domingo, 30 de dezembro de 2007

A decepção do filho, que deu adeus ao curso de Direito


“Pouco importa seja o poder exercido por um, por alguns ou por muitos. Quem o detém tende a dele abusar. O poder vai até onde encontra os seus limites. Para que os seus titulares não possam abusar dele, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Esse é o ensinamento de Montesquieu”
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, ex-presidente do STJ.


Quando meu filho de 19 anos me comunicou a decisão de abandonar o curso de Direito, ao concluir o primeiro período, uma serena tristeza invadiu-me a alma, entrecortada por um melancólico sentimento de culpa.
A notícia me foi dada já no crepúsculo do dia. Escurecia e não havia uma única estrela no céu. Antes, nuvens carregadas aproximavam-se do maciço da Tijuca, alvo instintivo do meu olhar. Logo em seguida, como soe acontecer aqui no sopé da serra dos Três Rios, a luz se foi e ficamos às escuras.
Tudo parecia anunciar um mau presságio. Fazia alguns dias, passara o 4 de dezembro, uma data emblemática para mim: em 1950, quando ainda tinha 7 anos, perdi meu pai no mesmo dia em que o irmão, promotor de Justiça, aniversariava. O irmão, para minha alegria, completou seus 91 anos neste 2007, em meio ao respeito de quantos sabem de sua personalidade incorruptível. Mas a morte do pai, depois de uma enfermidade cruel, naquela primeira segunda-feira de um dezembro estéril, eu jamais consegui esquecer.
As náuseas do ofício
Ao dar um passo atrás, meu filho abriu mão de dois anos de vida acadêmica e terá de repetir o percurso para acessar novamente o curso de Comunicação Social da PUC, para o qual havia sido aprovado, simultaneamente com a classificação para a Faculdade Evandro Lins e Silva, do IBMEC, que preferiu pela garantia de um “emprego seguro” ao receber o canudo.
Lembrei-me do que escrevi sobre suas primeiras impressões quando se iniciava na vida acadêmica. Naquela última segunda-feira de agosto, ponderei: “Preocupo-me por ele e por sua geração, pelos jovens que precisam ter a máxima certeza da seriedade das instituições. E, dentre elas, o Poder Judiciário, a última cidadela num regime constitucional. A Justiça não pode sucumbir. Se a minam ou se ela se golpeia, leva de roldão todo o estado de direito”.
Por minha filosofia de vida, não me pus em confronto com a decisão do filho. Mas pelo meu cérebro vulcânico todas as hipóteses passaram numa torrente de imagens e visões dramáticas. Por que essa drástica mudança de rumo num país em que não se pode perder um dia ante a escassez das oportunidades?
O mais grave em tudo isso é a crença de que pode ter influenciado no seu sacrifício juvenil, ainda que inconscientemente, a sucessão de absurdos e iniqüidades que permeiam a grotesca intervenção de magistrados da Justiça Comum ( e não a Eleitoral) ao decidirem sobre a expropriação do mandato que me foi conferido pelo povo.
Meu filho disse simplesmente que não se viu motivado para a advocacia, até porque ganhar dinheiro não é sua prioridade de vida. Ele também se convenceu que erramos quando abrimos mão de um vestibular numa faculdade pública por um certo escrúpulo, considerando que podemos pagar uma particular e muitos que não podem pagar são alijadas de ambas. Essa reflexão ele passou a fazer depois da divulgação dos exames da OAB-RJ.
Mas, vivenciando esse histórico perverso e inexplicável, onde constituições, leis, códigos e direitos elementares são atropelados em sede liminar pelo duvidosa ilação da “fumaça do bom direito”, não me surpreenderá se tais violações, infectadas da mais horripilante hipocrisia, tenham inoculado nos recônditos do seu cérebro as náuseas que sua primeira experiência universitária lhe causaram.
Sabendo de minha própria história e dos seus irmãos mais velhos – sacrificados e humilhados quando permaneci dois anos nos cárceres da ditadura, mas vitoriosos e senhores dos seus destinos – ele não vai se abater, é claro. Ainda está em tempo de buscar aquilo em que possa acreditar para prover seu sustento com o mínimo de prazer e dignidade.
Assim também, não vão ser essas liminares exóticas e insustentáveis à luz do dia, nem a desatenção de plantonistas premidos pelo volume de processos, que me prostrarão diante de abomináveis “fatos consumados”.
A nossa Justiça
Mais do que o meu mandato legítimo, honrado, honesto, coerente, ético, inatacável, está em jogo a própria preservação do respeito a um Poder Judiciário que custa aos contribuintes 5% do PIB brasileiro, mais do que os 4,2% da educação.
Quando um magistrado se excede em suas prerrogativas, acolhendo a alegação absurda de que um candidato teria renunciado a algo que AINDA IA DISPUTAR, QUE AINDA NÃO POSSUÍA, quem passa a assustar é toda a magistratura, pois como dizia o barão de Montesquieu, mestre de todos os mestres, “a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
A Justiça é a pedra angular que pode ser o bem e o mal de um país onde quase ninguém preza seus direitos, até por desconhecê-los, algo que, contamina seu próprio corpo, formado por mais de 500 mil advogados, 13 mil juízes de carreira, 8.900 promotores e procuradores de Justiça, sem falar nos juízes leigos, nos defensores públicos e nos milhares de sacrificados serventuários.
O poder decisório dessa Justiça está exposto ao vírus da ambição pessoal, diagnosticado de quando em vez, e à sofreguidão compensatória, em face da abundância de leis embaralhadas e conflituosas, além do precário ambiente acadêmico, marcado pelas reprovações nos exames da OAB, como aconteceu no último aqui no Rio, em que duas faculdades privadas não conseguiram aprovar sequer um único bacharel.
Em nosso país, como todo agrupamento, o Poder Judiciário é um universo tão plural e contraditório que abriga homens de bem, virtuosos, competentes, abnegados, ao lado de alguns despossuídos de caráter e de formação jurídica, o que submete os cidadãos uma espécie de “roleta russa”.
Pela fatalidade da última palavra, o poder de Justiça no Brasil, além de um exercício teleológico, produz uma contundente tentação do caráter: como é lugar comum, decisões judiciais, por mais liminares ou extravagantes que possam ser, são cumpridas ao pé da letra.
Sei que tudo que eu disser aqui poderá ser usado contra mim para manter um ato absurdo, que suprime sem constrangimento regras que qualquer rábula sabe de có e salteado. Mas o que me cabe fazer, se a grande mídia silencia diante da cassação canhestra de um mandato legítimo, até por seu ineditismo?
O “fumus boni iuris” que baliza tantas e tão precipitadas decisões não pode ser uma ferramenta letal, nem virar uma hidra que faz do regime de direito um anencéfalo sem pé e sem cabeça.
A crônica de nossos dias é de tensão e desconfiança nas instituições e isso afeta mortalmente o animus de um povo já fragilizado por um ambiente de generalizada insegurança, em todos os campos do seu cotidiano.
O que compensa, por ora, é saber que há magistrados vocacionados, que têm refletido com responsabilidade sobre o peso de seus poderes. Esses são verdadeiros expoentes de um pensamento conseqüente e intimoratos na busca de respostas justas para além da blindagem que lhes protege.
É a eles que estou me dirigindo, junto com o lamento íntimo pela decepção do meu filho.
coluna@pedroporfirio.com

PARA ENTENDER O ESBULHO: Primeiro suplente do PDT, assumi em fevereiro, depois de uma consulta formal da Câmara Municipal ao TRE, pressionada pelo segundo suplente, que não aceitara uma decisão do juiz titular da 2ª Zona Eleitoral, em 2005, assegurando minha posição na lista de suplentes. O plenário do Tribunal aprovou por 4 a 1 o relatório do relator Márcio André Mendes Costa, que respeita a Lei Orgânica do Município. Ainda que eu tivesse renunciado perante o partido – o que não era verdade –a renúncia só é válida perante a casa legislativa.
No dia da minha posse, p segundo suplente entrou com um mandato de segurança contra a Câmara na 6ª Vara da Fazenda Pública. A juíza Vanessa Cavalieri negou provimento, alegando que a Justiça Comum era incompetente para tratar da matéria, prerrogativa da Justiça Eleitoral. No mesmo dia, porém, esse segundo suplente obteve do desembargador de plantão, Ismênio Pereira da Costa, o acolhimento a um agravo, como qual fui “cassado” no dia seguinte.
Na 20ª Câmara Cívil, o relator de então, desembargador Camilo Ribeiro Rulieri, então desembargador itinerante, tornou a liminar sem efeito, 27 dias depois, com base nos artigos 557, parágrafo l°-A e artigo 527 do Código do Processo Civil, porque “a matéria não foi enfrentada em primerio grau”.
Na primeira instância, o mandado de segurança foi julgado em 28 de setembro, com sentença proferida pela juíza Jacqueline Montenegro, que negou provimento e depois rejeitou seu embargo de declaração. Nesse mesmo dia, o segundo suplente foi VOLUNTARIAMENTE ao PDT e requereu sua desfiliação, indo agregar-se ao PSC, partido pelo qual pretende ser candidato em 2008.

Havia em pauta para o dia 3 de outubro, na 20ª Câmara Civil um agravo, que teria sido prejudicado pela promulgação da sentença. A desembargadora Letícia Sardas entendeu que poderia conceder o agravo e o fez, com os votos de outros dois colegas. Duas desembargadoras já haviam se consideradas impedidas no processo. Odete Knaack de Souza, que ficou como relatora, requereu seu afastamento depois que o advogado do segundo suplente formulou petição nesse sentido durante suas férias. E A desembargadora Conceição Aparecida Mousnier Teixeira de Guimarães Pena também se considerou impedida ao ser sorteada para substituí-la.
No mesmo dia 3 de outubro, o STF decidiu que o mandato pertencia ao partido e fixou a data de 27 de março de 2007 para definir quem poderia perder o mandato. O segundo suplente deixou o PDT pela segunda vez em 28 de setembro de 2007. Informada formalmente, a desembargadora Letícia Sardas suspendeu a execução do acórdão, enquanto os advogados Siqueira Castro e Adriana Conrado Zamponi entravam com embargos declaração, seguidos pelo procurador da Câmara, Flávio Brito.
No dia 12 de dezembro, o segundo suplente, já filiado a outro partido, o PSC, entrou com mandado de segurança, que foi deferido, em caráter liminar, pelo desembargador Nascimento Póvoa, no dia 19, às vésperas do recesso do Judiciário. No recesso, tanto meus advogados como o PDT entraram com embargos, que foram negados, Num deles, a desembargadora de plantão afirmou que a Câmara estava em recesso, o que não era verdade.
O que vai acontecer agora, os advogados estão estudando। De qualquer forma, o PDT já entrou no TRE com o pedido de cassação do segundo suplente, já que o mandato lhe pertence por decisão do STF e o beneficiário da liminar foi para outro partido no final de setembro.
Cassado por liminar, nada mais
perverso e anti-democrático

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 26 DE DEZEMBRO DE २००७

O crime de Pedro Porfírio? Escrever nesta TRIBUNA, que eles nãopodem submeter. Não podendo submeter, perseguem".
Helio Fernandes


No outono de 1925, Max Brod publicou uma das mais profundas e inquietantes peças literárias - "O processo", do seu amigo Franz Kafka, um escritor tcheco que morrera um ano antes num sanatório de Viena, pedindo que todas as suas obras fossem destruídas.
Editado num momento de grande efervescência cultural, logo depois do manifesto surrealista de André Breton, "O processo" entrou de imediato para o catálogo da literatura do absurdo. Tratando da saga de Joseph K. para descobrir por que havia sido detido e estava sendo processado, a obra de Kafka ganharia as telas em 1962, pelas mãos de Orson Welles, um dos monstros sagrados de Hollywood, revelando Anthony Perkins num desempenho fenomenal.
Há centenas de livros e filmes sobre o vilipêndio do direito em todos os tempos. Não sei se nossos magistrados, assoberbados com grandes números de processos, muitos fora de suas áreas, tiveram tempo de ler ou de pelo menos refletir sobre a verdadeira tragédia institucional que avassala o País, naquilo que seria a pedra angular da democracia: a garantia constitucional. Já eu não faço outra coisa a não ser estudar todo esse estranho universo que guarda semelhanças com o personagem de Kafka.
É claro que meu interesse nessas pesquisas decorre de fatos que me afetam e que afetam a algumas categorias, como os profissionais da Varig e beneficiários do Aerus, cujos direitos trabalhistas e previdenciários foram engolfados pela superposição da nova Lei de Recuperação de Empresas, e tratados por uma Vara Empresarial que lhes negou tudo e mais alguma coisa.
Um capítulo melancólico
No meu caso, não há precedentes. O que seria matéria da Justiça Eleitoral, como se pronunciou originalmente a juíza Vanessa Cavalieri, da 6ª Vara da Fazenda Pública, foi para o âmbito da Justiça Comum, que sequer considerou a decisão do Plenário do TRE do Estado do Rio, aprovada por 4 votos a 1 em janeiro deste ano, reafirmando o fórum para eventual renúncia de um parlamentar: ela deve ser formulada do próprio punho perante a Casa Legislativa, como consta em todas as constituições.
Independente do que venha acontecer, essa novela sobre o meu mandato vai acabar entrando para a história do Judiciário como um dos seus capítulos mais melancólicos e assustadores. Porque ela parte de uma premissa absolutamente falsa e insustentável: a de que em 2004 eu teria renunciado ao mandato que ainda ia disputar e para o qual sequer fui eleito, ficando como primeiro suplente.
O conjunto de documentos e informações sobre as duas CASSAÇÕES de que fui vítima, por descuidadas medidas liminares, dá um livro. Nesses 11 meses, tenho sido protagonista e testemunha de situações absolutamente inacreditáveis, adotadas por magistrados de tais poderes que nos levam a ter uma compreensão mais indulgente de muitas das práticas da ditadura.
Quando você está na fogueira, o exercício de opinar é constrangedor. Se você considera uma decisão correta, isso pode ser usado para tudo, até para incrementar ciúmes. Criticar então, seus próprios advogados desaconselham.
Há situações absolutamente mortais, como o caso da Varig: o seu processo para rever perdas decorrentes de políticas tarifárias percorre os escaninhos do Judiciário há mais de 15 anos. Se ele tivesse sido julgado em tempo hábil, a empresa não teria se afundado na crise que levou ao desespero mais de dez mil famílias.
Não sei o que pensa um só magistrado - imagine esse universo de 13 mil detentores de inesgotáveis fontes de poder, protegidos pelo art. 95 da Constituição Federal, que lhes assegura vitaliciedade e inamovibilidade.
Perversidade banalizada
Isso me força a escrever com toda a cautela. Uma observação poderá ser usada contra o meu direito ao exercício de um mandato parlamentar, cujo tratamento perverso já se banalizou, configurando um estado de ostensiva insegurança jurídica e uma pressão psicológica que afeta inevitavelmente minha saúde, considerando que sou um homem de quase 65 anos, hipertenso e com um passado de deplorável violação dos meus direitos políticos e da minha liberdade.
Hoje, quando um amigo me telefona, sua primeira pergunta é: você continua vereador ou já foi cassado por outra liminar? Sim, porque quando eu cheguei a festejar uma sentença, pronunciada em 28 de setembro pela juíza Jacqueline Montenegro, cinco dias depois uma Câmara Civil concedia ao segundo suplente um agravo, algo que, pela interpretação do Código de Processo Civil, teria perdido o objeto.
Essa leitura foi também do suplente, que no mesmo dia se dirigiu ao PDT e requereu sua desfiliação para agregar-se a outra legenda (que eu saiba, em seis anos, ele já foi do PSDB, PFL, PT do B, PDT, PHS e agora está no PSC). Com essa atitude absolutamente espontânea, seu pleito PERDEU O OBJETO, como dirá qualquer juiz.
Esse foi igualmente o sereno entendimento da desembargadora Letícia Sardas, que teve a dignidade de rever seu voto e suspender o acórdão, dando efeitos infringentes aos embargos de declaração formulados pelos advogados Siqueira Castro e Adriana Conrado Zamponi, bem como pelo procurador da Câmara, Flávio Brito.
Eu jamais poderia imaginar que um novo desembargador entrasse no caso, e, nas vésperas do recesso forense, concedesse uma nova liminar, na contramão do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com sua medida, ele tirou o mandato do PDT e passou para o PSC, uma negação da jurisprudência da fidelidade partidária.
Por que isso? Eu jamais renunciei ao mandato, muito menos quando não o detinha. Admitir que eu tenha feito isso não é questão de hermenêutica - é ultrapassar a fronteira da serenidade. A própria Assessoria Jurídica do PDT, que entrou no processo como minha assistente, reconheceu que a declaração apresentada, com data de 2004, é um documento obrigatório para qualquer candidato. Logo, sem efeito jurídico nenhum. E foi assinado inclusive pelo beneficiário da nova liminar, com firma reconhecida e tudo.
Bem, se ao menos um magistrado tomar conhecimento deste depoimento, eu já me dou por satisfeito. Independente disso, voltarei ao assunto porque devo essa informação também a você.
coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A greve de fome de um contra a sede crônica de 12 milhões

Piso em ovos quando meto o meu bedelho em polêmicas já polarizadas e dominadas por paixões, premidas por emoções e truncadas pela intransigência. Sinto-me compelido ao exercício da habilidade e da argúcia para não chocar, nem ferir suscetibilidades. Porque aprendi ao longo de tantas linhas percorridas que o uso das palavras é uma arte marcial. Todo cuidado é pouco ao tratar de temas que estão à flor da pele - reconheço. Mas também não nasci com a síndrome do avestruz, que prefere enterrar a cabeça a exercitar o seu olhar crítico sobre esse confuso panorama. Feito tal preâmbulo com toda ênfase, gostaria de manifestar-me com o devido o respeito e o espírito de tolerância sobre a atitude de um bispo que está expondo sua vida numa greve de fome por discordar do projeto da transferência de 60 metros cúbicos por segundo de água do velho Chico para áreas castigadas pelas secas, onde vivem mais de 12 milhões de nordestinos nos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. E antes de comentar o fato em si, eu lhe pergunto: e se outro brasileiro, clérigo ou não, decidisse fazer uma greve de fome para garantir a realização do projeto de transposição, qual vida deveria ser preservada? Qualquer um pode fazer greve de fome. Eu mesmo participei de uma, que durou 11 dias, no presídio naval da Ilha das Cobras, quando a ditadura nos trancafiou na quinta prisão, a mesma cela úmida, cavada numa pedra, onde um dia Tiradentes sofreu as mesmas agruras. Naquele verão de 1969, brigávamos por direitos elementares, como receber visitas, banho de sol e ter acesso a informações. Era algo que nos dizia respeito exclusivamente e dependia tão-somente que a Justiça Militar ordenasse tais providências, o que felizmente aconteceu. Em busca da cruz Hoje temos um país de 180 milhões submetidos a um gesto insensato e pessoal de quem busca espontaneamente a sua própria cruz. Já não se discute o projeto e sua repercussão, mas se o governo deve desistir de uma obra gigantesca para evitar a morte de um bispo da santa Igreja Católica, Apostólica e Romana. Ninguém quer que o obstinado sacerdote morra. Mas terá autoridade um governo que pára uma obra de 5 bilhões de dólares para impedir um ato de sacrifício individual, seja de quem for? Será que o bispo ainda acredita na tutela da Igreja sobre um estado laico? Será esse o grande argumento para sustentar uma tese num ambiente em que, apesar das controvérsias, não se pode mais empurrar com a barriga uma tragédia secular? Você dirá que há outras alternativas, mas já procurou saber se realmente dá para resolver o problema com cacimbas em áreas onde a água some até no fundo do poço? Vejo esse episódio sob três aspectos: 1. Um ato supostamente heróico, que reflete uma atração pelo trágico de alguém que se propõe a entrar para a história como o mártir por decisão própria, no que mistura lendas, dogmas, megalomanias, desapreço pela própria vida, messianismos e uma boa dose de histrionismo. É claro que ele próprio tem suas razões existenciais para optar pelo sacrifício individual sob a influência de uma certa leitura da teologia, que guarda semelhança com os monges budistas que atearam fogo às vestes na guerra do Vietnã e até mesmo, ainda que ressalvadas as diferenças do "modus faciendi", com os muçulmanos que explodem seus corpos na interpretação ortodoxa de sua "guerra santa". No caso, o bispo não recorre ao jejum sequer para garantir a salvação da lavoura. E, consciente ou não, acaba sendo usado pelos grandes fazendeiros e exportadores que "privatizaram" os mananciais do velho Chico e não querem nem mesmo o aumento do cultivo às suas margens para preservar seus oligopólios. Hoje, apenas 25% de seu entorno são cultivados. 2. Uma irresponsável manipulação política de quem deseja um cadáver para jogar contra um governo que pode ser censurado por muita coisa, menos por um projeto que beneficiará a 12 milhões de brasileiros, segundo estudos fartos e antigas idéias. Estas remontam o dia em que, em 1847, Marco Antônio Macedo, deputado provincial cearense, propôs a Dom Pedro II a ligação do São Francisco com o Riacho dos Porcos, um afluente do Jaguaribe, o maior rio seco do mundo, sugestão acatada pelo imperador, que encarregou os engenheiros Henrique G.F. Halfeld e Emanoel Lias de fazerem os primeiros levantamentos sobre o rio. Propriedade privada Eu não chegaria a afirmar isso com tanta crueza, mas parece que tem gente torcendo para que haja um desenlace fatal para, com ele, enterrar na mesma sepultura "a referência política de Lula e do Partido dos Trabalhadores na história dos movimentos sociais do Brasil", como espera Paulo Maldos, assessor do Conselho Missionário Indigenista. 3. Mais uma demonstração de que o povo precisa realmente vacinar-se contra a doença aguda da desinformação e da mistificação, que grassam como uma praga entre nós. Infelizmente, muitos pegam o bonde andando e tomam partido sem procurar conhecer toda a verdade, sem ouvir todos os atores do conflito. O São Francisco não é propriedade privada de ninguém - é por natureza um rio de integração nacional, que joga no mar a cada segundo 3.850 m3 de água, o que, como disse o engenheiro Paulo Canedo, da UFRJ, tornará absolutamente irrelevante os 60 m3 por segundo que servirão para matar a sede de milhões de nordestinos. Pouco se fala, mas eu, que nasci na roça e conheço a cabeça dos fazendeiros, nunca vi raça tão mesquinha. E vou mais além: desafio os que dizem que a transposição não vai beneficiar os camponeses do Nordeste setentrional a mostrarem entre os monopolistas do grande rio as roças de pequenos lavradores beneficiados por limitada irrigação. Minha esperança é que, agora que o STF bateu o martelo, a idéia de uma postura afirmativa e sem traumas possa descer sobre os mais próximos do bispo católico e seus afoitos incentivadores, até porque, como no texto de Brecht, infeliz é a nação que precisa de heróis. Da mesma forma, desejo que se contenham os que querem se aproveitar do episódio para alvejar quem pode ser questionado por certas políticas, mas com a serenidade que o País exige. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 16 de dezembro de 2007

O PULO DO GATO NO BEM ENSAIADO JOGO DE APARÊNCIAS

"O governo perde 40 bilhões de reais da arrecadação da CPMF, mas cortará pelo menos 80 bilhões a pretexto daquela redução. Nada mais neoliberal do que a derrota no Senado".
Carlos Chagas, TRIBUNA DA IMPRENSA de 15.12.2007






Arthur Virgílio comandou a prorrogação da CPMF para FHC, em 2002। Agora, apareceu como seu grande adversário e ainda passou um pito no senador Pedro Simon
Quando ainda saboreava o espetáculo no Senado em que roubou a cena de todo mundo, inclusive do astro Pedro Simon, o tucano Arthur Virgílio desapontou seus fãs ao se dizer disposto a aprovar uma nova CPMF quando o carnaval passar।

A moçada que queria ver o Lula amargar um perrengue ficou sem entender bulufas. Afinal, depois de tanta verborragia transmitida ao vivo e a cores, de tanto histrionismo em nome do pão nosso de cada dia, por que esse estraga prazer?
Ora, como tenho insistido, você está sendo tratado como idiota - e aceita mansamente - pelos protagonistas dos poderes e pelos vendedores de informações. O que lamento profundamente é que você também seja um incorrigível desmemoriado. E tenha uma doentia propensão para o "me engana que eu gosto".
Não faz muito, em março de 2002, foi o mesmo Virgílio quem comandou a prorrogação da CPMF, em nome de FHC, na função de secretário-geral da Presidência da República. No limiar daquele outono, ele se excedeu. Bateu de porta em porta para abreviar os prazos, com medo do interregno que poderia livrar o contribuinte do desconto por 90 dias:"Temos de negociar com o PFL até a exaustão, para tentar ganhar tempo, porque infelizmente não podemos mudar a data da Semana Santa". - disse, nervoso.
Quatro cesarianas
Em matéria de prorrogação, a CPMF já passou por quatro cesarianas. No governo Lula, foi prorrogada sem grandes transtornos, em 2004. Pior foi em 1999, em pleno sultanato tucano, quando passou de 0,20% para 0,38% sob o pretexto de juntar uns cobres também para a Previdência Social.
Não me entenda mal. Só estou querendo dizer que não há maior vexame para todos do que ser a favor de um imposto quando governa e contra, quando cai do cavalo. É o caso do senador Álvaro Dias, tucano do Paraná, que votou pela prorrogação com FHC em 2002 (quando foi candidato a governador pelo PDT) e mudou de idéia nas votações de 2004 e 2007.
Nesse caso, muitos senadores mostraram que ou são broncos com neurônios escassos ou são sabidos mais da conta. Os que votaram contra não se acanharam em servir de bandeja, por 60 a 18, o desvio das receitas constitucionais, com a prorrogação da DRU - Desvinculação dos Recursos da União - até 2011.
Como a votação ainda está nas páginas e nas telinhas, você deve lembrar muito bem que a CPMF teve 45 votos a favor, quando o governo precisava de 49 e que sete senadores da base governista negaram-lhe fogo (seis votaram não e um faltou). Fora Jarbas Vasconcelos, por amarguras regionais, os outros devidamente cobrados ou compensados, diriam sim, como, aliás, alguns já fizeram em votações anteriores.
Um deles, Expedito Gonçalves Ferreira Junior, eleito por Rondônia com 267.728 pela coligação PPS / PFL, trocados pelo PR, queixou-se de que o governo desprezou os aliados e foi negociar com os adversários. "Desprestigiado", votou contra.
Por que o governo lhe negou "carinho" se ele podia ser ganho no barato? Essa é a charada. Nesse cenário de repetidas pantomimas, quem tem um neurônio é rei. Manipular é moleza. Caem na mesma tocaia políticos insaciáveis, jornalistas induzidos e cidadãos mal-informados.
Você vai dizer: o Lula suou a camisa para conseguir a aprovação. Será que ele queria mesmo destinar todo o dinheiro da CPMF para a saúde, como ofereceu no último lance? E será que essa bolada iria só para a saúde pública?
A CPMF era prorrogada sem traumas, apesar de algumas encenações. O bicho só começou a pegar quando, no final de 2000, o governo decidiu permitir o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes.
A festa dos banqueiros
Já a DRU passou cheia de si e sem faniquitos. Políticos e imprensa não calaram por acaso. A encomenda era focar o "imposto dedo-duro", que pode ser trocado no "sapatinho" por outras fontes na química da tecnocracia. Ou prestar-se a um arrocho, ou servir para mostrar a "insensibilidade social" da casa, já mal na fita pela dupla absolvição do colega alagoano.
A DRU é um cheque em branco, no qual o Executivo passa a mão em 20% de todas as receitas da União e joga onde quiser. Na prática, desde os tempos de FHC, esse dinheiro faz a alegria dos banqueiros, para os quais produzem um "superávit primário" e drenam o dinheiro público, a título do pagamento de uma dívida que cada vez aumenta mais. Isso, tucanos e papagaios sacramentaram, enquanto você festejava o fim (TEMPORÁRIO) da CPMF.
Resultado: como demonstrou o economista Paulo Passarinho, "nos primeiros quatro anos do atual governo - de 2003 a 2006 - os números da execução orçamentária indicam que na área da Assistência Social foram gastos R$ 59,6 bilhões; na Saúde, R$ 136,3 bilhões; na Educação, R$ 62,2 bilhões; na Segurança Pública, R$ 11,6 bilhões; na rubrica da Organização Agrária, R$ 11,8 bilhões; e no PAGAMENTO DE DESPESAS COM JUROS O VALOR É ASSUSTADOR: R$ 594,2 BILHÕES!"
Apesar desses desembolsos generosos, a dívida em títulos públicos em poder do mercado saltou de R$ 62 bilhões em 1995, quando FHC debutou na presidência, para R$ 1,1 trilhão em 2007.
Não foi por acaso que o líder do governo pediu e obteve a votação em separado das duas matérias. Por baixo do pano, rolou um tremendo conchavo. Só não viu quem dormiu no ponto. Se mantivessem a votação casada, como aconteceu na Câmara Federal, os senadores ficariam numa incômoda saia justa com banqueiros, que estão de malas cheias.
Esse acordo, que consagrou um bem ensaiado jogo de aparências, passou pelo "nada consta" que livrou a cara do colecionador das folhas corridas dos colegas, e pela eleição do insípido, inodoro e permeável Garibaldi Alves para a Presidência do Senado.
Depois deste verão ensolarado, a conversa será outra, até porque os governadores e prefeitos também perderão uma graninha sem a CPMF. Mais uma vez, você levará uma rasteira, devidamente dourada quando a jiripoca piar.
Enquanto isso, o governo ganhou um disco de ouro para apresentar polidas desculpas se o Temporão ficar de mãos atadas numa área em que um país sem grana como Cuba apresenta índices invejáveis, graças a seu modelo que trata do cidadão antes de adoecer. Modelo que não pega bem num regime em que 37 milhões de brasileiros morrem numa grana para os planos privados de saúde.
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sexta-feira, 23 de novembro de 2007

A AMÉRICA LATINA SOMOS NÓS (OU SÓ UNIDOS VENCEREMOS)




MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 23 DE NOVEMBRO DE 2007



Chavez com Álvaro Uribe, da Colômbia, Evo Morales, da Bolívia, e Alan Garcia, do Peru. Posições diferentes, mas convergentes na colaboração entre países da América Latina.





"É preciso transformar, por determinado tempo, nações como a Bolívia em uma espécie de protetorado." (General Hugo Bethlen, no "Jornal do Brasil" de 21/06/71, citado no livro "Bolívia, com a pólvora na boca", de Júlio José Chiavenatto)
Como eu, imagino que você assina TV a cabo. Morando detrás da serra dos Três Rios, não tenho outra alternativa, a não ser a parabólica, que utilizo especialmente para sintonizar a TV Diário, do meu querido Ceará.
Na NET, escolhi o pacote "digital", com o maior número possível de opções. Nem sei quantos canais são, mas não são poucos. Há de tudo para ver, mas não existe uma só estação de TV da América Latina. Nem a mexicana, que já fez parte da grade num passado remoto.
Por quê? Será que não há nenhuma televisão nos 25 países do nosso continente que possa ser captada aqui, no Brasil? Claro que há. Mas os cérebros que controlam as emissões de informações eletrônicas, pelos jornais ou pelo entretenimento, jogam pesado.
Tratam-nos, nesse campo, como colônias culturais dos Estados Unidos, que preenchem mais de 90% das grades, com canais que mostram de tudo e são responsáveis pela maior soma de tiros disparados num só dia, de tramas sórdidas, traições, trapaças, assassinatos ou da propagação do modo de vida insosso dos norte-americanos.
E por que não incluem canais dos países vizinhos? Você pensa que é por acaso? Claro que não, repito. Essa decisão está relacionada com a estratégia da potência do norte de manter a América Latina "longe da América Latina".
Conflitos fabricados
Eis a questão. Se tomarmos outros exemplos, vamos nos deparar com um jogo de intrigas e manipulações voltadas exclusivamente para manter vizinhos cada vez mais distantes, uns dos outros; cada vez mais desconfiados, cada vez mais hostis. Se possível, em conflito.
No passado recente, os generais Golbery Couto e Silva (o grande articulador do golpe de 64) e seu discípulo Meira Mattos desenvolveram uma "geopolítica" que nos colocava diante da possibilidade de guerra com a Argentina e outros países próximos.
Então, grassava a idéia de que para se tornar uma potência regional o Brasil precisava manter uma hegemonia militar na América do Sul ou, como escreveu o professor André Santos da Rocha: para os dois militares "o Brasil deveria pensar numa articulação político-territorial sobre o "`eartland sul-americano', que estava baseada nas idéias de Halford Makinder sobre a teoria do `Heartland'- área central.
Segundo Makinder, quem dominasse a área central possuiria grandes possibilidades de reger o poder regional/mundial". Esse pensamento tinha a ver com as guerras do passado, que foram adredemente alimentadas pelas potências estrangeiras e pela indústria bélica. Enquanto nos preocupávamos com as "ameaças" dos vizinhos, iamos nos transformando em satélites dos EUA. Nós e nossos vizinhos, compelidos por uma nefasta intermediação que faz com que nosso comércio regional seja expresso em dólares norte-americanos.
Com o aparecimento de ditaduras militares em vários países da América do Sul, estabeleceu-se uma colaboração tática, baseada no que havia de comum entre tais regimes: ampla rejeição popular e uso abusivo das forças repressivas. Como esses regimes se exauriram em face dos monstros que criaram, tornando a governabilidade produtiva algo só possível com a manipulação das esperanças dos cidadãos numa sociedade aberta e democrática, uma nova página se abriu na América Latina.
Civis servis e os rebeldes
A partir de 1982, o banqueiro David Rockfeller assumiu a liderança de uma estrutura destinada a substituir e enfraquecer as Forças Armadas, com o aproveitamento de lideranças civis cooptáveis e mais maleáveis no desempenho da função de prepostos do sistema internacional. Foi então que nasceu a ONG Diálogo Interamericano.
A idéia era formatar uma nova relação econômica, dentro do espírito da globalização, em que os blocos regionais seriam apêndices de Washington. O próprio Mercosul foi estimulado como uma aliança restrita a quatro países, pelo governo norte-americano, que concebia a possibilidade de subempreitar entre o Brasil e a Argentina o controle dos países mais pobres.
Esses formuladores não contavam que os seus novos aliados tivessem desgastes tão sumários. Aos poucos, as políticas de tutela começaram a ser contestadas por alguns governos, com um agravante: eles buscavam e buscam uma aproximação regional, com vista à formação de um sólido bloco latino-americano, forte, totalmente independente, com maior abertura para outras partes do mundo, especialmente a Europa e a Ásia.
É o crescimento de um sentimento de que é possível unir a América Latina que leva metrópole decadente, com sua moeda em queda livre, a se desdobrar em intrigas e baixarias, quase todas fracassadas. Hoje, por exemplo, não dá para jogar os países vizinhos contra a Venezuela, cujo crescimento e redução da pobreza são reconhecidos pela ONU e se irradiam beneficamente para seus vizinhos.
As grandes obras na Venezuela são realizadas por empreiteiras brasileiras, enquanto o petróleo venezuelano é vendido a preços reduzidos em países pobres, como a Nicarágua e Honduras. Ao mesmo tempo, 30 mil médicos cubanos prestam serviços na região, contribuindo para a redução de grandes problemas de saúde.
Se países como o Brasil se desvencilharem da tutela dos grandes grupos internacionais e assumirem com ações concretas um projeto de integração e parceria leal com seus vizinhos, teremos uma nova potência - a América Latina. Juntos, os latino-americanos representam a terceira população do mundo, com 580 milhões de habitantes.
E só unidos nós poderemos reduzir as diferenças com as duas grandes potências de hoje: os Estados Unidos, com 301 milhões de habitantes e um PIB de US$ 13.250.000.000.000,00; e a União Européia, de 25 países, com 490 milhões de habitantes e um PIB de US$ 12.600.000.000.00,00. Embora tenha mais habitantes, o PIB de toda a América Latina não passa de US$ 2.284.723.000.000,00.
Nós falamos praticamente a mesma língua e temos problemas parecidos. Não podemos perder de vista a possibilidade de nós mesmos resolvermos nossas dificuldades, sem a interferência deletéria das multinacionais, que não sossegam enquanto não levar um dos nossos países a uma guerra com outro, nem que seja apenas econômica, mas igualmente letal para nosso futuro.
coluna@pedroporfirio.com

domingo, 11 de novembro de 2007

UM ESTADO PERDIDO NAS COMUNIDADES

MINHA COLUNA NO JORNAL POVO DO RIO DE 12 DE NOVEMBRO DE 2007 Em entrevista a Ana Maria Tahan e Rodrigo Camarão, publicada ontem no JB, o governador Sérgio Cabral definiu com todas as letras a visão do seu governo sobre as comunidades carentes: ação policial num ambiente de guerra e “fim do paternalismo”. Isso explica todos os recordes de execuções policiais nas favelas e conjuntos habitacionais. E o porquê da desativação dos programas sociais, com o isolamento da Secretaria de Ação Social, dirigida sem o mínimo de motivação por Benedita da Silva. Ele afirmou sem rodeios: “vamos parar com a relação paternal. A política da bica d'água se sofisticou, mas permaneceu. Temos de quebrar essa política. Fazer intervenções para valer”. Depois de acentuar que estava em guerra e isso tem suas conseqüências, o governador declarou: “Não estou disputando com o tráfico. A área precisa ser recuperada pelo poder público. Não é o Cabral versus o tráfico. Romantizaram o tráfico, romantizaram a favela”. Essa visão explica a mais completa omissão do Estado em relação às áreas marginalizadas, que há 11 meses só têm notícia da presença policial em cinematográficas operações, como aquela na antiga Fazenda Coqueiros, hoje conhecida como favela da Coréia, filmada ao vivo e a cores. Seria combater a “relação paternal” manter virtualmente fechada a Casa do Paz do Jacarezinho? Ali, em dois anos, foram realizados mais de 200 mil atendimentos em todas as áreas, inclusive com o funcionamento de um curso de segundo grau adaptado à realidade da comunidade. Lá, nem o diretor foi nomeado até hoje. Seria abandonar a “relação paternal” paralisar o projeto que asseguraria o fornecimento de água para o Jacarezinho, uma comunidade de mais de 70 mil habitantes? Lá, depois de muito esforço nosso, a Prefeitura construiu um castelo d’água com a capacidade de 250 mil litros, usando recursos do “favela-bairro”. A obra está pronta desde fevereiro, mas vai acabar virando um heliporto para os helicópteros da polícia, já que até hoje a CEDAE não fez a ligação com a rede e não há nenhuma indicação de que tal providência esteja em seus planos. Se o governador quer mesmo enfrentar a violência, não pode abandonar os cidadãos que vivem em comunidades, que passaram a ser vistas como guetos suspeitos, para os quais o Estado só tem uma mão, a da polícia. Agindo assim, com essa cabeça, o governador não vai nos proporcionar nenhuma segurança e ainda terá que investir em novos cemitérios. coluna@pedroporfirio.com

sábado, 10 de novembro de 2007

O SEQÜESTRO DO RACIOCÍNIO E O APAGÃO DA INTELIGÊNCIA

“Jamais aceite como exata coisa alguma que não se conheça à evidência como tal, evitando a precipitação e a precaução, só fazendo o espírito aceitar aquilo, claro e distinto, sobre o que não pairam dúvidas”. René Descartes, filósofo francês (1596-1650) Nos dias de hoje, nada me assusta, deprime e revolta tanto como o seqüestro do raciocínio. Nada é mais danoso e demolidor. Nada causa tantos males à espécie humana. Não. Eu não estou falando da corrupção da consciência. Nem da corrosão do caráter. Nem da desfiguração do sentimento. Não me refiro à extinção dos valores morais, éticos e religiosos que um dia pesaram nas atitudes. Isso o dilúvio da hipocrisia em cascata afogou em sua devastação fulminante. Há sobreviventes que ainda respeitam esses valores jurássicos, admito. Mas são espécies raras, em ostensivo processo de extinção. O raciocínio seria a última arma da natureza humana. Seria uma ferramenta disponível como uma bússola norteadora. Você podia ter sido amputado de valores tornados subjetivos. Poderia estar inoculado do vício do mais abjeto e desesperado individualismo. Mas, ao dispor da capacidade de raciocinar, de pensar, respeitaria um novo tipo de cânone, amparado no instinto da sobrevivência. Não importava seu juízo de valores. Mas o cérebro falava mais alto na formulação do comportamento. Não era o ideal. Antes, a solitária sobrevivência da capacidade de raciocinar se constituía num certo recurso do pragmatismo. Na busca do êxito, o raciocínio pode destituir-se de todo e qualquer constrangimento. Mas, pelo menos, é um elemento de avaliação. Que pode ser usado para o mal, mas também para o bem. Um certo lamento Para variar, você pode estar cismando sobre a própria natureza da nossa conversa de hoje. Tantos e tão graves acontecimentos estão ocupando as páginas dos jornais. E, no entanto, cá estou eu empacado na mais recente descoberta: seqüestraram o raciocínio. É verdade. Eu bem que pensei em escrever sobre o mais novo desastre aéreo – o avc que paralisou a jovem BRA, subtraindo mais 1100 empregos diretos e uma generalizada desconfiança sobre o futuro da aviação comercial brasileira, submetido a um vôo cego que, logo,logo nos levará ao convívio com o inglês nas rotas domésticas. Queria, sim, confesso, repetir pela milésima vez: a desarticulação da VARIG foi apenas o ponto de partida de uma aventura de notas marcadas. Com o golpe que pôs no chão a mais completa companhia aérea brasileira, o desmonte de todas as empresas do ramo será inevitável, abrindo um filão suculento para a internacionalização do nosso espaço aéreo. Ou você acha que o duopólio vai segurar o tranco? Queria comentar essa tragédia anunciada, mas a necessidade de falar dos elementos essenciais que levam a esse e a tantos outros desastres me impõe o lamento da falta de raciocínio que assola o país. Não importa se você é grego, troiano ou não faz parte das guerras e das torcidas apaixonadas. Você pode achar que é o que achar que é, mas não pode abrir mão do raciocínio, como tem feito sem perceber, porque, além da crosta que reveste seu cérebro de meias verdades, há todo um aparato especializado em turvar o ambiente que produziu um imenso cárcere privado, virtual, invisível mas dotado dos poderes da bruxaria cibernética. Não sei se você terá suficiente disposição para parar e pensar. Nem que seja só por um instante.. Se você estiver disposto a resgatar seu cérebro, bem que poderá retomar sua capacidade de raciocínio. Não precisa mudar quanto ás as suas antigas concepções. Mas precisa urgentemente balizar suas atitudes na busca do respeito que todos mereceremos. O pior que lhe acontece é abrir sua guarda ao primeiro sussurro que satisfaça seu momento emocional ou seu parco estoque de conhecimentos. Você (como eu) não é obrigado a rezar pela mesma cartilha por conta de uma determinada formação que engendrou suas convicções. Cérebros travados O tempo, mais do que ninguém, é a melhor fonte das lições. E o raciocínio é a arte mais apurada da percepção do legado de cada dia vivido. No momento em que você abre mão de raciocinar trava todas as suas faculdades mentais. Torna-se um cidadão de cérebro terceirizado, facilmente manipulável. Pior. Renuncia ao que o distingue dos demais animais – a inteligência. Abre mão do maior dos alimentos, o conhecimento. Nessa seqüência de recuos fatais, perde o juízo crítico. Vira um mero repetidor dos outros, principalmente dos que detêm os meios de comunicação de massa. Vejo que isso está acontecendo em larga escala e em todas as camadas da sociedade humana. Os mais espertos dão as cartas e escravizam os que transferem a eles o direito de pensar e decidir. Isso é alarmante como um grande vírus da inércia que se alastra celeremente por todos os seres humanos. Vou dar um exemplo: a sociedade democrática nunca existiu. Ela devia ser a expressão da vontade livre das grandes maiorias. E, no entanto, é a expressão mesquinha de uma ínfima minoria. Não estou falando aqui da hegemonia de uma classe sobre outra. Quem o induz a aceitar a escravidão e a impostura é um bolsão de poucos controladores da mente humana. Esse núcleo monitor apostou na ascensão da mediocridade e no primado da incompetência na gestão de Estado, obtendo a desfiguração dos poderes republicanos e abrindo caminho para os poderes paralelos, que são os verdadeiros senhores de todos os movimentos. Conseguiu-se o mais trágico dos desvios – a abolição dos compromissos básicos no exercício dos poderes públicos; e aí não falo só dos que escolhemos pela via do equívoco. De um modo geral, os cidadãos que deixaram de raciocinar estão expostos a decisões ilegítimas, a manobras torpes, ao crescimento da capacidade de sedução obscena. Qualquer um, que tenha uma fonte de poder, sente-se à vontade para passar por cima de tudo como um trator desgovernado e a sociedade que renunciou às suas prerrogativas críticas acaba aceitando como um fato consumado. Isso acontece infelizmente porque você, como a maioria dos brasileiros, já não se vale dos elementos vitais, como o censo de observação, a atenção devida, o exercício da percepção, o patrimônio da memória, a essência do raciocínio, o juízo de valor, a faculdade da imaginação, o acervo do conhecimento, a força do pensamento e a expressão de sua própria compreensão dos fatos. Não sei se você me entendeu hoje. Mas se você parar para pensar, como já referi, verá que tudo de ruim que possa acontecer a todos nós é responsabilidade imperdoável de cada um. coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

UMA ANISTIA AMPLA PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO (II)

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 2 DE NOVEMBRO DE 2007 "A anistia não é nem uma apologia nem uma transação. A anistia é o olvido, é a paz" Rui Barbosa, Discurso no Senado, 5 de agosto de 1905 Não tenho a menor dúvida: por mais que o processo de anistia, no seu sentido lato, seja condição essencial do restabelecimento do estado de direito, a sua plena execução é o maior desafio de nossos dias. Sob os mais variados pretextos, as resistências ao reconhecimento devido às vítimas dos anos de exceção, casuísmos arbitrários e perseguições infernais ainda permanecem instaladas em trincheiras invisíveis e podem tornar o exercício da reparação um ato de heroísmo dos encarregados institucionais dessa missão. Digo isso não apenas em função de uma meia dúzia de e-mails que recebi com as tinturas da intolerância mais doentia. Os fatos têm mostrado que todos os esforços para abreviar o sofrimento de pessoas atingidas brutalmente em suas vidas vão encontrar óbices onde os órfãos da ditadura puderem influir. Esses recalcitrantes sobrevivem como fiéis depositários da violência de Estado e operam com desembaraço, sobretudo porque, afinal de contas, nenhum verdugo ou usurpador dos anos de chumbo foi sequer questionado. Isto, ao contrário do que aconteceu em outros países como o Chile, onde o general Pinochet, sua família e alguns de sua entourage foram parar na prisão como ladrões do erário e assassinos hediondos; e da vizinha Argentina, onde em 1985 foram condenados à prisão perpétua como homicidas e ladrões o general Jorge Rafael Videla e o almirante Emílio Massera (http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_18121985.shtml). No Brasil, no entanto, todos os algozes foram para casa com o compromisso da impunidade e a certeza de que continuariam dando as cartas naquilo que lhes interessava. Não foi por acaso que o sr. José Sarney, principal preposto civil da ditadura, "mudou de lado" e se declara hoje um defensor intransigente da democracia, com acesso à copa e a cozinha dos palácios do poder. Bolsões da intolerância Por isso, não me surpreendeu a correspondência de um advogado de Mato Grosso do Sul, que escreveu textualmente: "Era imperioso que fossem perseguidos, derrotados e, SE NECESSÁRIO, MORTOS. Nesse aspecto, o tratamento que a eles, inimigos da pátria, era dispensado, nada tinha de anormal. Registre-se, por pertinente, que a malfadada Comissão de Anistia do Ministério chefiado por TARSO BERIA, está atulhada de elementos adoradores do comunismo e que sequer sabem exatamente o seu significado. São uns párias que, assim como aqueles toupeiras de 1964, VÃO OBRIGAR OS NOSSOS HONRADOS MILITARES A, UMA VEZ MAIS, ASSENHOREAR-SE DO PODER". Como disse na coluna anterior, é preciso que a sociedade saiba toda a verdade sobre a natureza do trabalho da Comissão de Anistia, como instrumento centralizador dos processos de reparação. É preciso que saiba que, se não fosse pela oportuna reflexão do presidente Paulo Abrão Pires Junior, um jovem mestre do direito público (escolhido até por não ter vivido as torpezas daqueles anos, o que o imuniza de qualquer ato emocional), os processos que ainda dependem de julgamentos levariam no mínimo 15 anos em suas prateleiras. Embora o Ministério da Justiça tenha ampliado sua equipe técnica, incluindo jovens advogados, me parece fora de propósito que seus conselheiros sejam "voluntários", quando qualquer conselho de qualquer órgão público ou estatal paga muito bem a quem não tem um décimo de sua responsabilidade, até porque não lida com expectativas humanas, algumas acumuladas por mais de quatro décadas. Por conta das resistências cegas de quem tem assento em áreas do poder, sobrevive ainda uma certa doutrina restritiva em relação, sobretudo, aos militares vitimados pela intolerância. O que seria a melhor das leis - a 10.559 - por sua abrangência, acabou configurando uma situação desconfortável para os militares que tiveram seus direitos reconhecidos. Ao ser editada ainda como Medida Provisória, essa Lei contrariou em alguns aspectos os fundamentos da Constituição de 1988, que diz expressamente em seu artigo 8º das Disposições Transitórias: "É concedida anistia aos que, no período de l8 de setembro de l946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864 de 12/09/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos". Fazer Justiça já Esses mesmos bolsões de resistência procuram por todos os meios impedir as reparações aos militares subalternos, especialmente os cabos da Aeronáutica, onde o sistema de "licenciamento" foi modificado por uma Portaria que à primeira vista não tinha nenhuma conotação política. Mas que funcionou como uma permanente ferramenta de depuração, como demonstrou o antigo conselheiro Ulisses Riedel, cujo parecer serviu de base para a concessão de anistias, indevidamente anuladas depois. O momento hoje exige uma verdadeira retomada do movimento pela anistia de verdade, que precedeu a retomada do Estado de direito e balizou as várias leis que serviram para reinserir o Brasil no mundo civilizado. Neste sentido, considero de fundamental importância a presença maciça dos democratas na audiência pública que o presidente da Comissão de Anistia fará no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira, dia 5, às 14 horas. Só com a atuação dos cidadãos, a Comissão da Paz poderá superar seus próprios desafios, sobretudo em matéria de tempo. Os que ainda dependem do pronunciamento daquele plenário estão com as cabeças brancas e já sofreram mais da conta. É hora de estabelecer uma relação direta, de forma a assegurar que todos os direitos sejam garantidos. Quando digo direitos, nada mais peço. Sem sua observância na questão dos perseguidos políticos, teremos sempre um flanco aberto e um ambiente de ambigüidade cristalizado. coluna@pedroporfirio.com

UMA ANISTIA AMPLA PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO (I)

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 29 DE OUTUBRO DE 2007 “Sê um patriota verdadeiro e não te esqueças de que a força somente deve ser empregada a serviço do Direito. O povo desarmado merece o respeito das Forças Armadas”. Desembargador Bento Moreira Lima, em carta ao seu filho, cadete Rui Moreira Lima, em 31 de março de 1939 O major-brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima é um dos maiores vultos das nossas Forças Armadas. Sua história se confunde com a da FAB, de que foi precursor. Seu batismo de fogo se deu em plena segunda guerra mundial, nos céus da Itália, onde desembarcou no porto de Livorno com outros 465 homens do Grupo de Aviação de Caça da Força Expedicionária Brasileira no dia 6 de outubro de 1944. Lá realizou 96 operações de combate, teve sua primeira promoção e ganhou suas primeiras condecorações: Cruz de Aviação fita A, Campanha da Itália e Presidential Unit Citation (EUA). Maranhense, filho de um desembargador humanista, festejou 64 anos de casamento com dona Júlia no dia 26 de outubro passado. Nesse dia, depois de sucessivos temporais, o sol se fez. Foi quando, aos 88 anos, numa tarde inesquecível, recebeu no emblemático auditório da ABI o jovem mestre em direito público Paulo Abraão Pires Junior, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, acompanhado do também mestre em direito Sérgio Ribeiro Muylaert, seu vice. Com o brigadeiro, mais de mil brasileiros, alvos do arbítrio de um regime que fazia vítimas pela volúpia da perseguição “preventiva”. Como se tivesse travando um novo combate, agora em terra, e apenas com as armas da razão, o nosso paradigma de patriotismo e dignidade colocava frente à frente aquele que melhor entendeu sua missão reparadora, apesar de calouro no cargo, e uma parcela de nossa história humana, em sua quase totalidade militares que tiveram suas carreiras ceifadas por atos de arbítrio naqueles anos sombrios de tormentas e luto. Lá estávamos, para testemunhar os depoimentos, o presidente da ABI, Maurício Azedo, a deputada Laura Carneiro, eu e os representantes do senador Marcello Crivela e da deputada Solange Almeida. Na singeleza de sua exposição, o brigadeiro Rui Moreira Lima explicou que convidou o presidente da Comissão de Anistia por uma questão de economia: a grande maioria daqueles que tiveram suas carreiras interrompidas não podiam ir a Brasília saber a quantas andam seus processos de reparação. O presidente Paulo Abraão respondeu, informando que realizará outras audiências públicas fora da capital. Estará novamente no Rio dia 5 de novembro, numa audiência na Câmara Municipal, por minha iniciativa. Nesse novo encontro, além de dar continuidade às questões dos militares perseguidos, ouvirá depoimentos dos segmentos da sociedade civil, também duramente atingidos com as prisões, demissões, exclusões, exílio, banimento e toda sorte de violência praticada por um regime que alçou ao poder de forma ilegítima, derrubando um governo eleito e consagrado num plebiscito, e rasgando o mais sagrado dos documentos de um país, a sua Constituição. A Lei violada No princípio era a Lei. Aos trancos de barrancos, depois de resistir bravamente à conspiração que levou ao suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954; à tentativa de golpe para impedir a posse de Juscelino, em 1955; a duas sedições militares no governo JK (os rebelados foram anistiados e voltaram seus postos), e ao golpe que queria impedir a posse do presidente João Goulart, em 1961, supunha-se que a Constituição de 1946 estava blindada contra novos assaltos castrenses. O Brasil daqueles dias registrava os melhores índices de desenvolvimento econômico, o mais elevado salário mínimo, a menor taxa de desemprego, os mais luminosos sinais de progresso, com reflexos numa política de educação de grande alcance, na qualidade dos serviços públicos de saúde e até nos primeiros sucessos esportivos com duas copas mundiais de futebol. Então, discutíamos as verdadeiras reformas de base, começando por medidas concretas no campo, sempre dentro da legalidade, da mais ampla liberdade de imprensa e do convívio entre forças políticas opostas. O povo resgatava sua auto-estima. Para a grande potência do norte, isso era uma ameaça muito maior do que a revolução cubana. Para onde o Brasil fosse, a América Latina iria. A questão deixou de ser interna, para entrar na agenda dos Estados Unidos e suas agências de espionagem e jogo sujo. As próprias tropas, tradicionalmente legalistas, foram tomadas de surpresa por uma conspiração de Estado Maior, monitorada pela embaixada dos EUA, que culminou com um golpe fulminante: em menos de 48 horas, quatro estrelas de todas as armas assumiram o controle das instituições, levando o presidente ao exílio num ato de tal violência que levou o próprio deposto a abrir mão da resistência com que Leonel Brizola pretendia repetir a mesma epopéia de 1961. Aconteceu o que Luiz Carlos Moreira, capitão de mar e guerra, e hoje advogado brilhante, definiu no ato da ABI como cristalização da ilegalidade e da ruptura do regime de direito. A partir de 1 de abril de 1964 o dia da mentira estendeu-se por vinte anos. Tudo se resolvia com o uso das ferramentas de uma ditadura sem acanhamento. Desde aquele então, milhares de brasileiros passaram a percorrer verdadeiros calvários. Muitos morreram sob tortura e em operações de extermínio, como está documentado no livro “Direito à Memória e à Verdade”, publicado com coragem e serenidade pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Como não poderia deixar de ser, a ditadura nos legou um lixo autoritário manchado de sangue, terror e lágrimas. O restabelecimento do regime de direito ainda é uma conquista tênue, constrangida por sua trágica ambigüidade. Num erro fatal, as novas gerações de oficiais, profissionais por excelência, que não têm nada a ver com o inferno daqueles anos cruéis, parecem agir corporativamente como salvaguarda da impunidade. Aqueles que mancharam as sagradas fardas de nossas Forças Armadas na prática da tortura e de assassinatos indefensáveis ganharam a anistia, recebendo tudo o que “tinham direito” e desfrutando de todas as regalias. Já os perseguidos, atingidos por todo tipo de arbítrio, até vitimados por portarias políticas só porque pareciam vocacionados para atos de liderança, esses ainda esperam pela reparação devida. Agora, 43 anos depois da instauração do regime ditatorial, responder em tempo hábil aos clamores dos perseguidos é o grande desafio da Comissão de Anistia, cujos conselheiros trabalham como voluntários, sem nenhuma remuneração, fato que, a meu ver, já demonstra o desdém do Estado em relação a uma missão que é a primeira condição para selar o regime de direito e consolidar instituições perenes। coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

CONSUMO DE DROGAS E EXECUÇÕES EM FAVELAS (OU PORQUE A CLASSE MÉDIA APÓIA AS EXECUÇÕES POLICIAIS)


"É o jovem de elite, com acesso a estudo, boa moradia e melhores condições de vida, o maior consumidor. É preciso que o estado elabore políticas urgentes para combater o problema, porque atualmente dá-se muita atenção à oferta de drogas e não ao consumidor."
Professor Marcelo Neri, coordenador da pesquisa "O Estado da juventude: Drogas, prisões e acidentes"


Jovens universitários da classe alta brasileira são os que mais consomem drogas no País। É o que revela uma pesquisa analítica coordenada por Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas: de 182 mil pessoas ouvidas, 72,54% declararam que fazem uso de maconha, cocaína e lança-perfume। Esse grupo relatou gastar, em média, R$ 75 por mês com drogas। Os usuários pertencem às classes A/B, com renda superior a 45 salários mínimos। A grande maioria deles é branca (85,1%), católica (88,3%) e tem filhos (80,46%).
As revelações contidas nessa pesquisa foram apresentadas oficialmente pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no seminário Desafios da Gestão Pública de Segurança. Elas falam por si. Mas servem, sobretudo, para explicar a falência moral da família burguesa e o apoio incondicional às execuções policiais, realizadas seletivamente longe da Zona Sul, como admitiu, nesse mesmo seminário, o secretário de Segurança José Mariano Beltrame.
A pesquisa sobre o perfil do consumidor de drogas da FGV não foi contestada por ninguém, embora contrarie não apenas o ambiente de hipocrisia que monitora uma sociedade perdida em seus próprios sonhos mesquinhos, além de contrastar com a prática। Como lembrou o repórter Francisco Edson Alves, ao assinar a matéria a respeito no jornal "O Dia", "quem vai para trás das grades são negros, pobres e analfabetos".

Jovens ricos e sem rumo

Trato desse assunto com certa amargura e uma boa dose de revolta. Moro num lugar outrora a salvo de tais situações, onde uma classe média de nariz empinado paga uma baba para manter todos os acessos sob controle de uma empresa de segurança. E, no entanto, o meu vizinho mais próximo teve que se mudar há uns quatro anos diante da absoluta impossibilidade de resolver o ímpeto de consumo de droga do seu filho, então matriculado numa faculdade de comunicação social.
O lugar onde moro, aliás, é colado a um morro onde os moradores, organizados sabe Deus como, não permitem bocas de fumo em seu interior. Nem traficantes, nem bandidos de nenhuma espécie. No entanto, minha família teve uma vez o desprazer de presenciar uma cena emblemática: como perdera o controle do filho, o vizinho chamou a polícia para prender o fornecedor, que entregava a droga a domicílio.
Ao ver o seu fornecedor sendo preso, o viciado pulou o muro de casa e foi se atracar com os policiais, aos gritos de que se alguém tinha de ser preso deveria ser ele, porque fora sua a iniciativa de encomendar a cocaína. A gritaria foi seguida de pernadas e pescoções, que sobraram para o próprio pai, envergonhado com tudo aquilo. Como o rapaz estava alucinado, acabou tudo como se nada houvesse acontecido.
Conto a história sem constrangimento porque ela repercutiu como um aluvião por todo o condomínio. Mais grave, no entanto, foi saber que havia outros 6 locais onde os traficantes chegavam de moto ou carro para entregar as drogas aos jovens dali. Houve um esforço da associação de moradores, mas a ação dos seguranças particulares muitas vezes é desmoralizada pelos próprios pais. Uma certa vez, um conhecido humorista de TV peitou os funcionários, demonstrando ele mesmo ser um viciado.
Agora, a pesquisa coordenada pelo professor Marcelo Neri está aí, na sua cara, tal, como aliás, diz o oficial do Bope, do "Tropa de elite", que estudava direito numa tradicional faculdade particular: ele desabafa com toda razão, ao lembrar, como é óbvio, que não haveria tráfico se não houvesse consumo. Vale aqui o depoimento de Pedro Dória em seu blog: "Em `Tropa de elite' há uma acusação explícita que a classe média carioca, principalmente os jovens universitários - e fui um destes um dia -, não gosta de ouvir. Eles financiam o tráfico".
Como está dominado pela idéia de que o povo ruma para onde ruma a classe média e convencido de que esta quer ver o circo pegar fogo nas favelas e comunidades pobres, o governador Sérgio Cabral não vai nem ler essa pesquisa sobre consumidores de droga, que pode ser encontrada na internet no http://www3.fgv.br/ibrecps/EDJ/index.htm
Guerra de bodes expiatórios

Não vai porque ele já caiu na sua própria esparrela e deve estar orgulhoso dos números sobre execuções policiais, ainda mais que, como disse o doutor Beltrame, "um tiro em Copacabana é uma coisa. Na favela da Coréia é outra". Afinal, são 696 executados em apenas seis meses, fazendo inveja aos tempos do general Cerqueira, quando o Estado pagava a "gratificação faroeste".
Para Sérgio Cabral, "guerra é guerra". E como declarou guerra, vale tudo. Isso implica, por exemplo, na tolerância com as "milícias" e com seguranças particulares ilegais, que já somam o triplo dos efetivos do Estado. Afinal, em todas essas "tropas auxiliares" há policiais, como o inspetor que foi morto numa cilada cinematográfica: o então todo-poderoso de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro fora lotado no gabinete do chefe de polícia.
Você pode dizer que os filhinhos de papai - e muitos que nem pai têm - são induzidos ao consumo por traficantes implacáveis. Mentira. Um dos mais competentes engenheiros da Prefeitura do Rio de Janeiro, hoje na função de secretário municipal num município da Baixada Fluminense, foi criado na favela da Nova Holanda, no Complexo da Maré. Ele e suas cinco irmãs fizeram faculdades e são exemplos para esses jovens, deliberadamente dominados por uma máquina mortífera, que espalhou o vírus da alienação, segundo a teoria de que é jurássico se interessar pelos grandes problemas nacionais e os grandes desafios sociais.
Casais que levam vidas hipócritas, que só pensam em si, que não têm mais certeza de nada, que perderam os próprios referenciais religiosos, que vivem na mais assumida corrida do sucesso pessoal a qualquer preço, são os maiores responsáveis pelos descaminhos dos seus filhos. Impotentes, vibram à execução de cada jovem em guetos como a favela da Coréia. É assim que se compensam pelo fracasso enquanto pais de viciadinhos que não sabem o que fazer de sua juventude cheia de si.
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sexta-feira, 12 de outubro de 2007

APERTEM OS CINTOS. OS NOSSOS PILOTOS ESTÃO SUMINDO




Os comandantes Marcelo Duarte e Elnio Borges, líderes da APVAR, estão no "exílio trabalhista" na China e na Índia.

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 12 DE OUTUBRO DE 2007

http://www.tribuna.inf.br/porfirio.asp

Se era isso o que queriam, estão conseguindo: nossos pilotos estão sumindo. Falo do plantel mais experiente e mais treinado da aviação comercial brasileira, os formados e provados na mais tradicional companhia de nossa história - a Varig, Varig, Varig.

Esse é um dos mais perversos e mais emblemáticos efeitos da conspiração que pôs a nossa aérea mais tradicional no chão e abriu todos os céus do Brasil para suas concorrentes, inclusive empresas estrangeiras, que ainda vão acabar fazendo vôos domésticos, como já consta de projeto no Senado Federal. Senado, ah, que Senado nós temos: nem nos tempos de Brutus.
Ainda bem que estão conseguindo trabalho, diria você. Trabalho? Isso para mim é exílio puro, sem tirar nem pôr. Exílio "trabalhista", digamos, já que no grande desastre da nossa aviação comercial uma lei que fora corajosamente contestada pelo PDT, transformou os mais elementares direitos trabalhistas em cinzas.

É isso mesmo. Enquanto você fica aí à espera do próximo bote da serpente, ela já picou pelas beiradas, segundo os velhos truques dos mágicos de plantão. A chamada lei de Recuperação de empresas, a 11.101/05, foi uma lança no coração de 60 anos de justiça social.

Graças a tal monstrengo jurídico, uma Vara Empresarial passou a se superpor sobre a Justiça do Trabalho, desconhecendo sem constrangimento até pagamentos de salários atrasados. E, de quebra, para a cristalização de uma perversa impunidade, está contribuindo para o massacre dos aposentados de um fundo de pensão que não cumpre com suas obrigações mínimas, embora seja credor de sua patrocinadora.

Fazendo as malas

Reportei-me ao sumiço dos nossos pilotos, ao saber que ontem o comandante Marcelo Duarte fez as malas e partiu para Hong Kong, onde vai trabalhar numa empresa de aviação comercial de padrão excepcional, a HKE que, por sinal, foi a primeira da Ásia a comprar os modelos E-170 da Em braer.

Vice-presidente da Associação dos Pilotos da Varig, e um dos mais aguerridos líderes da categoria, ele, como seus colegas de entidade, pode ser incluído na lista dos grandes perseguidos políticos de nossos dias. Por conta de sua atuação corajosa, foi demitido em 2002, antes mesmo do trágico e trêfego leilão de 2006 e até hoje não viu a cor de um centavo de suas verbas indenizatórias E SEQUER CONSEGUIU SACAR O FUNDO DE GARANTIA. Quando demitido, era instrutor da mais respeitada e mais bem equipada escola de pilotos da América Latina, da própria empresa.

Mesmo passando o maior sufoco, entregou-se por inteiro à causa dos seus colegas, tendo uma atuação marcante ao lado do deputado Paulo Ramos na CPI da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro que mostrou os interesses sórdidos que levaram à Varig a ser uma miniatura de si mesmo.

Antes deles, outros pilotos pegaram o caminho do exílio desde o leilão que teve como únicos arrematantes os prepostos de um fundo "abutre" de investimento dos Estados Unidos, que já haviam se apoderado da Variglog. Ao todo, estima-se que 450 pilotos já atravessaram a fronteira em busca de uma sobrevivência digna.

Só no Qatar, na península arábica, há MAIS 68 pilotos brasileiros, entre eles o comandante Alexandre Pochain. Nenhum foi para lá atrás de petrodólares. Antes, saíram daqui porque, embora competentíssimos, entraram numa estranha lista da intolerância, vigente nos dias de hoje, apesar de todo esse ambiente dito democrático e de todo esse discurso sobre direitos humanos.

O comandante Elnio Borges, uma das maiores autoridades em aviação civil, que bem poderia estar à frente de uma ANAC, refugiou-se na Índia, fazendo vôos internacionais para a Europa. Para não se distanciar totalmente dos seus colegas, ele, presidente da Associação dos Pilotos da Varig, ainda consegue organizar sua escala de modo a vir uma vez por mês ao Brasil.
Outro grande esteio desse plantel de primeira li nha, o comandante Paulo Calazans, está pilotando na Raynair Airlines, a maior companhia européia de vôos de baixo custo (low cost), com registro na Irlanda.

Melhor "sorte" não teve o comandante Flávio de Souza, ex-presidente da APVAR, que vive como uma espécie de ermitão em São Gabriel - RS . Ele é um dos muitos profissionais que permanecem inteiramente à margem dos "manches".

Pior para os comissários

Essa "diáspora" lembra os tempos da ditadura, em que os grandes cientistas brasileiros, principalmente os da Fundação Oswaldo Cruz, foram compelidos a sair do país, onde contribuíram com seus conhecimentos acumulados em outros centros de excelência.
São faces da mesma moeda e acabam por revelar que o poder discricionário é o mesmo, em qualquer modelo político. Aliás, os riscos de desvirtuamento das democracias já haviam sido detectados desde seus primórdios, nas avaliações de Montesquieu e Rousseau. Em qualque r regime que se preze e que esteja comprometido com os interesses da nação a preservação dos seus quadros profissionais e de sua "inteligência" é uma demonstração de pragmatismo positivo.

Voltando ao desastre da Varig. Se os seus pilotos estão indo para o exílio profissional, o que se diria dos demais profissionais, como mecânicos de vôo, comissários de bordo e aeroviários?
Os comissários são os mais sacrificados. Os mais maduros, com vasta vivência no vôo, são descartados de cara, Se este é o destino trágico de quem perde emprego depois dos quarenta, imagine entre os comissários de bordo.

Entre os mais jovens, a realidade também é adversa. Aproveitando-se da situação de desespero dos profissionais, as companhias brasileiras estão oferecendo salários baixos, equivalentes a 50% do que a Varig pagava.

Como pano de fundo dessa tragédia, as incríveis coincidências. O antigo diretor operacional da Varig, que comandou as demissões do pessoal, era o vice-presidente operacional da TAM na ocasião do acidente que resultou centenas de mortes em Congonhas.Pelo que se consta agora se encontra na TAM MERCOSUL NO PARAGUAI, esperando a poeira abaixar. Seu dedo aparece nos eventuais vetos aos profissionais que se habilitaram à concorrente, que, embora não tenha se equipado devidamente para ocupar o espaço deixado, opera a seu modo, com as conseqüências conhecidas de toda a sociedade brasileira.

Neste momento, só resta chamar à reflexão para um projeto aeronáutico que una os países vizinhos da América Latina, como se esboça no caso do Banco do Sul. Mas esse é tema para outro momento.

domingo, 7 de outubro de 2007

UM RELATO IMPRESSIONANTE SOBRE A CHINA


“Acho curioso como ainda muitos jornalistas insistem em dizer que a China está cheia de mão-de-obra escrava e que os operários trabalham 12 horas por dia. Uma deslavada mentira”.
Norton Cheng, brasileiro com 12 anos de trabalho em Pequim.


No final de setembro, recebi de Claudio Tollendal um relato sobre a China assinado por Norton Seng, um brasileiro que trabalhou com ele em Brasília e passou 12 anos naquele país. De volta a Pequim, este ano, escreveu um texto tão rico em informações que resolvi publicá-lo aqui, com cortes apenas devido ao espaço disponível.
“Voltei à China com o visto de residência (anual) em virtude de ser casado com uma cidadã local. E não importa que os meus filhos tenham nascido aqui, pois o Governo não concede o que conhecemos por “visto permanente” (ainda vou me informar se houve alguma modificação neste ano e meio em que estive ausente do país).
A cidade é cosmopolita não ficando nada a dever às outras grandes capitais do Mundo. Uma cidade com mais de 17 milhões de pessoas (considerando a população flutuante de + ou - 3 milhões de pessoas).
Com imensos e bem cuidados parques, dotados de lagos com pedalinhos e barquinhos para o entretenimento dos visitantes. Suas amplas avenidas cortam a cidade em todas as direções. Um verdadeiro complexo de anéis viários, com serpenteantes elevados que se enovelam, indo em várias direções, o que facilita sobremaneira o intenso tráfego na cidade.
Ostenta prédios modernos, imensos, inteligentes e com tanto luxo, que não temos no Brasil nada que chegue perto da ostentação que aqui vemos.
Os hotéis, em número assustador, são verdadeiros palácios. Os shoppings-centers (maiores do mundo) são verdadeiros templos de consumo. Só para você ter uma idéia, Beijing (Pequim) tem mais de 200 lanchonetes MacDonald's, mais de 80 KFCs (Kentucky Fried Chicken), mais de 30 Starbuck Cafes.
Além da maioria das grifes internacionais, suas ruas estão cheias de carros novos, a maioria deles fabricados na China. As montadoras do mundo estão aqui e que se situam numa faixa de preço que supera os 80 mil reais por unidade. É comuníssimo vermos passando por nós Caiennes, BMWs, Mercedes, Cadillacs, Bentleys, Rav4s, CRVs, Buicks, Hondas Accord, Toyotas Camry. Respira-se no ar a riqueza e temos diante dos olhos uma passarela de exuberância e beleza, que só o desenvolvimento pode mostrar.
Como num passe de mágica (investimento em educação, trabalho, esforço hercúleo e gerenciamento preciso, correto e profissional do governo) hoje vivemos num país onde o cenário monocromático e monótono de antes passou para o brilho incandescente de um fulgurante arco-íris multicolorido. À noite o espetáculo de luzes é feérico. De todas as cores e em tal intensidade que passa a ser desnecessário o ato de se ligar ou não as luzes do carro, pois não se nota nenhuma diferença.
Onde moro atualmente (fora do perímetro urbano) encontram-se algumas fábricas e milhares de lojas e escritórios que cumprem o horário ocidental de trabalho. E nos supermercados e fábricas, que funcionam mais de 8 horas (ou 24 horas ininterruptas, como os hospitais), é adotado o conhecido “turno de trabalho”, onde cada turno não trabalha mais de 8 horas. E, se trabalhar, por vontade própria e interesse do trabalhador, ele percebe horas-extras (procedimento comum até nos nossos bancos).
Enfim, as lendas são muitas sobre este país.
Mas meus mais de 12 anos vivendo aqui me autorizam a dizer o que vi e constatei com os meus próprios olhos e a minha modesta experiência.
Outra brutal distorção é a comparação que fazem os “jornalistas” e “economistas” ao se referirem aos baixos salários chineses. Como? Se os “altos” salários brasileiros são drenados pelo governo e pelas absurdas tarifas que todos pagam, além dos transportes, escolas, material escolar, hospitais, remédios, entre tantos outros itens? Os chineses gastam menos de 1% do que ganham com transporte e remédios.
E além do mais não se pode tomar como base de comparação o salário, pura e simplesmente como esses “doutos” fazem no Brasil e Mundo afora.
Veja um bom exemplo: há poucos dias comprei aqui um filtro (computadorizado) para purificar o ar dentro de casa. No Brasil (em SP) esse mesmo filtro custava 4 mil reais (desisti de comprar). Paguei aqui o equivalente a 800 reais... pode? A bicicleta do meu filho custou o equivalente a 80 reais quando uma similar no Brasil não se compra por menos 700 reais. Pode? E por aí vai... roupas, medicamentos, brinquedos (estes, meu caro, encontram-se por volta de um quinto do que custam no Brasil), entre tantos outros itens.
Por isso, a China cresce astronomicamente. Segredo? Tem governo. Tem gerenciamento. Disciplina. Pena de morte. A prisão é a mesma e todos quebram pedra, fazem sapatos, cintos, plantam e cultivam em presídios agrícolas.
Além disso, o governo adota a política de juros estáveis e baixos (6%) e tarifas que se situam na faixa média de 4%. Por isso, ninguém se sente motivado a sonegar. Sonegar para quê? Além do ridículo do que seria “poupado” o sonegador enfrentaria a Lei (que é severa como devem ser as Leis) e um regime judicial que... funciona. Sim! Que funciona... e funciona rápido. Julgamentos do cidadão-infrator por aqui costumam ser rápidos, quando não sumários.
E assim o país cresce de forma ordeira e continuada. As pessoas andam nas ruas mostrando um semblante de paz com o ambiente, confiança no futuro e muitas estampam um sorriso no rosto.
A China responde com sua moeda estável há mais de 10 anos; com suas reservas (exclusive ouro) de mais de 1 trilhão de dólares (só a reserva chinesa é quase o dobro do PIB brasileiro); crescimento acima de 10% ao ano; e a maior desova anual de cientistas, engenheiros e técnicos do Mundo.
Enfim, os dados são tantos e imensos que eu teria que escrever muito mais (o que estou fazendo em meu livro, que espero concluir dentro de 5 meses). E, finalizando, para os que contradizem, alegando: "mas a China tem 1 bilhão e 380 milhões de pessoas", eu treplico dizendo que há 20 anos a China ocupava a 32ª posição no cenário mundial, e hoje, com seu vertiginoso crescimento e efetiva política governamental, ela, a China, já ocupa a 3ª posição.
O segredo da China, além do investimento em educação e do bom gerenciamento do governo, está em sua extensa, ampla e dominante economia de escala”.
coluna@pedroporfirio.com

domingo, 30 de setembro de 2007

GAZETA DE MÁRIO DRUMOND REVELA OS AVANÇOS DA EDUCAÇÃO NA VENEZUELA

Extraído da GAZETA, de Mário Drumond - mario@dataflow.com.br
 

MÁRIO DRUMOND

“Nunca na história desse (sic) país” – disse Lula – “um presidente investiu tanto em educação” (Estadão de ontem). Segundo Lula, até 2010 (sempre projetos para o futuro) “serão inauguradas 10 universidades federais e as escolas técnicas profissionalizantes passarão de 140 (antes de 2003) para 214”.

Pois bem! Na Venezuela, Hugo Chávez acaba de inaugurar 14 novas universidades e, até 2010, inaugurará 29. Outras 29 universidades politécnicas estarão neste plano de um total de 58 novas grandes universidades até 2010. Elas vão se somando às mais de 20 universidades bolivarianas já inauguradas por Chavez, que acabou com o exame vestibular e estabeleceu a integração do ensino superior com o planejamento federal de modo que, desde que um aluno ingressa no primeiro ano da universidade, o estado terá planejado a colocação dele para quando se formar. Isto é mais que lógico, pois evita que o estado gaste uma fábula formando profissionais de nível superior que acabam vendendo cachorro-quente nas ruas. Além disso, as universidades de lá vinculam-se às chamadas “aldeias universitárias”, que já somam 1.435 em todo o país, e atuam como campus avançado das grandes universidades nas cidades do interior, evitando que os cérebros oriundos das pequenas cidades se evadam delas para estudar nas capitais. Quanto a escolas profissionalizantes (“Escolas Técnicas Robinsonianas”), o governo Chávez já inaugurou mais de 300 e até 2010 inaugurará mais outras 300. E é cada escola de tirar o chapéu! Para elas também há a integração com o planejamento do estado em todos os níveis, municipal, estadual e federal. Lula não fala de ensino básico, mas sabemos que nada fez a respeito. Na Venezuela já se somam mais de 25.000 escolas básicas, um terço delas construídas no governo Chávez e outro terço por ele reformadas e reformuladas para compor os dois terços das que são “bolivarianas”, isto é, escolas públicas e gratuitas, em tempo integral, que vão do berçário (simoncito, que inclui o pré-natal) ao último ano do ensino secundário. Em 2012 todas as escolas básicas da Venezuela, públicas e privadas, que deverão ser em torno de 50.000, terão de ser “bolivarianas”. Hoje, na Venezuela, a população estudantil é de 62% da população do país e, até 2010, será de 80%, pau a pau com os países mais desenvolvidos em educação do planeta. Em 1999, antes de Chávez, era de 24%. No Brasil, a população estudantil não chega a 30%, pouco mais que os índices da década de 1960 (27%). No Brasil, o IBGE reconhece quase 30% de analfabetismo (pessoas que nunca estudaram + pessoas adultas que estudaram menos de 4 anos). Em 2004, a Venezuela foi reconhecida pela UNESCO como “país livre de analfabetismo”, isto é, apresenta um índice menor que 4% de analfabetos em relação ao total da população do país. A Venezuela tem cerca de 27 milhões de habitantes e é mais ou menos do tamanho do Pará. Sempre há quem venha com a história de que tudo é por causa do petróleo, etc e tal. A estes eu respondo que o petróleo é explorado lá desde 1903, e, até Chávez, a Venezuela só deu petróleo de presente aos EUA e ao mundo deu Miss Universo.

MÁRIO DRUMOND

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

PRIMEIRA AVALIAÇÃO SOBRE O PDT NO GOVERNO LULA

“O poder desgasta, sobretudo, quem não o tem”. Felipe Gonzalez, ex-premier socialista da Espanha Quando aceitou participar do governo de “coalizão” do sr. Luiz Inácio, o PDT sabia muito bem dos riscos a que se expunha. O simples e alardeado convite para juntar-se a partidos “grandes” como o PT e o PMDB já foi uma tremenda saia justa e deixou a direção partidária naquela de “se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”. A intenção do núcleo do poder foi de ordem preventiva: evitar que o partido de Brizola percorresse o mesmo caminho que levou os petistas a ocupar espaços brizolistas, resgatando o voto de opinião, que é formador e multiplicador por excelência. A análise fria da conjuntura não permitia gestos heróicos. O PDT havia tido a sua maior vitória, emblemática sobre todos os aspectos, com a eleição do médico Jackson Lago para o Maranhão, Estado dependente de recursos federais, que permanecera sob controle da oligarquia Sarney desde 1965. Ainda por cima, entre as prefeituras que administrava, tinha a de Salvador, ganha num confronto com a oligarquia de ACM: outra situação em que uma relação amigável com o governo central se tornaria imperativa. Para agravar, todo político tem sede de poder. É para isso que se lança em campanhas cada vez mais caras. No PDT, a quase totalidade dos seus 22 deputados federais via nessa adesão a possibilidade de filar qualquer coisa que ajudasse a conservar o mandato. Qualquer coisa que só o poder disponibiliza. Mas já na definição do Ministério confiado aos brizolistas, Lula pôs seu pé atrás. Passou o tempo todo falando na Previdência, onde vem sistematicamente amputando direitos históricos, mas na véspera do parto, ofereceu o Ministério do Trabalho, que hoje não tem a importância e o elã dos velhos tempos. Habilidade a toda prova Em todas essas situações, o presidente da legenda brizolista, Carlos Lupi, agiu com o máximo de habilidade e competência. Ele viu, ao lado de Brizola, a tentativa de cooptação individual feita quando Miro Teixeira preferiu o Ministério das Comunicações ao partido. Naquele então, Lula contava que o ministro fosse arrebanhar os ex-companheiros, deixando Brizola a pão e água. Ou porque não quis se prestar a isso, ou porque não conseguiu nada, Miro foi apeado do Ministério, ao qual, aliás, havia ascendido muito menos por indicação partidária e muito mais pelos laços que tem com quem sempre fez o ministro da área. Uma vez ministro, Lupi agiu com despojamento e procurou adequar-se sem maiores exigências à nova condição, embora em termos parlamentares o PDT acrescentasse pouco à base governista: quatro senadores (menos de 5% da casa) e 22 deputados federais (4,3% dos 513 pares). Esse peso pena no cômputo dos embates no Legislativo se refletiria na matemática política da corte. Pelo que pude perceber, o esforço gigantesco de Carlos Lupi para dar um novo impulso no Ministério do Trabalho não encontra ressonância no conjunto do governo. Esta pasta, aliás, mais parece “caveira de burro”. No primeiros quatro anos do lulismo, teve três titulares – Jacques Wagner, Ricardo Berzoine e Luiz Marinho. Todos saíram sem ter o que dizer ao eleitorado o que por lá fizeram de enaltecedor. Transformado numa espécie de agência de financiamento social, é contingenciado principalmente pelo Ministério da Fazenda, mais interessado em garantir o superávit fiscal acordado com o FMI. Embora já esteja ali há seis meses, o presidente do PDT não conseguiu deslanchar nenhum programa e, ainda por cima, conta-se nos dedos as nomeações que conseguiu fazer nos escalões a ele subordinados. No caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador – o FAT- os projetos de qualificação profissional, que se tornaram sua grande bandeira, ganharam uma barreira intransponível. Por uma resolução do ministro Guido Mantega, de maio passado, esses programas foram praticamente inviabilizados. Essa norma estabeleceu que a entidade âncora do chamado consórcio de qualificadores é obrigada a oferecer uma polpuda contrapartida em dinheiro, ao contrário do que acontecia até então. Projetos inviabilizados Quem poderia cometer tal proeza? Aqui mesmo no Rio de Janeiro, um projeto que poderia garantir a qualificação de 4.500 jovens, já a partir de setembro, foi adiado porque a universidade que seria a âncora não tem como entrar com os R$ 450 mil exigidos. Outras entidades consultadas, inclusive uma respeitadíssima fundação de ensino profissionalizante, esbarraram na mesma cláusula. Quem ganha com isso é a tecnocracia que trabalha com toda força para garantir o abominável superávit fiscal de 4,5% do PIB (aproximadamente R$ 91,2 bilhões). Os recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), oriundos do PIS, que estão parados na rede bancária, pularam de R$ R$ 49 bilhões em 2001 para R$ 124 bilhões em julho de 2007 e ajudam o governo a apresentar uma dívida líquida menor. Desde que assumiu Lupi não dispôs sequer de autonomia para dar publicidade aos programas que precisam chegar ao conhecimento da cidadania. Tudo depende de um sistema centralizado, que já publicou anúncios de todos, menos do seu Ministério. Não obstante essa situação desconfortável, o PDT corre o risco de ser triturado por dentro, na medida em que se obriga a seguir de olhos fechados o cavalo-de-pau do PT. Na guerra da CPMF, decidiu pelo apoio incondicional, enquanto os partidões da “base” assaltam sem constrangimento rendosas nesgas das estatais, em troca dos seus votos. Como houve uma decisão partidária a favor, o deputado Barbosa Neto poderá pagar caro por ter votado contra a prorrogação dessa fonte tributária que de provisória não tem nada. São regras de um jogo que o PDT cumpre solitariamente, mesmo tendo que cortar na própria carne e se expondo ao risco de ganhar sua própria “Heloísa Helena”. Essa postura poderá acarretar maiores impasses quando a matéria for para o Senado, onde dificilmente o governo terá os votos de três dos quatro senadores pedetistas. E aí? Que farão os brizolistas, mesmo sabendo que a própria finalidade original da taxa já sofreu mudanças, com prejuízos para o orçamento do Ministério da Saúde que, ao longo desses dez anos, só ficou com 45% do total de R$ 185,9 bilhões arrecadados pela CPMF. Nessas horas, é preciso contar com a intuição que foi marca de Brizola e a análise científica que monitorem uma postura coerente e pragmática. Tentar sobreviver só com o ônus do poder é mais do que temerário: beira ao suicídio político. coluna@pedroporfirio.com

domingo, 26 de agosto de 2007

A JUSTIÇA E OS SONHOS DE UM ESTUDANTE DE DIREITO

Pedro Ivo, esperança no Direito


A morte de Sócrates, o mestre dos jovens de todas as épocas*
"Parece que as cabeças dos homens mais notáveis mínguam quando se reúnem, e que onde há mais sábios, há também menos sabedoria. Os grandes grupos prendem-se tanto aos momentos e aos vãos costumes, que o essencial não vem senão depois".

Montesquieu,autor do “Espírito das Leis”
(1689-1755).


 


Já está fazendo um mês que meu filho de 19 anos ingressou numa respeitada Faculdade de Direito. Pelo que temos conversado, ele está encantado.  Já no primeiro dia, foi seduzido pelos conhecimentos e a forma de relacionamento da professora de Introdução ao Direito, uma desembargadora.
Depois, foi ganho pelas aulas de filosofia. Está apaixonado por Sócrates e, ao contrário da época de colégio, aproveita todo o tempo disponível para ler. No momento, devora a República de Platão. E mais faz, com a liberdade de que desfruta desde as calças curtas, para inteirar-se de tudo que diz respeito ao caminho que escolheu.
Esse envolvimento de um jovem com o direito me preocupa – eu, um idoso de 64 anos que já passei por poucas e boas, tanto nos idos do arbítrio como nesta década da Constituição cidadã.  A última foi a decisão de um desembargador de plantão, que, sem tomar conhecimento do Código de Processo Civil, me privou de 27 dias de mandato, favorecendo ao suplente que ainda quer por que quer tomar o meu lugar na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Preocupo-me por ele e por sua geração, pelos jovens que precisam ter a máxima certeza da seriedade das instituições. E, dentre elas o Poder Judiciário, a última cidadela num regime constitucional. A Justiça não pode sucumbir. Se  a minam  ou se ela se golpeia, leva de roldão todo o estado de direito.

A Lei e os juízes


E quando falo nessa instituição milenar, não me refiro apenas ao Supremo Tribunal Federal, com sua última palavra e sob o foco das câmeras a cada conflito legal de grande envergadura. Falo desde a primeira instância onde brilharam nomes emblemáticos, como Salete Macalós e Denise Frossard.
Não faz muito, dediquei-me a idas e vindas ao STF. Era a reta final do périplo da minha lei que libertou escravos das “diárias” na praça de táxis do Rio de Janeiro. Que, a bem da verdade, foi decidida por 10 a 1 contra o voto do relator, Carlos Veloso.
  Ao ver aqueles debates onde o contraditório estava no próprio contexto da Carta Magna, formei a convicção de que a Lei é presa do julgador, até por conta dessa ferramenta que chamam de hermenêutica.  Porque tantas são as leis, como já no Século XVIII lamentava Montesquieu: “as leis inúteis debilitam as necessárias”. E mais:  “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda parte”.
Nestes dias, todas as atenções da opinião públicas estão focadas no STF, onde dez magistrados decidem se aceitam denúncias contra 40 figurões da República, acusados das mais variadas formas de corrupção e desvio de conduta. Por três dias, brilhantes advogados exerceram seus talentos com o único objetivo – livrar seus clientes de toda e qualquer acusação.
Temos, no entanto, um confronto de rito por conta dessa exceção que se estabelece em nosso país. Por envolver ex-ministros e parlamentares, o Supremo se converte em primeira e única instância - uma faca de dois gumes, uma responsabilidade redobrada, uma afronta ao princípio pétreo de que todos são iguais perante a Lei.

Justiça política


Mais do que qualquer outra instância, o STF é uma corte política, queira ou não o ministro Marco Aurélio. Políticas são, infelizmente, as indicações para suas cadeiras, independente de estarem entre eles alguns sábios; independente dos critérios “técnicos” e dos valores morais que cada um se atribui pelo peso de suas decisões.
Nesse caso, não há nada mais deprimente do que ler que a indicação do próximo ministro vem passando por negociações com o PMDB – Meu Deus, a quem confiar nossa sorte? Já imaginou o deputado  Eduardo Cunha negociando quem será catapultado para a 11ª cadeira da mais alta corte do  Brasil?
Esse ambiente preponderantemente político no topo do Poder Judiciário acaba por contaminar todo o seu organismo. O exaltado princípio do concurso público só existe para a primeira instância em função de concepções doutrinárias nunca questionadas. Na segunda instância, valem as listas tríplices, inclusive para quem nunca foi juiz. Na terceira, é o chefe do Poder Executivo quem escolhe.
No entanto, permita-se o parêntese, arma-se um tremendo escarcéu diante de um projeto que pretende efetivar servidores há anos no batente, que só querem o reconhecimento de uma situação de fato, tal como aconteceu com muitos de seus colegas. E querem exatamente em nome de sua condição real, servidores do Estado e não empregados de empresas particulares.
Ser barnabé, só por concurso e olhe lá. Ser ministro do Supremo, com cargo vitalício até aos 70 anos, vale uma boa indicação ou uma discreta negociação, que acaba sendo paga pelos contribuintes, como nesse jogo desesperado pela prorrogação da CPMF.
Isso tudo só serve para manter os cidadãos sob o império da insegurança jurídica, de onde a própria palidez do regime dito democrático. Como são manipulados, a estes não ocorre discutir a natureza dos poderes e as idiossincrasias dos seus titulares, reservando-lhes tão somente sofrer e torcer diante de cada situação apresentada. No direito, como no cotidiano, vive-se o hoje tal como está posto. O mais que se olha é para os personagens do proscênio. E deles se espera o que nem sempre está no catálogo.
A mim, importa saber o que o decidirão os dez ministros do STF sobre os 40 acusados no chamado caso do “mensalão”. Mas preocupa muito mais preservar a fé na Justiça, onde espero que meu filho, ainda envolto no mais belo dos sonhos, possa oferecer o melhor de seu caráter, de sua vocação inquieta e seu sentimento generoso.
Desejo, sobretudo, que os jovens como ele se entreguem às refregas do direito como uma sagrada missão, segundo os   ensinamentos de Sócrates que só queria levar seus interlocutores a perceber que o que sabiam do mundo e de si mesmos era muito pouco e que a condição de sábio  talvez só coubesse para os que sabiam que nada sabiam.

SÓCRATES, O

FILÓSOFO QUE INSPIROU OS JOVENS



Em função de suas idéias inovadoras para a sociedade, Sócrates atraiu a atenção de muitos jovens atenienses. Suas qualidades de orador e sua inteligência, também colaboraram para o aumento de sua popularidade. Temendo algum tipo de mudança, a elite mais conservadora de Atenas começa a encarar Sócrates como um inimigo público e um agitador em potencial. Foi preso, acusado de pretender subverter a ordem ocial, corromper a juventude e provocar mudanças na religião grega. Em sua cela, foi condenado a suicidar-se tomando um veneno chamado cicuta, em 399 C