quinta-feira, 24 de maio de 2007

JÁ ACEITAMOS O “ROUBA, MAS NÃO FAZ”

"Os políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir pontes, mesmo quando não há rios". Nikita Kruschev ,ex-secretário geral do PC da ex-União Soviética (1894-1971) Está desatualizado o jornal britânico “Financial Times” quando diz que o Brasil é o país do “rouba, mas faz”. Com essas cortantes revelações da “navalha” ficou claro que já aceitamos o “rouba, mas não faz” e a festa continua. É como aquela piada de dois deputados – um norte-americano e um brasileiro. O primeiro diz que a comissão por emenda do interesse de empresas lá é de 10%. O brasileiro diz que aqui é só de 30%. Em compensação, o empreiteiro não precisa fazer a obra. Estou brincando com fogo, admito. Fazer o que? Outro dia, o senador Agripino Maia disse que não precisava de CPI para os estragos da “navalha”. Já ontem deixou o dito pelo não dito. Por quê? Certamente a turma do deixa disso reavaliou. “É melhor trazer a investigação para dentro do Congresso e assumir o controle das informações antes que não sobre ninguém para contar a história”. Ciranda das gravatas No passado recente, não deu outra coisa. Mensaleiros, sanguessugas e assemelhados escaparam em massa pela porta da frente. Dois ou três pagaram o pato com renúncias ou cassações. Não mais. Todo mundo sabe que a Gautama não é a única a recorrer a propinas para ganhar obras e fazê-las a seu modo, de preferência não fazê-las. Desde que um dos primeiros presidentes da República disse que “governar é abrir estradas”, aproveitaram para abrir junto os cofres do Tesouro, chamado assim não é por acaso. No fervilhar de boatos, especulações, informações, sustos e faniquitos, já se disse de tudo. Metade de Brasília está com os nervos à flor da pele. A coisa chegou a tal ponto de que o que mais se discute é da legitimidade de ganhar gravatas de presente da construtora, mimos para sensibilizar corações, mentes e bolsos dos senhores dos podres poderes. Alguns políticos já têm até uma resposta na ponta da língua: “melhor ganhá-las do que furtá-las, como fez o rabino-chefe em Miami”. O problema é que com uma bela gravata pode vir um recheio para o bolso. Porque as gravatas não foram para todos. Logo os sem gravatas sentem os pescoços aliviados. E perguntam: Por quê aqueles foram os escolhidos? E as outras empreiteiras não fizeram nada? Só o Zuleido molhava as mãos para ter o dinheiro, com ou sem obra? É certo que o ministro Silas rodou, por causa dos cem mil que teria recebido em março. E o senador Romero Jucá, que destinou 94 milhões para as obras da Gautama? Onde? E Roraima, seu Estado? Segundo o Sistema de Acompanhamento Financeiro do Governo Federal (Siafi), o senador apresentou duas emendas para obras executadas pela Gautama: uma no valor de R$ 30 milhões, para construção de trechos rodoviários na BR-319 no Estado do Amazonas, e outra de R$ 64,3 milhões, destinada à recuperação de trechos rodoviários nas BRs-116 e 242, localizadas na Bahia. Ele alega que estava apenas atendendo a pedidos do Ministério do Planejamento. Agora sou eu que, humilde parlamentar, me pergunto: se é o Executivo quem manda a proposta orçamentária, por que precisaria de emenda ao seu próprio projeto? E não é só: segundo a organização “Contas Abertas”, o governo separou outros R$ 341,9 milhões para projetos com participação da empresa. Estamos assim diante de uma história mal contada. O ponto de partida Voltamos ao ponto de partida que tanto atormenta nossos preclaros políticos federais. Só na chamada “operação tapa-buracos” do Ministério dos Transportes, no início do ano passado, foram “recapeados” 7.200 quilômetros de rodovia SEM LICITAÇÃO. Aí foi mamão com açúcar. Isso fora os aditamentos nos contratos já existentes. E se há um vício que dá margem ao super-faturamento é essa química que chamam de aditamento. Há obras com até cinco aditamentos, isto é, acréscimos de custos acima dos valores licitados. E por aí vai. Em geral, as empreiteiras formam oligopólios. Quando eu fui secretário de Desenvolvimento Social da Prefeitura do Rio de Janeiro, fiz uma baita economia nas obras de creches ao desconhecer o critério “da bola da vez” estabelecida pela Associação dos Empreiteiros. Por esse acordo, o grupo escolhe previamente quem vai ganhar a próxima concorrência, para o que outras empresas entram com propostas mais elevadas. Na época, ouvia queixa de pequenas empreiteiras que ficavam de fora, conforme critérios estabelecidos na própria Lei federal 8666, que estabelece as regras para licitações. Em compensação, quem ganhava uma obra pública já sabia que tinha de morrer em 30%: 10% na licitação, 10% para a fiscalização (porque nunca as empreiteiras cumpriam as especificações) e 10% para receber (quem pagava era a Secretaria de Fazenda). E, em tempo de inflação, da velocidade do pagamento dependia a remuneração compensadora. Tudo isso era incluído num item da proposta chamado BDI – Boletim de Despesas Indiretas. Particularmente, não acredito que haja vontade política de ninguém para dar um chega pra lá no sistema de propinas. Ele é parte do salário real de uma autoridade (exceções ainda existem) de quem decide na compra de serviços, ou dos políticos que fazem as indicações, como disse com todas as letras o ex-deputado Roberto Jefferson no Conselho de Ética da Câmara Federal. Também, como enfatizou o presidente Luiz Inácio, um ministro de Estado ganha apenas R$ 7 mil de salário no contra-cheque – enquanto uma ex-secretária municipal do Rio foi ser presidente da CSN por R$ 200 mil mensais. Há levantamentos especializados de que os executivos brasileiros das grandes empresas ganham em média R$ 110 mil reais por mês. Não acredito, mesmo depois da patética reunião dos líderes de 19 partidos com o presidente da Câmara, os quais repetiram mais de uma vez que ou se fazia algo contra esse estado de corrupção consentida ou a classe política será uma espécie em extinção. “Se algo não for feito com muita coragem, acaba o mandato parlamentar” – declarou, dramático, o deputado José Múcio, líder do governo. Em todo caso, como sempre digo, uma dia a casa cai. Quem tiver juízo fará qualquer coisa para adiar esse dia. coluna@pedroporfirio.com

sexta-feira, 18 de maio de 2007

PREVIDÊNCIA: UM NOVO ATAQUE À VISTA

"Meu filho... o que venho passando eu não desejo pro meu pior inimigo. Hoje eu não tinha o que comer:... pão... três dias sem... leite apenas... comida... acabou tudo. E ainda tenho aquela dívida pendente." (Carta de uma comissária da Varig licenciada pelo INSS ao filho)
Prepare seu coração porque estão falando com muita insistência sobre uma terceira "reforma da previdência". E, pelo visto, boa coisa não vem por aí, apesar de uma ligeira mudança no discurso do presidente Luiz Inácio. Enquanto ameaçam com novas amputações nos direitos garantidos pela previdência pública, os fundos de pensão complementar começam a dar sinais de insegurança e os planos privados de aposentadoria, geridos pelos grandes bancos, festejam um inchaço de fazer inveja. Particularmente, por mais que especule, não sei o que podem fazer desfigurar mais ainda o sistema público de previdência, que é o único que funciona com 100% de segurança e se algum problema registra é decorrente de más gestões e de uma estrutura paquidérmica, que torna seu controle interno praticamente impossível. Pelo que observei ao longo desses últimos anos, há interesses poderosos mobilizados para obter ganhos com o esvaziamento da previdência pública, que contam com aliados em todos os governos e no Congresso. Quem faz a festa Essa ofensiva contra o modelo de previdência que adotamos, baseado na solidariedade entre gerações, acontece em vários países do mundo. Há todo um arcabouço de captação de poupança de olho nos sonhos de uma aposentadoria digna, que minimize as perdas com a aposentadoria. Aí estão os esfuziantes resultados anunciados pelos bancos: o mercado de previdência privada registrou crescimento de 20,2% no primeiro trimestre. O valor pago pelos brasileiros desde janeiro para os fundos de previdência privada chegou a R$ 5,977 bilhões, contra R$ 4,972 bilhões no primeiro trimestre do ano passado. Os dados fazem parte de balanço da Federação Nacional da Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), que representa 83 empresas de previdência privada e seguro de vida. A procura por planos do tipo de VGBL (indicado para o investidor que não declara imposto pelo modelo completo) cresceu 30,24%, passando de R$ 3,073 bilhões no primeiro trimestre de 2006 para R$ 4,003 bilhões no mesmo período de 2007. Já o PGBL - ideal para quem declara Imposto de Renda, por permitir dedução de até 12% do valor devido à Receita Federal - captou R$ 1,114 bilhão, o que representa avanço de 1,93%. A captação dos planos tradicionais subiu 7,21%, com valor total de R$ 856,57 milhões. Os outros produtos de previdência (FAPI, PGRP e VGRP) captaram R$ 3,445 milhões (queda de 51,52%). É bom que você observe que o próprio Tesouro, que se apropria de boa parte das rubricas destinadas à previdência pública, abre mão de 12% do Imposto de Renda devido para que esses valores sejam desviados para os fundos privados de previdência. Temos aí, para ser didático, uma "jogada ensaiada": recursos como a contribuição sobre o líquido das empresas e Cofins, que se destinaram ao caixa previdenciário, são retidos no Ministério da Fazenda; ao mesmo tempo, 12% do que iria para a arrecadação com o Imposto de Renda vão para os fundos privados. Quem não sabe do amanhã Já os fundos de aposentadoria complementar, como no caso do Aerus, deixam de cumprir suas obrigações com seus participantes em função de problemas com as empresas patrocinadoras e os aposentados não têm para quem apelar, já que eles são autorizados a captar recursos sem as garantias de um resseguro, como acontece nos Estados Unidos. Quem pensa que os fundos que levam ao desespero aposentados da Varig, Transbrasil e Vasp são os únicos em crise, não tem idéia do que acontece de fato. E não é por acaso de fundos poderosos, como o Petrus, o segundo maior do País, investem pesado na revisão do seu contrato: a partir de agora, mais de 70% dos seus participantes estão trocando o plano de "benefício definido" pelo da "contribuição definida", isto é, a certeza de que teriam 90% do salário ao aposentar-se pela incerteza ampla, geral e irrestrita. Sobre a aposentadoria complementar, o advogado Roberto Mohamed fez um oportuno alerta em artigo publicado no "Monitor Mercantil": "O sistema fechado é hoje sinônimo de impunidade, irresponsabilidade e tráfico de influências políticas ou financeiras. Até os fundos patrocinados por empresas privadas apresentam problemas, como é o caso do Aerus, integrado pelos funcionários do Grupo Varig. Sucessões de intervenções desastrosas e diretorias desonestas levaram a insegurança a se tornar cotidiana na vida de milhares de aposentados que dependem desses fundos para seu sustento e de suas famílias. Mas quem é o grande responsável por isso? O Portus, fundo de pensão dos empregados das companhias Docas, quase todas estatais controladas pela União, é o maior exemplo da irresponsabilidade coletiva na administração do patrimônio popular. Administrado por uma mesma diretoria por oito anos, o fundo foi alvo de duas auditorias da SPC. Na última, os auditores expressamente pediram o afastamento da diretoria após detectar mais de R$ 250 milhões desviados do patrimônio da entidade. E o que fez a SPC? Advertiu a diretoria pelo Diário Oficial. Foi preciso a denúncia dos sindicatos e da imprensa para que a diretoria fosse afastada e um interventor nomeado. Descobriu-se que o rombo chegava a mais de R$ 400 milhões em investimentos mais que suspeitos. A penalidade aplicada aos diretores? Multas de R$ 6 mil para cada um. O Ministério Público Federal, instado a abrir inquérito para apuração de responsabilidades, manifestou-se em dúvida se haveria dano ao patrimônio público e o inquérito encontra-se parado aguardando o julgamento dos recursos administrativos dos ex-diretores na SPC. É difícil entender como lesar o patrimônio de quase 15 mil portuários e suas famílias, cidadãos que confiaram no sistema de previdência complementar fiscalizado pelo governo, não é considerado crime contra a economia popular pelo MP. Ou será que o Ministério Público não defende mais os interesses difusos e coletivos? Mas o que importa é que, com essa omissão e com a lentidão da SPC, quem vem pagando a conta são os trabalhadores portuários aposentados". Para além do calote do Aerus, há toda uma crise latente nos fundos complementares, na medida em que sua existência já está associada ao desempenho das empresas patrocinadoras: se essas derrapam, infelizmente, os primeiros a sofrerem as conseqüências são os aposentados. Pode? coluna@pedroporfirio.com

segunda-feira, 14 de maio de 2007

A “SOMBRIA TORMENTA” QUE ABALA A IGREJA CATÓLICA

"Uma sombria tormenta balança a Igreja. Terríveis leis atacam a santidade da família, e as uniões civis a desintegram. Os jornais e a tv zombam do casamento e da virgindade" Papa Bento XVI, na fala aos bispos latino-americanos em Aparecida. No dia 13 de maio de 2006, a Rádio Vaticano soou o alarme: “O número de católicos no Brasil encontra-se em queda acentuada, estimando-se que um em cada cem fiéis abandone a Igreja, em cada ano”. A notícia, que pode ser conferida em www.oecumene.radiovaticana.org/por/Articolo.asp?c=78655, inclui uma opinião do cardeal de São Paulo, dom Cláudio Hummes, em cuja diocese os que se diziam católicos caíram de 78,7% da população em 1991, para 68,4% em 2000: “Ainda estamos muito longe de chegar até os jovens nesta cultura pós-moderna, consumista, em que devemos dar maior atenção à juventude, especialmente a que vive nas periferias das cidades". Analisados por quatro especialistas da PUC-RJ no livro “Religião e Sociedade em Capitais Brasileiras”, esses dados serviram para definir a visita espetaculosa do Papa a São Paulo e Aparecida do Norte, onde passou quatro dias com uma agenda que incluía a canonização do primeiro santo brasileiro em 500 anos, sob intensa cobertura de toda a mídia. A verdadeira preocupação No caso do Vaticano, a preocupação é muito maior do que emerge à superfície. Não se trata apenas de considerar aspectos quantitativos. Mais grave é constatar que a relação dos fiéis com a Igreja se dá à distância, por tradição, sem que as palavras dos padres sejam respeitadas como antigamente. Aliás, a falta de padres é outro problema grave: o bispo de Lages (SC), dom João Oneris Marchiori, concluiu que a carência de sacerdotes contribui para a perda de fiéis. Neste momento, pelo menos 1.200 igrejas estão sem padres. Já sem reservas na Europa, a Igreja Católica no Brasil passou a recorrer a diáconos – sacerdotes casados que só não podem rezar missa, dar a extrema unção ou ouvir confissões. Frutos do Concílio Vaticano II, que os admitiu a partir de 1968 (No Brasil muitos anos depois), esses clérigos representam algo em torno de 17% dos sacerdotes disponíveis, que somam pouco menos de 19 mil para uma população de 178 milhões. Para Aldo Natale Terrin, professor de Etnologia Religiosa e História das Religiões da Universidade Católica de Milão, A Igreja teria menos problemas se não insistisse no celibato. Segundo Terrin, ela não deveria trabalhar apenas com os diáconos para resolver o problema da falta de sacerdotes. Poderia aproveitar também os padres casados, obrigados a abandonar suas funções. O Vaticano acredita que existam 400 mil padres católicos em todo o mundo. O número de sacerdotes que abandonaram a batina para se casar chega a 150 mil. No Brasil, estimativas indicam que eles representem um terço dos atuais 18.685 padres. "As autoridades eclesiásticas erram ao afastar os casados do sacerdócio e manter aqueles que têm amantes do mesmo sexo, ou do oposto, ou os que cometem abusos sexuais e pedofilia" - disse Terrin - "No Brasil, cerca de 50 % dos sacerdotes brasileiros têm amantes. Esta prática de não cumprir o voto de castidade está se espalhando pela Europa e pelos Estados Unidos, e a igreja não faz nada”. Tropeços traumáticos Vê-se por esses depoimentos que a ira do Papa tem muito mais a ver com questões internas de sua instituição, que já passou por tempos escabrosos quando maior era seu poder. Traumática é a lembrança do Papa Bento IX, coroado aos 12 anos no outono de 1032, como terceiro dos filhos de um potentado italiano que comprou o papado (Só a partir de 1059 os cardeais passaram a eleger o sucessor de Pedro). Depois de patrocinar a devassidão no Vaticano, incluindo a instalação de um bordel que se nutria de moças raptadas, Bento IX apaixonou-se por uma jovem, cujo pai só permitiu o casamento com a condição de que largasse o trono, o que fez, vendendo-o por 1200 libras de ouro a um cardeal romano, que se tornou o Papa Gregório VI. Bem que eu poderia contar histórias do arco da velha sobre as máculas da igreja Católica descarregadas sobre os fiéis, mas este não é o espaço adequado e nem é meu propósito atingir uma instituição tão importante para toda a humanidade. Nisso não tenho dúvida: a fé é inerente às pessoas, é necessária, e são as igrejas que têm a maior responsabilidade na difusão da esperança representada pela vida após a morte, pela força divina e pelos valores religiosos. Se não acreditasse em Deus, o ser humano comum seria ainda mais infeliz do que é em face dos percalços de toda natureza, sejam econômicos ou existenciais. É na busca da aproximação com Deus que os homens e mulheres encontram respostas afirmativas para seus dramas e suas dúvidas. Daí a comoção provocado pela visita de um Papa, hábito inaugurado por João Paulo II. Afinal, como reza a cartilha, ele é o soberano da Igreja que encarna o sacrifício de Jesus Cristo, o filho de Deus. Ao reportar-me com indignação ao discurso da intolerância de Bento XVI e ao relatar alguns momentos da história da Igreja, imagino estar oferecendo uma contribuição à verdade. E não há nada mais sagrado do que a responsabilidade de dizê-la, mesmo contra o vento e as ondas da hora. É preciso que você, católico ou não, saiba que se a Igreja fecha os olhos para a realidade, tentando impor o que ela mesma não pratica, não está servindo a Deus, mas a seus interesses de Estado. Pio XII, acusado de tolerância com o nazismo, fez dos seus irmãos e sobrinhos príncipes italianos, usando o poder de "príncipe máximo" do catolicismo. Um desses sobrinhos, o príncipe G. Pacelli, foi presidente de uma grande indústria química italiana, que fabricava explosivos e anticoncepcionais, ao mesmo tempo em que "sua santidade" pregava a paz mundial e condenava o controle da natalidade. Para além do espetáculo e da novidade, a visita do ex-cardeal Ratzinger será rapidamente esquecida, porque nenhum brasileiro vai se deixar acorrentar por seu scrpit. Antes, ao contrário, o que sustentará a fé será exatamente a liberdade de respeitar sua própria natureza, e a liberdade é o maior valor da sociedade humana. coluna@pedroporfirio.com

sábado, 12 de maio de 2007

O PAPA DA INTOLERÂNCIA

Cada um tem o direito de ter sua religião Minha coluna no POVO do Rio de Janeiro de 12 de maio de 2007 Houve um tempo, no período do Império, em que a Igreja católica fazia parte do poder e dava as cartas. Nada podia ser feito sem o consentimento dos representantes do Vaticano. Com isso, quem não rezasse pela cartilha dos padres não podia aspirar uma posição na sociedade. Então, praticamente, não havia culto evangélico. Assim mesmo, os poucos que ousassem demonstrar simpatia pela reforma de Lutero eram discriminados. As religiões afros restringiam-se à senzalas. E também sofriam forte repressão, como se fossem coisas do demônio, magia negra. A grande adversária era a maçonaria, que tivera papel preponderante na independência e tinha à frente do ministério, em 1872, o visconde do Rio Branco, maçom importante. Na época, muitos padres também freqüentavam a maçonaria e isso ia dar num tremendo qüiproquó, quando o Papa Pio IX, valendo-se do bispo de Olinda, Dom Vital, de apenas 27 anos, mandou bater de frente com essa irmandade. Com a República, Aconteceu o que todos desejavam: governo para um lado, Igreja para outro, cada um cuidando do que lhe dizia respeito. Iniciamos então o “Estado laico” com liberdade de culto e tudo o que a democracia exigia, embora persistisse a influência do clero em tudo. Em outras palavras: a igreja católica não assimilou os novos tempos. Decidia quem podia e quem não podia ser votado e como até 1950 em sua esmagadora maioria o povo se considerava católico, continuava mandando e desmandando. Quando os meios de informação se ampliaram, a coisa foi mudando. O ensino religioso passou a ser obrigatório apenas nos colégios católicos. Os evangélicos, que tiveram como pioneiros no ensino os batistas, passaram a oferecer aos alunos sua própria leitura da Bíblia. O Brasil passou a ser então um dos paraísos da liberdade religiosa. Até mesmo as perseguições policiais aos terreiros de macumba foram desaparecendo e hoje um dos acontecimentos mais bonitos é a festa de Iemanjá, na véspera do ano novo. Como isso é algo que vai bem por aqui, como cada um pode ter sua religião ou até não ter nenhuma, vem agora o Papa Bento XVI e propõe uma volta no tempo. Quer que o Brasil seja novamente atrelado à sua Igreja. Pode? É sobre isso que falarei amanhã.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

O PAPA, A RELIGIÃO E A SOBERANIA NACIONAL

PEDRO PORFÍRIO coluna@pedroporfirio.com Uma visita sob o signo da intolerância "Se as pessoas são boas só por temerem o castigo e almejarem uma recompensa, então realmente somos um grupo muito desprezível". Albert Einstein, físico alemão (1879-1955) O que o chefe da Igreja Católica, Apostólica e Romana veio fazer no Brasil? Papa desde 19 de abril de 2005, depois de dirigir a Congregação para a Doutrina da Fé (sucessora dos tribunais da inquisição), o cardeal alemão Joseph Ratzinger chegou com a síndrome da maldição numa hora em que se espera uma palavra de paz e se reclama o mínimo de transigência e o máximo de diálogo da parte de todos. Já ao chegar, não fez por menos. Ameaçou com a excomunhão a todos os que divergirem da posição do Vaticano sobre a interrupção da gravidez. A excomunhão é parte do entulho inquisitorial que podia significar a ruína dos cristãos naqueles idos em que o Vaticano exercia todos os poderes sobre o mundo ocidental. Por que o Papa Bento XVI recorre agora ao anátema, numa intervenção indevida sobre uma discussão que mal começa a se travar no interior de uma nação soberana, de Estado laico e com uma problemática social visível? Chefe do Estado do Vaticano, o Papa não pode perder de vista que sua palavra não tem imunidade transnacional, em que pese a chefia absoluta da religião católica. Ele pode afirmar os valores que sustentam a filiação religiosa, segundo os estatutos de sua igreja. Pode até repassar sobre sua estrutura clerical as ordens de comando, segundo os dogmas da infalibilidade que blindam seu trono. No velho regime político da Igreja Católica, seus bispos, cardeais e demais autoridades em todos os países são nomeados por uma espécie de monarca todo poderoso. É da tradição e não me cabe aqui questioná-la, até porque não freqüento seus ofícios. Sobre esses representantes do Vaticano, pode o Papa impor sua lei. Afinal, ninguém é obrigado a ser padre, freira ou fiel. Quem o é provavelmente sabe da sobrevivência dessa autoridade incontestável, por ser o “santo padre” ou o sumo pontífice. Daí a entrar numa polêmica que exige o máximo de responsabilidade com o chicote do castigo vai uma grande distância. Os costumes são outros Desde 1950, a igreja católica vem experimentando um declínio entre seus adeptos em todo o mundo. No Brasil, não consegue sequer impor sua disciplina a uma população que ainda é majoritariamente católica. Algumas de suas exigências já não são levadas a sério: aí estão os milhares de divórcios, a vida sexual antes do casamento, as paradas maciças do orgulho gay e a ausência aos cultos litúrgicos obrigatórios segundo seus regulamentos. Ao longo desse processo de migração de católicos para denominações evangélicas e até mesmo para o desinteresse em relação aos cultos organizados, a Igreja não soube produzir nada que alcançasse algum tipo de resgate. Faltou ao clero, sob controle do Vaticano, dar continuidade às reflexões do Concílio Vaticano II e aos avanços promovidos no pontificado de João XXIII. Quando mudou a liturgia da missa, rezando-a em idioma local de frente para os fiéis, a Igreja católica deu um pequeno passo para assimilar o respeito às características de cada povo. Embora seja mais tolerante em relação aos seus clérigos do Oriente, O Vaticano continua querendo ser o único centro do pensamento católico. Até hoje, tudo gira em função de suas bulas papais e de suas encíclicas. A inserção de dioceses ou prelazias na discussão livre dos problemas concretos dos cidadãos ainda é pontual ou temporária. Isso leva a um isolamento de fato, a uma relação simbólica entre a Igreja e os fiéis. Nessa questão do aborto, na resistência ao uso de embriões humanos para salvar vidas e curar doenças, a Igreja corre o risco de submeter-se a uma farsa: o mesmo católico que se diz contra o aborto nada faz contra sua prática na ilegalidade, com suas conseqüências fatais sobre as mães desesperadas. Mais grave, porém, é que o Vaticano opõe-se a qualquer método anticoncepcional que não seja a abstinência. Com isso, torna-se o maior aliado do aborto em países como o Brasil, onde 67% das mulheres desconhecem qualquer método preventivo. Em nome de seus dogmas obsoletos, que ninguém leva a sério, imagina tolher a vida sexual natural e não admite sequer que nem os casais de papel passado usem contraceptivos, quando qualquer um sabe que a vida conjugal se torna impraticável à falta do prazer de uma relação. Homicidas poupados Quando o Papa vem a um país reafirmar a mais absoluta intolerância diante da autonomia do corpo, que nada tem em relação às questões da fé, ele demonstra um estado de desespero de todo o clero e prenuncia até mesmo a possibilidade de uma mudança latente entre seus adeptos. É como se estivessem recorrendo a um tiro de canhão para matar uma formiga. O Papa não existe para servir de policial das exigências morais que não se fundam nos próprios valores do bem. Faria muito melhor Bento XVI se falasse às almas daqueles que praticam crimes perversos, roubam, corrompem ou se corrompem. O Papa ameaça excomungar quem defende o aborto de um embrião – mas não promete o mesmo “castigo” para os que roubam vidas humanas de adultos e crianças ou produzem as condições que forjam esse clima de injustiças e exploração, pai dos atos de perversidade que a sociedade já não agüenta mais. A impressão que Bento XVI passou à sua chegada é que veio a fim de incrementar mais polêmica, mais brigas, para desconforto dos que estão responsavelmente preocupados com o caos social decorrente da explosão demográfica. Por tal intransigência, a Igreja Católica perdeu sua mística na Europa, onde o aborto é legal e as relações entre parceiros do mesmo sexo já são oficiais em países como a Espanha, de tradição religiosa inquestionável e onde muitos mosteiros viraram hotéis e atrações turísticas. O pior que se pode fazer à figura de um chefe de uma religião de penetração em centenas de países é transformá-lo em agente de ameaças exóticas e despropositadas. No Brasil, queremos sim, no mínimo, discutir com liberdade assuntos que nos dizem respeito, enquanto sociedade soberana. Tentar transformar em religiosa uma questão de saúde pública, valendo-se do seu cajado, é uma atitude inábil, intolerante e intolerável. Não é da missão de um visitante, mesmo sendo o Papa.