaram com a derrubada do presidente constitucional e que nele permaneceram pela força dos tanques, numa balada tão malvada que até seus próprios aliados civis, como os governadores Carlos Lacerda e Ademar de Barros, passaram pelo cutelo que cortava as vidas dos mandatários. Antes de defender torturadores – que nada tinham com a vida castrense e que mancharam como celerados doentios a honra de uma tropa tradicionalmente legalista – esperava dos militares de hoje exatamente oposto. Os mais interessados em separar o joio do trigo, em dizer a nós, indefesos civis, que tudo aquilo acontecia à margem das corporações, deveriam ser os chefes de hoje, como acontece com países que viveram tragédias exatamente iguais, como Argentina e Chile, cujos comandantes se colocaram ao lado da punição dos criminosos de Estado. Argumento “débil” que “agride a inteligência dos brasileiros” é o que tenta encobrir a tortura praticada por agentes do Estado, pagos e armados pela cidadania, comparando-a a ações dos que se rebelaram contra o regime de arbítrio, de perseguições e abuso do poder. Eu que o diga Cito o meu próprio exemplo como corpo de delito de uma ditadura insana e interessada tão somente em prestar serviços ao sistema internacional. Fui preso na madrugada do dia 27 de junho de 1969, quando exercia o cargo de Chefe da Redação desta mesma TRIBUNA DA IMPRENSA. Levado para a Ilha das Flores, fui submetido a sessões de tortura do dia 2 ao dia 16 de julho desse ano, sob a supervisão do capitão de mar e guerra Clemente José Monteiro Filho, com a participação de torturadores inveterados, como o Solimar, o “CIA” , o SPC Sérgio e o sargento Antunes. O que é que eu fiz para ser torturado, mantido isolado na “cela vermelha” e num fétido banheiro? Nada. Apenas dirigia um jornal submetido ao fogo intenso dos esbirros da ditadura, que prenderam e confinaram Hélio Fernandes por mais de uma vez e ainda tiveram o atrevimento de explodir uma poderosa bomba nas suas oficinas, no dia 26 de março de 1981, crime que até hoje não teve a devida reparação do Estado. Esses torturadores tresloucados, assassinos, estão a salvo do julgamento de uma história ainda muito mal contada? Os oficiais das nossas Forças Armadas são preparadíssimos. É uma pena que poucos saibam disso e não os prestigie devidamente. Por isso, é preciso de uma vez por todas dizer que as execuções covardes produzidas por alguns débeis mentais não têm nada com uma tropa que também foi vítima naqueles anos, também foi ludibriada pela propaganda enganosa, também teve de medir suas palavras porque não sabia quem era informante da temida “comunidade de informações”. Nada justifica a execução de um rebelde, depois de preso. A centenária convenção de Genebra já prevê isso. E todo mundo sabe que o capitão Carlos Lamarca foi executado depois de rendido, já doente e alquebrado, no sertão da Bahia. Isso aconteceu com muitos outros prisioneiros, como Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho. Ou o general Geisel nunca devia ter demitido o general Ednardo Dávila Mello do comandante do II Exército, depois do aparecimento de vítimas mortais das torturas nas suas dependências? E os “desanistiados”? O que lamento, isto sim, é que com essa polêmica, o Ministério da Justiça deixe de responder a suas obrigações com os perseguidos da ditadura, cujos processos estão sempre sujeitos a variadas interpretações. Neste caso, a área militar foi a mais afetada. De um lado, a leitura da Lei 10.559/02 me leva à patética conclusão de que os oficiais perseguidos foram de fato “desanistiados”. Para chegar a essa conclusão, basta considerar a natureza de um ato de anistia. Pelo certo, uma vez anistiado, esses oficiais passariam a integrar o quadro dos oficiais aposentados, sem qualquer diferença dos demais. No entanto, numa concessão aos nostálgicos da ditadura, a Lei abriu espaço para uma espécie de quadro de oficiais de segunda classe, que não gozam dos direitos dos seus semelhantes em várias situações, inclusive da pensão para a viúva. Já os ex-cabos da Aeronáutica experimentaram o amargor do dito pelo não dito. Mais de quinhentos deles, depois de anistiados no governo FHC, com base em parecer incontestável, foram surpreendidos com uma nova interpretação provocada pelo ministro Márcio Thomaz Bastos. E perderam tudo o que já haviam ganho. Aí, não dá para entender mesmo. Todos os ex-cabos foram atingidos pela Portaria 1104, baixada naqueles idos pelo ministro da Aeronáutica. Por esse ato, que se deu à revelia de um decreto presidencial que regulava o engajamento (e que o Exército cumpriu) a permanência de um cabo em serviço ficava a critério do comandante da base onde serviço. Não há como esconder que isso permitiu o mais ostensivo exercício da coação e da injustiça. O cabo que se enquadrasse naquele ambiente discricionário, que fosse do agrado do comando, ficaria. Os outros, seriam automaticamente desengajados. Finalmente, lamento também que os adversários do reparo devido tenham inoculado na opinião pública a idéia de que os anistiados são os novos “marajás”. Por mais de uma vez, a Comissão de Anistia divulgou os números reais das indenizações, que não têm preço, e, no entanto, pessoas de boa fé são enganadas pelos mesmos que querem proteger os torturadores. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 3 de agosto de 2008

A discreta liminar que vai minar o ensino público no Estado do Rio


MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 4 DE AGOSTO DE 2008

Estudantes da UERJ fizeram protesto contra corte no seu orçamento em setembro de 2007. E agora?

“O Estado aplicará, anualmente, nunca menos de 35% (trinta e cinco por cento) da receita de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino público, incluídos os percentuais referentes à UERJ (6%) e à FAPERJ (2%)”.
Constituição do Estado do Rio de Janeiro (artigo 314).

Nada mais espantoso do que o silêncio sepulcral de parlamentares, candidatos, corporações, estudantes e da mídia sobre a mais recente “vitória judicial” de um governador contra o ensino público. Uma “vitória” que, para variar, teve a chancela do ministro Gilmar Mendes, no exercício do seu poder solitário de conceder liminar, esta ferramenta do direito tão vulgarizada em nossos dias que ganhou peso de decisão de mérito e se perpetua ante a aceitação generalizada.
Duvido que você saiba do que estou falando. A rigor, a liminar concedida no dia 17 de julho pelo presidente do Supremo aconteceu na mais cuidadosa discrição, quando ainda a dupla soltura do plutocrata Daniel Valente Dantas cintilava na ordem do dia.
A liminar nesse caso me parece muito mais fora de propósito do que aquela concedida no dia 19 de dezembro por um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que me tirou da Câmara carioca, em benefício do suplente, sempre patrocinado por escritórios de boa parentela.
No caso da decisão do presidente da mais alta corte de Justiça, afirmo sem medo de cometer exageros, que sua decisão foi uma precipitação desnecessária e provavelmente irreversível, com repercussão social muitas vezes maior do que os seus habeas corpus para o banqueiro.
Concedida ainda no plantão, essa liminar chega a ser absurda no meu entendimento: entendimento de quem não chega a ser nem um rábula. Mas que ainda conserva o mínimo de percepção e lucidez, num país domesticado e submetido servilmente a certos dogmas e a certos intocáveis poderes, cada dia mais hipertrofiados e imunes a toda e qualquer cara feia.
Trata-se de uma liminar numa Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada no dia 4 de julho, no rastro de uma mal explicada balbúrdia legal, com a despropositada alegação do “periculum in mora”, isto é “perigo da demora”.
Na sua ADI 4102, o governador Sérgio Cabral FILHO obteve a suspensão dos artigos da Constituição Estadual que obrigam o estado a destinar 6% da receita tributária líquida à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e destinam 35% da receita estadual de impostos, incluída a proveniente de transferências, à manutenção no desenvolvimento do ensino público. Nesses 35% estão incluídos os 6% destinados à UERJ, 2% para a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e 10% para a educação especial.
Data Vênia...
A alegação do “periculum in mora” é descabida. O ministro a endossou, alegando a proximidade do encerramento dos prazos para fechamento das propostas orçamentárias para o ano de 2009 por parte do Poder Executivo. Que eu saiba, em qualquer um dos entes da federação, a Lei Orçamentária só é enviada ao Legislativo no segundo semestre e só é votada no mês de dezembro.
Mais chocante, no meu modesto entender de mero escriba, é o histórico sobre a rejeição do Poder Executivo ao disposto na Constituição Estadual. Tudo que o governador Sérgio Cabral FILHO pediu foi o restabelecimento de uma MEDIDA CAUTELAR, que prevaleceu durante 15 anos, até ser considerada insubsistente em despacho do dia 18 de dezembro de 2007 pelo ministro Celso de Mello, “acolhendo parecer do eminente Procurador Geral da República”, em face da promulgação da Emenda Constitucional que consolidou o teor original da carta.
A decisão do ministro Celso de Mello foi publicada no DJE (Diário da Justiça Eletrônico) em 31 de janeiro de 2008. E não houve a interposição de recurso de nenhuma espécie nos prazos previstos. Logo, DATA VÊNIA, não havia mais o que ser julgado, muito menos o que merecesse o benefício de uma nova liminar.
Na sua argüição perante o ministro Gilmar Mendes, o governador Sérgio Cabral FILHO saiu-se com uma verdadeira pérola do direito: a publicação dessa decisão não foi captada por falha no sistema de acompanhamento de intimações pelo Diário de Justiça eletrônico. ASSIM, A INSUBSISTÊNCIA DA MEDIDA LIMINAR, VIGENTE HÁ MAIS DE 15 ANOS, SOMENTE FOI PERCEBIDA NO FIM DE JUNHO DESTE ANO, NO CURSO DOS TRABALHOS DE REVISÃO DA PROGRAMAÇÃO DO PLANO PLURIANUAL E DA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA DO ESTADO PARA 2009.
Não sei se estou sendo pedante ou se já me faltam alguns neurônios nos meus 65 anos de vida mais do que vivida. Mas estamos diante do caso típico em que “o provisório legal” se torna permanente, morre por perda de objeto e ressuscita pelos super-poderes de uma autoridade do Judiciário que se sobrepõe à Lei, ao código de processo e até ao regimento interno da corte.
Nisso, assombra-me a confissão de desleixo do governador, contornada pela boa vontade do ministro de plantão, deixando-me ainda mais assustado sobre o que considero um abuso de poder. Fosse um simples cidadão que tivesse perdido os prazos, provavelmente estaria sendo exposto ao ridículo ou até mesmo capitulado na figura do litigante de má fé.
Penada na educação
Como não sou do ramo, choca-me ver o direito ser suprimido pela esperteza de advogados ágeis e o descuido de magistrados que decidem sem o indispensável conhecimento da matéria (talvez até pela quantidade de processos à mão).
Meu alarido ecoa mais na denúncia do tratamento de toque de caixa dado à destinação de recursos para a educação e a dispositivos de uma Constituição Estadual a respeito, objetos de longas discussões. Não dar para engolir toda uma salvaguarda constitucional ser detonada por uma simples penada de um ministro de plantão.
Além de lamentar o caráter casuístico da decisão, que expõe a olho nu a insegurança jurídica cultivada em todas as esferas do Judiciário, violenta-me constatar que a incursão judicial extemporânea ocorre como desdobramento de uma política de cortes sistemáticos nos recursos do Estado para a educação.
Tão logo assumiu, em janeiro de 2007, o governador Sérgio Cabral FILHO reduziu em R$ 87 milhões o orçamento de 2007 da Secretaria de Educação. Apesar de ter garantido que a área não seria afetada pelo corte orçamentário anunciado naqueles dias, o setor perdeu 8,7%. O governador Cabral Filho também reduziu a previsão de gastos de todas as universidades estaduais e escolas técnicas, inclusive da Uerj, com a qual se comprometeu, durante a campanha, a rever os cortes feitos pela governadora Rosinha Garotinho.
Diante dessa liminar, imaginaria que haveria uma gritaria, nem que fosse só pontual. No entanto, não me consta que tenha havido alguma mobilização. Será que eu estou procurando chifre em cabeça de burro? Será?
coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

No país das liminares, surgem 7 advogados por hora

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 1 DE AGOSTO DE 2008
“Como é que recrutamos os magistrados no Brasil? O cidadão sai da faculdade de Direito; se foi bom aluno, se foi o gênio da turma com 22 anos de idade, inscreve-se num concurso porque descobriu que não tem vocação para ser advogado, não vai exercer a advocacia no setor público, não vai ser consultor de empresas. Pega, pois os programas do concurso e estuda ininterruptamente. Passa e é nomeado; daí a dois anos, alcança a vitaliciedade”. Ministro Edson Vidigal, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça.
O Brasil forma por dia 174 advogados, ou seja a cada hora saem 7 novos advogados dos fornos das 1038 faculdades de direitos implantadas no Brasil, a maioria a toque de caixa. Por ano, 63.510 bacharéis. Dessas escolas, segundo números de março de 2007, 923 são particulares. Esse milhar corresponde a um aumento astronômico de cursos autorizados: em 1960, o número de faculdades de direito era de 69, com um certo equilíbrio entre públicas e privadas. Estima-se que hoje tenhamos mais de meio milhão de advogados. Isto porque, mesmo com diplomas, a maioria de bacharéis não consegue passar nos exames da OAB. Do contrário, teríamos passado do milhão há muito tempo. No rico Estado de São Paulo (dono da metade da nossa riqueza produzida – PIB de R$ 727 bilhões), o número de reprovados nos exames da Ordem chega a 92,84%. Com 39 milhões 827 mil habitantes, funcionavam em 2007 nada menos de 225 faculdades de direito, 45 a mais do que nos Estados Unidos, que tem uma população de 299 milhões. Por que tantos brasileiros procuram arrancar um diploma de bacharel em direito? Na resposta a esta pergunta está a mais podre balbúrdia institucional do país. Ou seja, em outras palavras, todos sonham em participar do verdadeiro poder, que julga, legisla e até arrecada para um fundo próprio, produzindo violências diárias, acatadas docilmente por uma sociedade desnorteada e submetida ao tacão da mais intocável das ditaduras, a ditadura da toga. Um poder que constrói os prédios mais caros do país, como o do TSE em Brasília, que estava sendo questionado pela mídia e saiu da pauta justo no dia em que a corte eleitoral anunciou a decisão sobre fidelidade partidária. Procedimento emblemático O que venho levantando a respeito desse impenetrável mundo jurídico dá um livro maior do que a enciclopédia britânica. Você dirá que tenho me dedicado a essa obstinada pesquisa porque a liminar de um desembargador, no crepúsculo do ano judicial, garfou o meu mandato de vereador sob o mais inverossímil dos motivos, o de que eu teria renunciado ao mandato antes mesmo de assumi-lo. Você dirá que eu fiquei ainda mais ligado nos escaninhos desse poder hipertrofiado que, no entanto, guarda em suas prateleiras 43 milhões de processos, porque o Tribunal Regional Eleitoral manteve o mandato do suplente que ocupa meu lugar, sob a alegação de justa causa para trocar de partido, alegada no julgamento de 7 de julho, embora nunca, em tempo algum, ele tenha formulado qualquer queixa contra o partido, nem mesmo no documento em que formalizou sua desfiliação do PDT, em 28 de setembro, um mês depois de estar inscrito no PSC e 6 meses além do prazo permitido pela Resolução do TSE. É. Pode ser. E qual é o mal nisso? A gente só fecha as portas depois de arrombadas, é dos nossos hábitos e costumes. Mas se sou jornalista há exatos 47 anos – isso nenhum desembargador poderá cassar nem que a vaca tussa ( ou será que eles podem tudo até me cassarem profissionalmente?). Como sou ainda um jovem de 65 anos tenho muito tempo para frente e, como mandato ou sem mandato legislativo, com jornal ou sem jornal, tenho todo o tempo do mundo para encarar essa barbárie que o brilhante procurador André Luís Alves de Melo, do Ministério Público de Minas Gerais destrinchou, num arrazoado de 5.341 palavras, cognominando-o de “judicialização do Estado brasileiro”. Barbárie que deixa no chinelo a ditadura militar, que me torturou e me manteve no cárcere por um ano e meio, mas que, na hora do julgamento, a 1ª Auditoria de Marinha e depois o Superior Tribunal Militar tiveram a dignidade de me absolver por unanimidade, apesar da catilinária do feroz promotor José Manes Leitão. Prejuízo consciente Ao contrário do que acontece em outros casos e outros órgãos da mídia, tudo o que tenho escrito sobre o comportamento de boa parte do Judiciário só tem trazido prejuízo para o meu processo. Sei disso e pago à vista. O mandado de segurança que ganhou liminar em 19 de dezembro de 2007, com a cassação “automática”, foi declarado extinto pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça em 26 de maio de 2008, com base no voto divergente do desembargador Motta Moraes, o mesmo que foi derrotado no TRE em 7 de julho quando, demonstrando profundo conhecimento dos fatos, relatou pela cassação do suplente e pela restituição do meu mandato. No entanto, decorridos 65 dias, a decisão ainda não foi publicada. Só o desembargador que deu a liminar em 19 de dezembro, levou quase dois meses para liberar o voto vencido. E agora ainda vamos ter que esperar a publicação de uma declaração de outro voto vencido para então ter início o ritual burocrático que levará à publicação de um acórdão que, aliás, ainda não parece claro. Mas o meu sangue latino, minha alma cearense e minha admiração por Maomé, o Alcorão e a Suna me levam a liberar o grito parado no ar com a mesma crença do jovem islâmico que vai ao encontro da morte com a convicção que está ganhando uma confortadora sobrevida eterna. Abstraindo o meu caso, o caso da Varig, que poderia ter sido resolvido se o processo de da defasagem tarifária não tivesse rolasse por 18 anos sem o julgamento final; o caso dos trabalhadores da Bloch, de oito anos ainda, que há pouco tiveram uma decisão de primeira instância reformada na segunda em prejuízo dos seus direitos, há toda uma mazela institucional que precisa ser questionada para que os brasileiros de amanhã não passem pelo mesmo drama. Nesse caso, vale recorrer de novo ao diagnóstico do procurador mineiro: “A judicialização do Estado brasileiro é um fenômeno que diante do contexto mundial atual é inconcebível, pois fórum não produz riqueza, uma nação não pode consumir-se em litígios e a agilização do sistema jurídico ocorreria naturalmente com a criação de períodos fixos para permanência nos cargos de cúpula, assim como já é até nas forças armadas para os generais, o mesmo sistema seria adotado para desembargadores e procuradores de justiça, que seria a aposentadoria compulsória após um período de oito anos no cargo ou retornaria para o cargo de origem, pois em uma democracia não há superioridade definitiva entre membros de uma instituição”. coluna@pedroporfirio.com