segunda-feira, 16 de abril de 2007

Só falta quererem restaurar a escravatura

“Podem me chamar de antiquado, de atrasado, dizer que estou fora do mundo atual. Mas não vou defender reformas que tiram os direitos do trabalhador”. Carlos Lupi, Ministro do Trabalho e presidente do PDT Pelo andar da carruagem, o próximo passo das elites é exigir a restauração da escravatura. Não estou exagerando. Mas a torrente de fúria com que uma certa mídia investiu contra o novo ministro do Trabalho, por ser brizolista e do PDT, demonstra que já há uma conspiração urdida para confiná-lo,acuá-lo e até derrubá-lo, numa ofensiva sem a menor cerimônia. Para justificar a amputação de direitos históricos, manipulam os números de maneira tão indecente que até parece que a nossa mão de obra é a mais cara do mundo. Fazem contas para inglês ver, mas como nosso leitor é descuidado mesmo, é aqui que enganam. Dizem que um trabalhador custa o dobro do salário. E somam tudo, como se todo ano dessem aviso prévio, além de outros enxertos contábeis. E fogem do principal: o Brasil paga um dos mais baixos salários do mundo. Segundo dados recentes, apesar da desvalorização do dólar, ainda estamos na rabeira em matéria de salário-mínimo, junto ali da Serra Leoa e do Haiti. E olha que, para ser justo, o governo Lula tem dado aumentos no piso acima da inflação. Salários mais baixos Já os salários médios, não há comparação. Ganham mal os profissionais qualificados, garis, professores, médicos, funcionários, militares, isso falando apenas de algumas categorias cuja defasagem é mais gritante, em comparação com outros países, inclusive de economias semelhantes às nossas. E quando querem citar exemplos externos, os porta-vozes das elites mentem na maior. Chegam ao cúmulo de dizer que há um verdadeiro regime escravo na China em função dos valores em dólar de uma moeda deliberadamente desvalorizada. E esquecem de dizer que o chinês tem educação de verdade, assistência médica e cuidados sociais do Estado desde o parto e não pode gastar com habitação mais de 10% do salário. Omitem os custos baixos dos alimentos e escondem toda uma atenção ao homem, inclusive aos idosos, sem prejuízo (ou até por isso) do crescimento economia 10% ao ano. Os poderes públicos não se sentem nem um pouco comprometidos com ninguém – cada um que se vire de acordo com suas possibilidades pessoais. E para facilitar o lado dos poderosos, oferece-lhes uma boa massa de desempregados, a tal reserva já prevista por Marx no Século XIX. Nos dias de hoje, aliás, assistimos à curva descendente da remuneração do trabalho. Uma empresa demite um determinado técnico e põe outro em seu lugar, ganhando menos. O demitido vai procurar emprego e já sabe que também vai ter uma menor renda. Dizer que a redução dos direitos trabalhistas será a panacéia para o caos social é uma falácia muito cínica. No entanto, é isso que propalam e repetem como doutores da manipulação dos números. Informais ganham mais Há dois tipos de trabalhadores: os que gozam da proteção da legislação trabalhista e os que vivem na informalidade. A única receita que propõem para estes últimos é o sacrifício dos primeiros, como se, surrupiando os direitos, fossem aparecer 40 milhões de empregos para quem está vivendo “por conta própria”. Ora, quem tem carteira assinada e ganha alguma coisa, se a mulher também trabalha, é obrigado a fazer despesas que não existiam há trinta anos, como pagar escolas particulares em todos os níveis e alimentar caríssimos planos de saúde, contingência decorrente do sucateamento proposital dos serviços públicos que são direitos constitucionais e obrigações do Estado. Como têm o controle da mídia, dizem que só “reduzindo o custo da folha de pagamento” o mercado poderá absorver quem não tem carteira assinada. Só não dizem que quem está vivendo como camelô, por exemplo, ganha o triplo do que ganharia batendo o cartão numa empresa, conforme seu nível de instrução. Se o governo quiser encarar a situação dos informais, não precisa fazer mais do que reconhecer a condição de autônomos, estabelecendo uma alíquota previdenciária compatível. Da mesma forma, como os municípios adotam tabelas de ISS para profissionais liberais, poderia estabelecer algum tributo segundo as leis de micro-empresas já em vigor. Quando Carlos Lupi foi ser Ministro do Trabalho, o presidente da República sabia muito bem que suas convicções não resultam de encenações eleitoreiras. Os trabalhistas demonstraram que o país só tem a crescer com o fortalecimento do trabalhador desde o tempo de Getúlio Vargas, do governo JK (de que participaram) e de João Goulart. O grande problema é a influência dos formadores de opinião, jornalistas ou não, acordes com as distorções econômicas, em função das quais o sistema financeiro dá as cartas e espolia a atividade produtiva. Se o governo quiser enfrentar a questão social, não vai ser nivelando por baixo que responderá aos desafios de uma sociedade que precisa crescer. Ao contrário, não há maior alimentador da economia do que uma massa assalariada com remuneração que permita viver sua condição de consumidor sem pôr a forca no pescoço. Disso sabem muito bem os economistas decentes e o próprio PT. Antes de Lupi, passaram pelo Ministério do Trabalho os petistas Jacques Wagner, Ricardo Berzoine e Luiz Marinho. O primeiro ainda quis pôr a mão numa grande ferida, mas foi convencido a não mexer no vespeiro. Ele chegou a questionar o sistema de terceirização de mão de obra através de “cooperativas” que operam a burla dos direitos trabalhistas, transformando cada trabalhador em “cooperado”, portanto sem direito a férias, décimo - terceiro e indenizações. Essa praga se espalhou rapidamente e hoje até os poderes públicos trabalham com tais “cooperativas”, que já são na prática o retrato sem retoque da “reforma trabalhista” cobrada pelas elites. De onde se pode inferir que o que se pretende mesmo é legitimar uma espécie de “trabalho escravo do Século XXI”, coisa que, se instalada, jamais poderá ter a chancela de um brizolista. coluna@pedroporfirio.com