quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Por que a verdade dói e está fora de moda

“A verdade é filha do tempo e não da autoridade” Bertold Brecht, dramaturgo alemão (1898-1956) Houve um tempo em que uma pitada de verdade não fazia mal a ninguém. Hoje faz. Do jeito que a banda toca você não pode ousar falar nem uma meia verdade. Nem um tiquinho, nada que possa ameaçar o circo da mentira que se instalou em nosso torrão. Exagero na dose? Quisera. Aliás, como eu gostaria de estar errado. Mas infelizmente, na maioria das vezes, não estou. Principalmente porque vivo neste país tropical abandonado por Deus e hipócrita por natureza, que vileza. Aqui, mais do que em qualquer outro rincão, a verdade dói. E dói tanto que o que mais se ouve nas esquinas, em atos e omissões, é o “me engana que eu gosto”. Você quer o quê? O Brasil não cresce na economia, mas na política dão nó em pingo d’água. E não é só na política, não. Teve poder, tem tudo. Do bom e do pior. E tudo muda a cada instante, ao gosto ou desgosto de quem dá as cartas. Vige numa boa a jurisprudência de que toda verdade tem seu preço. Porque puseram você numa saia justa blindada. Você pensa que ouviu o galo cantar, mas nem isso. Antes você não sabia aonde. Agora, nem as galinhas, porque puseram as raposas para tomar conta dos galinheiros. Recorrendo a metáforas Metáforas? Sim, como nos tempos da censura sem pudor. Agora, tudo é por baixo do pano. Eles têm o controle do seu hipotálamo, da sua hipófise. Operam sobre sua memória, devidamente miniaturizada. Como falou o velho mudo, está tudo dominado. Vale o escrito hoje. Jornal de ontem já não serve nem para embrulho. É perigoso querer destoar. Ou te mandam calar a boca ou te mandam para o olho da rua. Foi o que me ensinou o meu filho, jornalista que nem eu, mas que passou por uma faculdade (sou do tempo em que escrever era vocação) e ainda faz ginástica na capital federal, o centro do furacão, onde quem bobeia dança e não consegue mais dar a volta por cima. - Nunca deixem que saibam que você sabe. Pega leve, banca o bobo, deixa que pensem que você só leu os manuais da redação. Passar disso é dar murro em ponta de faca. Paul Joseph Goebbels, o marqueteiro do Führer, não inventou a roda quando disse que uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Aqui, aliás, basta repetir uma meia dúzia de vezes, sobretudo se for pela televisão, essa máquina plenipotenciária de embaralhar os cérebros seriados. O trágico é o tamanho do estrago. Antes, a mentira ficava na paróquia. Hoje, com toda essa parafernália cibernética, pega a aldeia global num piscar d’olhos. Para assaltar o Iraque de olho no petróleo que ainda não estava à flor da terra, mister Danger - batizado George WALKER Bush – convenceu a você e a meio mundo que Saddam Hussein desenvolvia um programa de armas químicas e biológicas. Você pegou pilha e ficou na sua, achando que aquela agressão era para a salvação da civilização ocidental e cristã. Meteram bala, vasculharam casa por casa, e nem um papelote de urânio. Em compensação, o mentiroso mais perigoso do mundo fez a festa dos fabricantes de armas e das empresas petrolíferas, para as quais presta relevantes serviços, pagos a peso de ouro. Agora, por conta dessa mentirada toda que não toca seu cérebro programado para ver inimigos ali do lado, junto à fronteira, o cidadão-contribuinte norte-americano vai pagar uma baita conta. Os gastos militares dos Estados Unidos no Iraque e Afeganistão já beiram o trilhão de dólares, superando a conta paga na fracassada guerra do Vietnã. Enquanto isso, a indústria bélica vai esquentando as turbinas pelo lado de cá, com a mudança no mapa político da América Latina. E não é para menos: John Negroponte, o monitor da política externa norte-americana (a Condoleezza Rice é uma piada) está mexendo seus pauzinhos na formatação de um novo monstro, o moreno peitudo contra o qual se alça o próprio racismo inconsciente da América branca. Mas a exploração da ausência do apreço pela verdade não é exclusiva das manobras internacionais. Até num microcosmo do poder, trabalha-se com as ferramentas mais sofisticadas para impingir o triunfo da mentira, a destruição das últimas pedras da dignidade. Medo de dizer Há todo tipo de moeda na praça, da pecúnia sonante à exploração da maldita vaidade humana. Quanto mais inacessível for o antro da decisão, a maiores riscos estão expostos os simples cidadãos. Certas coisas eu não quero nem falar hoje, mas, decididamente, o alcance da impostura institucionalizada é uma questão de mercado. Como você está confinado num cárcere privado e de nada sabe por inteiro, sou forçado a dizer, com todas as letras, que não sinto diferença no clima que respiro hoje em relação àqueles anos que me valeram cadeia que só lamentam da boca para fora. Eu particularmente escrevo com medo porque superpuseram a lei dos danos morais sobre a lei de imprensa, submetendo a liberdade de expressão a uma peça morta, escondida na teia de uma Constituição fragilizada e vilipendiada todos os dias. Eu bem que queria dar um grito que está parado no ar. Mas se eu for além das quatro linhas, vou ficar no prejuízo. Já fui condenado num juizado especial a pagar uma indenização de danos morais para o sujeito que queria falar numa manifestação organizada por mim e eu não permiti. E você enche a boca para falar mal de outros países, cheio de ilusões sobre a idéia de que vivemos num democrático mar de rosas. O único problema, para você, é a paranóia que os amontoados de miseráveis lhe causa. Daí essa violência de Estado que extrapola os limites da razoabilidade. A pretexto de nos garantir segurança, que não percebemos nem como sensação, estão fazendo por aqui a nossa própria guerra, sem considerar, pelo menos, a Convenção de Genebra. Se eu remexer nisso, você, que já sai de casa com um pé atrás e com medo da própria sombra, vai achar que estou do outro lado. Enquanto isso, a crônica dos nossos dias vai ficando cada vez mais turva, pelo menos para mim. Eu já não sei se calo a boca ou se ponho a boca no mundo, até porque esses poderes têm ouvidos moucos enquanto a opinião pública virou uma mera repetidora das microondas de uma mídia pautada pelo mercado, o que dá ibope, o que repercute ou entra mais fácil nas nossas caixolas descuidadas. PS – Esta coluna foi publicada na TRIBUNA DA IMPRENSA de 16 de novembro de 2007. Durante o “feriadão” do carnaval, dediquei-me à leitura de muitas coisas, inclusive alguns dos meus escritos. Daí a idéia de republicá-la, por sua atualidade.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Para não dizer que não falei do carnaval

O carnaval de hoje é das estrelas que mostram suas virtudes na pista. No passado, a alegria era geral.
“Se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente em pleno carnaval”.
Vinícius de Moraes
“O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São estas as suas duas fontes de sonho”. Carlos Drummond de Andrade "O carnaval é basicamente um movimento diluidor da rebeldia”. Affonso Romano de Sant'Anna
Apesar da ampla e diversificada repercussão da coluna sobre os maus presságios que rondam o PDT como um espectro agourento, é de todo impossível escrever sobre qualquer coisa que abstraia o grande acontecimento nacional: desde ontem, os bravos cidadãos brasileiros estão às voltas com a semana momesca, de onde nada há a declarar que venha a desprezar os encantos dessa catarse sazonal compensatória de transcendia explícita. Semana, sim, que vai de quinta a quinta, no mínimo. Porque já nesta sexta-feira será impossível encontrar uma viva alma envolta numa faina mais embaraçosa. Nessas horas, não há parâmetros sociais. A transmudação para um outro reino, fantasioso ou simplesmente relaxado, está no mais anêmico dos sangues pátrios. É a trégua cega, que a todos seduz como uma mescla de todas as manifestações do corpo e da alma. Não há explicação lógica. Não há preocupação com crises ou quinquilharias semelhantes. Pode ser que essa “libertação” temporária acometa outros povos do mundo, nesta ou em outras efemérides. Mas por estas terras tropicais e lânguidas, a ascensão do rei gorducho tem o condão da esbórnia ansiada como a panacéia de todos os sofrimentos pretéritos e futuros. A esbórnia ansiada É algo que qualquer filósofo, cientista político ou outro tipo de mago terá visíveis dificuldades para explicar. Porque o carnaval é um paradoxo existencial: quanto mais escapa ao populacho, quanto mais é privatizado como espetáculo para inglês ver, mais a massa subalterna se sente comprometida, numa sintomática assimilação de uma sociologia de conformismo extremado. O carnaval de hoje não tem mais nada com o entrudo d’antão. Não oferece mais o palco iluminado para os folguedos espontâneos no desvario dos corpos movimentados em alegres cordões, nos blocos formados ao acaso, com o seu humor cortante. Pode até ser que aqui e ali ainda haja sobreviventes da alegria descompromissada, que a tantos compositores inspirou na ficção dos pierrôs e colombinas. Mas esses podem estar desafiando a industrialização da festa, expondo-se ao ridículo e ao isolamento. O que nesta cidade carioca se busca avidamente é uma oportunidade para estar no cenário central, seja entre os foliões que pagam para sair nas endeusadas escolas de samba, seja morrendo numa boa grana para ter direito a ver os desfiles de perto, ao vivo e a cores. Nesse palco já por si seletivo ainda existe o carnaval exclusivo dos camarotes milionários, onde rola tudo, até, de vez em quando, um pouco de samba no pé. São os espaços comprados por grandes marcas de bebidas e outros produtos que caem bem para o consumidor nesse ambiente de exibicionismo incontido. Como espetáculo transmitido para o mundo inteiro pelas cores da televisão, não há grandes diferenças entre este e os carnavais que passaram. No momento, além dos faturamentos por dentro e por fora, os donos das escolas passaram a vender patrocínios, em função dos quais montam seus enredos e dispõem suas alas e carros alegóricos. É a exploração do mercado elevada ao extremo. Aquela que se diz a maior festa popular do mundo é uma grande fraude que, além de tudo, embranqueceu. Fraude como tantas outras que viraram entidade monitora dos nossos hábitos e costumes, como ferramenta indispensável em todos os ramos da manifestação social, política e econômica. A saga dos fugitivos Fora da catedral privativa dos sambas que repetem as mesmas melodias e abusam de lugares comuns e clichês em suas letras direcionadas, há a maratona dos fugitivos. O Estado do Rio de Janeiro, como nenhum outro aglomerado do mundo, oferece exílios dourados aos que não quiserem ouvir o ronco das cuícas. Para o norte e para o sul há praias e balneários paradisíacos. Mas não é só isso. As serras próximas oferecem o cerne de uma natureza generosa e exuberante. Vale a pena fugir e isso não é privilégio dos que buscam as ilhas de Angra dos Reis, as praias de Búzios ou a paisagem verdejante de Petrópolis e Friburgo. Apesar das estradas proibitivas, como a Rio-Santos que leva á costa verde e nos coloca de cara com a histórica Parati, há uma corrida febril em busca da festa do interior. Nessa expedição, todos já sabem que terão de penar antes de chegar ao destino, tantos são os interessados em espreguiçar à distância, onde o mar é mais misterioso ou onde as centenárias árvores dão os tons calmantes de um ambiente distante das neuroses urbanas. Não interessa a ninguém, nem aos que ficam para ver ou para se exibir, nem aos que se mandam pelos duvidosos caminhos engarrafados, qual o preço será pago por esses dias de folgança. Vive-se uma trégua na guerra de uma realidade incerta e isso é tudo. É de tal forma a ascendência desses dias que não sei quantos ainda, como este obcecado que lhes escreve, vão se dar ao trabalho de abrir o computador para ler estas mal traçadas linhas. Ou para procurar saber a quantas anda a vida neste mundo de tramas pérfidas e esmagadoras.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Um PDT perdido no espaço, como um asteróide sem luz própria

O fantasma de Lula condiciona Lupi, o ministro do PDT
“O Brasil está como sopa na geladeira. Formou-se uma camada de gordura por cima que a torna intragável”. Leonel Brizola Um PDT perdido no tempo e no espaço, como um asteróide sem luz própria, em mergulho cego e constrangido pelas meias patacas que persegue sob o instinto de um olfato contaminado pelo odor dos podres poderes, em cujos arrabaldes instala-se como à espera de um melancólico desenlace. Um partido cada dia mais distante de seu grande emblema, de costas para a rebeldia que inspirou oito décadas de combate. Um espelho fosco de uma opção desfibrada e sem horizonte. Um corpo anêmico, um cérebro miniaturizado, destituído dos ingredientes críticos e inspirações transformadoras, ao sabor do humor de uma corte ladina e de hábitos pérfidos. Uma legenda de destino ínvio, cortado ao meio, tentando valer-se de arquivadas lembranças do passado para exibir um diferencial já detonado e atropelado pelas poucas prebendas que lambuzam os corifeus de uma ópera bufa, composta pela fina flor da mediocridade e do oportunismo. Foi essa a imagem que apareceu na tela da televisão no programa político do Partido Democrático Trabalhista, onde por tantos anos um caudilho indômito – certo ou não – oferecia ao povo sua visão própria, muitas vezes solitária, mas sempre desassombrada, de um Brasil que prezava como nação soberana e de uma sociedade que desejava a mais justa possível. Sinceramente, não era meu propósito tocar em assuntos tão irrelevantes para o destino de uma humanidade que se contorce em dúvidas atrozes, numa crise arrasadora. Não queria mais perder o meu tempo, nem gastar o meu latim com lamentos ante ouvidos que só ouvem o canto da sereia e olhos embaçados pela fumaça da chaminé dourada, numa hora em que não há uma viva alma disposta a encarar a profissão política como uma missão transcendental. Mas não é lícito proteger-se no silêncio ao ver donatários de um legado histórico, muitos parceiros em tenebrosas procelas, marcharem impávidos para a fornalha que os reduzirá a reles pigmeus tolhidos em pensamentos e atos, privando o povo de hoje e de amanhã de uma cidadela construída a sangue, suor e lágrimas. Um programa mal-inspirado O que disseram os poucos próceres do PDT que chegaram às casas de milhões de brasileiros no topo da audiência na tv? O senador Cristóvão Buarque, educador brilhante, ficou nos velhos clichês que sua apatia ancora. Falou da educação como se não a tivesse tido às mãos e do projeto da escola de tempo integral que os primos petistas (ele foi um deles) solapam como uma encomenda d’além mar. Não fez a crítica central: a grande tragédia está na concentração das verbas oficiais no terceiro grau, no abandono do ensino fundamental e no gargalo do ensino médio, em função do que os alunos das escolas públicas precisam recorrer à janela das cotas para ter acesso a uma faculdade do Estado. Mais ainda: está na pedagogia da repetência, de que se valem as elites para limitar a presença dos pobres nos bancos escolares, garantindo a mão de obra subalterna, farta e barata. Não tocou no assunto porque sabe, por experiência proporia, pela passagem no Ministério da Educação, das verdadeiras intenções de um governo atrelado ao sistema internacional. Carlos Roberto Lupi, o ministro do Trabalho, parecia visivelmente constrangido, preocupado em não sair do script de um subordinado do Sr. Luiz Inácio, de quem coleciona reprimendas públicas e desgastantes. E acabou falando da questão do emprego, como se vivêssemos num mar de rosas e como se os progressos registrados num certo momento resultasse de seu empenho como ministro, o que não é exatamente a verdade. Sabe ele, mais do que qualquer mortal deste Brasil assustado, que o governo Lula negocia amputações de direitos e desvio de recursos públicos para irrigar empresas que não precisam, mas têm aliados poderosos nas saletas de um poder, cujo mago ainda é o banqueiro Henrique Meireles, o senhor dos anéis numa corte de mamulengos de pífios conhecimentos e parcas vocações. Sabe que essa história de entregar dinheiro de mão beijada para as construtoras produzirem um milhão de casas populares é uma grande aventura e tem como único objetivo empanzinar a meia dúzia de “jacós” que hipertrofiou o custo da habitação desde os tempos funestos do SFH, em função de que os milhões de trabalhadores subiram os morros ou aterraram os pântanos para ter seus barracos como refúgios. É conversa fiada, como tem sido esse projeto de socorro das lojas particulares de ensino, que ganhou o selo da magnificência generosa, em benefício de estudantes que não podem nem pensar num vestibular para uma Universidade pública. No programa, o PDT apresenta os dois governadores eleitos pela legenda num universo de 27. Um, o médico Jackson Lago, que conseguiu derrotar a filha do senador José Sarney, por conta da dissensão do seu antecessor, Reinaldo Tavares, que nunca mais teve uma noite de tranqüilidade desde quando decidiu romper com a figura do pau mandado. O outro, Waldez Góes, governador do Amapá, o grande aliado do mesmo José Sarney, que só vai descansar quando comer o fígado do conterrâneo. Como você sabe, além de ser hoje o mais festejado remanescente daqueles idos a que serviu com destreza e abnegação, o poderoso senador tem o dom da ubiquidade: é nascido, criado e crescido no Maranhão, mas representa o Amapá no Senado, apesar da vigência do domicílio eleitoral obrigatório. Fora deles, o PDT ainda abriu espaço para o seu vice-presidente em exercício, o deputado Vieira da Cunha, uma das raras vocações decentes da política, que acabou falando ao país como se estivesse procurando alcançar apenas os seus eleitores do Rio Grande do Sul. E ainda caiu no primarismo de contar números de prefeitos e vereadores eleitos ano passado, com ligeiro avanço sobre a legislatura anterior, como se precisando afirmar que o partido não havia definhado por conta do seu apoio incondicional ao governo do PT. Esqueceu ele de dizer que o PDT só elegeu um único prefeito de capital, logo um aliado de Sarney no Amapá, e que em seus dois grandes redutos do passado, a única “vitória” a registrar foi a eleição hereditária de dois netos do caudilho. Um apelo inacreditável No Estado do Rio de Janeiro, onde Brizola teve 3 de cada 5 votos na sua segunda eleição para governador, em 1990, o partido só tem um motivo de orgulho – a volta de Jorge Roberto da Silveira à Prefeitura de Niterói, resultado pessoal de criativas e inovadoras administrações anteriores. Na capital, como se sabe, o PDT amargou mais uma vez a marca do 1% nas eleições majoritárias, fazendo três vereadores: além de um neto do fundador, dois evangélicos, um dos quais filiou-se ao partido na surdina, exclusivamente para ocupar uma das vagas que os brizolistas conquistariam. Mergulhado numa divisão visceral, o partido que já foi a maior força no Estado, onde tem mais filiados do que votos, viu um apelo patético de um deputado, que claudicou como candidato a prefeito, publicado numa rede que alcança pedetistas e simpatizantes do Brasil inteiro. Esse deputado, que demonstrou desconhecer até o número de eleitos, tornou público um apelo para garantir que o primeiro suplente, de 84 anos e vários mandatos pelo PDT, volte à casa que presidiu por 8 anos. Nesse apelo, ele pede publicamente que cada um dos eleitos se licencie por três meses, em sequência, sem precisar demitir ninguém em seus gabinetes, assegurando assim a presença do colega que não logrou reeleger-se. Isto porque a direção do partido, que aderiu no segundo turno ao atual prefeito, não conseguiu convencer os três eleitos a aceitarem trocar a Câmara pela Secretaria do Trabalho municipal, cargo que acabou destinado a um jovem nascido e criado dentro do brizolismo. Mas que chegou ali por ser o braço direito do deputado Brizola Neto. É claro que se o autor desse apelo público inusitado quisesse mesmo socorrer o velho companheiro, iria conversar com os outros pessoalmente, ao invés de comprometer sua própria imagem de seriedade com proposta tão despropositada. Mas isso reflete o ambiente num partido que emergiu na década de oitenta como a grande referência brasileira dos partidos socialistas e sociais-democratas do mundo. E que foi responsável por um dos raros momentos de lucidez administrativa, quando, pelas mãos de Brizola e Darcy Ribeiro, jogou todas as suas fichas na educação pública de qualidade. coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Das flores de Gaza ao triunfo dos belicistas de Israel

A nova estrela do sionismo
Avigdor Liberman, que nasceu na Moldávia, na antiga União Soviética, chegou a Israel em 1978, quando tinha 19 anos. Foi militante e dirigente do partido Likud, que abandonou por entender que Benjamin Netanyahu, líder deste partido e primeiro-ministro de Israel, tinha feito demasiadas concessões à Autoridade Palestina. Em particular Liberman opôs-se a planos que previam a divisão da cidade de Hebrom, na Cisjordânia. Na primeira eleição que disputou em 1999, seu partido conquistou quatro lugares na Knesset (parlamento) de Israel. No decurso da legislatura, o partido juntou-se ao partido Ichud Haleumi (União Nacional). Nas eleições de 2003, concorreu integrado nessa lista.Nas eleições legislativas de 2006, o Yisrael Beitenu conquistou doze lugares na Knesset, sendo o quarto partido mais votado. Agora, com 15 representantes, passou a ser o terceiro, à frente do antigo Partido Trabalhista.
"Javé ferirá todos os povos que combateram contra Jerusalém: ele fará apodrecer sua carne, enquanto estão ainda de pé, os seus olhos apodrecerão em suas órbitas, e a sua língua apodrecerá em sua boca" (Zacarias, 14, 12-15)”.
Ainda sob o impacto da acachapante vitória dos belicistas em Israel, com a formal desmoralização do Partido Trabalhista criado por David Ben-Gurion, o governo de Jerusalém liberou a fronteira de Gaza por algumas horas para que pudessem passar 25 mil cravos cultivados pelos palestinos e exportados para a Holanda, onde serão vendidos pela passagem do “dia dos namorados”, que na Europa se comemora em 14 de fevereiro. Essas flores são uma quantidade irrisória, em relação ao sacrificado cultivo dos agricultores de Gaza, mas é o limite estabelecido pelo governo israelense, atendendo a um pedido especial das autoridades holandesas. O impiedoso bloqueio israelense, estabelecido desde julho de 2007, já levou milhares de agricultores de Gaza à falência e ao desespero. Independente dos bombardeios criminosos, que em 21 dias resultaram na morte de 1300 cidadãos e em outros 5.500 feridos, os sionistas têm exercido o mais perverso programa conjugado de extermínio de uma população condenada à morte. De fato, o sofrimento imposto ao milhão e meio de seres humanos apinhados nos 380 Km2 da Faixa de Gaza vai muito além das vítimas das 2500 bombas – incluindo as de fósforo branco - despejadas quando nós, do Ocidente, festejávamos o nosso natal e o ano novo. Das urnas o grito de guerra O resultado das eleições não deixa dúvidas: das 120 cadeiras, a ultra-direita fez 65 representantes. Somando-se a esses os 28 do Kadima, um partido saído do ventre do Likud por iniciativa do general Ariel Sharon, os 60% de israelenses que votaram (em sua maioria com mais de 30 anos) estão mandando 93 belicistas de carteirinha para o seu parlamento. Os outros 27 representantes se dividem entre os 13 do Partido Trabalhista, que participa do atual governo do Kadima, mais 4 da Frente Democrática de Paz e Igualdade (um partido comunista que reúne judeus e árabes) 3 do Meretz (judeus de esquerda), 4 da Liga Árabe Unida e 3 do Balad – ou Assembléia Nacional Democrática - também árabe, liderado pelo filósofo Azmi Bishara, perseguido sistematicamente, apesar de sua condição de parla mentar. Na direita, ao lado do Likud (fundado pelos terroristas do Irgun e do Stern), a grande novidade é o partido Yisrael Beitenu, chefiado pelo belicista-racista de carteirinha Avigdor Lieberman, que fez 15 representantes com um discurso pelo massacre dos árabes que representam 20% da população israelense, respondendo por 70 municípios da região da Galiléia, um terço das cidades do estado sionista. O Yisrael Beitenu (Israel é nossa casa) tem como principal base os judeus de origem russa, tidos como os mais fanáticos e radicais. Terá muito influência também o partido Shas, formado pelos sefarditas – judeus de origem espanhola e portuguesa – de formação religiosa ortodoxa, que fez 11 representanes e tem sido um aliado do Likud de Binyamin Netanyahu. A este, juntam-se os 4 representantes da União Nacional (Ha-Ihud Ha-Leumi), 5 do “Judaismo Unido do Torá”, que perdeu a eleição para a Prefeitura de Jerusalém, até então em seu poder, bem como os 3 da “Causa Judaica”, o partido menos “ultra” da direita belicista. Visão do povo eleito Sobre o novo quadro de Israel e os desdobramentos desse pleito manchado de sangue terei muito o que aprofundar e escrever. Mas desde já é bom que você saiba: segundo a FOLHA DE SÃO PAULO de 24 de janeiro, com raras exceções - a população israelense apoiou o massacre de Gaza. Mais do que isso, as pesquisas de opinião constataram que o apoio da população foi aumentando na medida em que avançavam os bombardeios - chegando a índices de 90%. E no final, na hora do cessar-fogo, metade era favorável à continuação da ofensiva, até a reocupação de Gaza e a destruição do Hamas. Como você vê, se o atordoado presidente Barack Obama tinha alguma intenção de paz para a região, pode-se dizer que tal idéia tende a evaporar-se, segundo a convicção incrustada nos judeus sobre o seu destino de povo eleito, tal como escreveu com tranqüilidade o professor José Luís Fiori, cientista político, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em artigo no LE MONDE DIPLOMATIQUE de 5 de fevereiro de 2009. “Desde sua criação, em 1948, Israel mantém-se sem uma constituição escrita, mas possui um sistema político com partidos competitivos e eleições periódicas, tem um sistema de governo parlamentarista segundo o modelo britânico, e conserva um poder judiciário autônomo. Mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, Israel é um estado religioso, e grande parte de sua população e governantes tem uma visão teológica do seu passado e do seu lugar dentro da história da humanidade. Israel não tem uma religião oficial, mas é o único estado judeu do mundo. Os judeus consideram-se um só povo e uma só religião que nasce da revelação divina direta, e não depende de uma decisão, ou de uma conversão individual. "Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis uma propriedade peculiar entre todos os povos. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa" (Êxodo, 19, 5-6) Além disto, o judaísmo estabelece normas e regras específicas e inquestionáveis que definem a vida cotidiana e comunitária do seu povo, que deve se manter fiel e seguir de forma incondicional as palavras do seu Deus, mantendo-se puros, isolados e distantes com relação aos demais povos e religiões. "Não seguireis os estatutos das nações que eu expulso de diante de vós. Eu Javé, vosso Deus, vos separei desses povos. Fareis distinção entre o animal puro e o impuro. Não vos torneis vós mesmos imundos como animais, aves e tudo o que rasteja sobre a terra" (Levítico, 20, 23-25) Para os judeus, Israel é a continuação direta da história deste "povo escolhido", e por isso, a sua verdadeira legislação ou constituição são os próprios ensinamentos bíblicos. O Torá conta a história do povo judeu e é a lei divina, dessa forma não pode haver lei ou norma humana que seja superior ao que está dito e determinado nos textos bíblicos, onde também estão definidos os princípios que devem reger as relações de Israel com seus vizinhos e/ou com seus adversários. Em Israel não existe casamento civil, só a cerimônia rabínica, e os soldados israelenses prestam juramento com a Bíblia sobre o peito e com a arma na mão. O professor José Luís Fiori observa ainda em seu artigo: Mas o que talvez seja mais importante do ponto de vista imediato do conflito entre judeus e palestinos, e do próprio sistema mundial, é que Israel - ao contrário dos palestinos – junto com sua visão sagrada de si mesmo, dispõe de armas atômicas e de acesso quase ilimitado a recursos financeiros e militares externos. Com essas idéias e condições econômicas e militares, Israel seria considerado – normalmente - um estado perigoso e desestabilizador do sistema internacional, pela régua liberal-democrática dos países anglo-saxônicos. Mas isto não acontece porque no mundo dos mortais, de fato, Israel foi uma criação e segue sendo um protetorado anglo-saxônico, que opera desde 1948, como instrumento ativo de defesa dos interesses estratégicos anglo-americanos no Oriente Médio. Os anglo-americanos operam como a âncora passiva do "autismo internacional" e da "inclemência sagrada de Israel”. coluna@pedroporfirio.com

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

As estripulias da Light à sombra dos podres poderes

Lula cumpriu seu "acordo" com FHC e deu toda cobertura às privatizações doações, como a da Light, hoje um tormento na vida dos fluminenses.
“As empresas arrancam o relógio e quando o consumidor vai à Light ou à Ampla tem que assinar uma confissão de dívida. Eles estipulam o valor da multa, sem nenhum parâmetro. Caso a pessoa não assine, eles cortam a luz”. Alexandre Verly, presidente da Associação Fluminense do Consumidor e Trabalhador
A denúncia da Associação Fluminense do Consumidor e Trabalhador (Afcont) sobre práticas extorsivas da Light repõe na pauta a discussão sobre as privatizações criminosas promovidas no governo Fernando Henrique e sacramentadas pelo governo do senhor Luiz Inácio, cujo o partido, na senda da metamorfose de conveniência, enganou a meio mundo quando fazia tremular suas bandeiras vermelhas nos protestos contra os leilões-doações. Durante todas as suas campanhas de olho nos podres poderes, Lula acenava com o questionamento das privatizações, providência que Leonel Brizola considerava questão de honra, mas que o próprio PDT esqueceu, ao ser cooptado pelo governo, que se tornou o fiel depositário do sistema de defesa do “status quo”,em troca de prebendas simbólicas. Governo que se comporta com os maus hábitos do ilusionismo, graças aos quais, nas pesquisas compradas pelas confederações patronais, aparece como o rei da coada preta, com tal índice de endosso que, pelo andar da carruagem, até o meio do ano, poderá constar como apoiado pela unanimidade do povo brasileiro, o que abrirá caminho para que algum débil mental dessa safra de bajuladores declare ser desnecessário a realização de eleições presidenciais, tendo em vista a consagração cristalizada do chefe amado. O processo indecente das privatizações-doações, que marcou com exuberância o reino do tucanato, ganhou o benefício da purgação oferecido pelo governo dos neoliberais de macacão, que provaram por a + b a viabilidade de um governo medíocre, cuja força reside na empatia com a massa que se conforma em levar a vida de gado descrita por Zé Ramalho. O abuso do monopólio privado Para que eu não me perca em relação aos abusos da Light, transcrevo na íntegra a denúncia da Associação de Consumidores, tal como aparece no site do jornalista Sidney Rezende: Em e-mail enviado para o SRZD, o presidente da Associação Fluminense do Consumidor e Trabalhador (Afcont), Dr.Alexandre Verly, denuncia os procedimentos realizados pela Light e pela Ampla, empresa que fornece energia elétrica à Baixada Fluminense e a diversos municípios no interior do estado do Rio de Janeiro, em casos de suspeitas de irregularidades no consumo de energia, o famoso "gato". De acordo com Verly, as empresas têm aplicado multas e cortado a energia de consumidores, nessas situações, de maneira inadequada, sem uma perícia técnica para comprovar a ocorrência. No e-mail, ele explica que "que as empresas de energia somente podem cobrar os valores de consumo que efetivamente forem comprovados. Mas, isso não vem ocorrendo, pois na maioria dos casos as empresas estimam o valor, o que é ilegal". "Eles acusam o consumidor de gato sem dar a oportunidade de a pessoa se defender. As empresas arrancam o relógio e quando o consumidor vai à Light ou à Ampla tem que assinar uma confissão de dívida. Eles estipulam o valor da multa, sem nenhum parâmetro. Caso a pessoa não assine, eles cortam a luz. Não estou defendendo o gato, mas sim o direito dos consumidores", declarou Verly em entrevista ao SRZD. O presidente da Afcont reiterou ainda que os consumidores cariocas que forem alvos de multas aplicadas pela Light em caso de suspeita de gato podem acionar as empresas na Justiça para não pagarem as multas impostas. Se a pessoa já pagou ou estiver pagando, pode pedir a devolução em dobro da quantia e ainda indenização por danos morais. Ainda segundo Verly, centenas de consumidores já entraram na Justiça. "Após a apreciação do processo judicial, ficou comprovado que os critérios na aplicação da penalidade não foram corretos, uma vez que se baseavam em estimativas sem uma perícia técnica por parte das empresas". Sem resultados efetivos, apesar das inúmeras ações em tramitação nos Juizados Especiais, a Afcont entrou com duas ações civis públicas, uma contra a Light e outra contra a Ampla. A primeira, o juiz da 5ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro concedeu uma liminar proibindo a Light de efetuar cortes de energia e aplicar multas em caso de suspeita de fraude, sob pena de multa diária de R$ 40 mil. A segunda ação foi encaminhada para a juíza da 2ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro. "Muitas vezes, eles falam que é gato, mas é problema do relógio. Então, a responsabilidade é da concessionária, porque é problema do relógio, não é gato. Quem tem que fazer a manutenção é a concessionária, mas não fazem", completou ele. O presidente da Afcont ainda afirma que "todos os lesados por tais atitudes nos últimos cinco anos possuem direito a requerer na Justiça indenização por danos morais e restituição dos valores pagos a título de multa, já que na ação civil pública também requer que todos os consumidores do estado do Rio de Janeiro lesados. Por trás desse procedimento arbitrário da Light, sobre o qual posso testemunhar, está a subserviência abjeta do governo, cujos simplórios e deslumbrados integrantes morrem de medo de encarar os trustes devidamente representados por Henrique Meireles e sua trupe. A história do leilão da Light, naquele 21 de maio de 1996, deveria ser desvendada no bojo de uma investigação honesta e corajosa sobre todo o ciclo de privatizações indecentes, que ainda não acabou. Crônica da Maraculight Sobre tal desatino, vale transcrever aqui o inspirado comentário de Élio Gásperi, “a Luz da Maruculight”, publicado em 10 de fevereiro de 2005: “AMaracuLight, obra de engenharia política e malfeitoria financeira iniciada no governo de FFHH, chegou ao seu esplendor no governo de Lula. A Agência Nacional de Energia Elétrica (uma armação tucana) baixou um confisco contra 3,4 milhões de cidadãos. Impõe um aumento de 6,13% nas contas de luz porque a Light está em dificuldades financeiras. Quando a choldra está em dificuldade e não paga a conta de luz, a Light vai em cima e corta a energia. Quando é a Light que vai mal, a choldra é chamada a pagar. Arma-se uma situação na qual a patuléia terá de ficar entre o financiamento de um mau negócio ou a reestatização da empresa. A Light foi privatizada em 1996 depois de uma tenebrosa transação na qual mudou-se o edital da concorrência, aceitaram-se moedas podres e mexeu-se no sistema de cálculo das tarifas. Tudo isso e mais um telefonema de FFHH para Jacques Chirac, convencendo-o a botar a estatal francesa EDF no lance. Dias antes do leilão o governo brasileiro pagou ao francês US$ 200 milhões de contas antigas. A empresa foi vendida para saciar a sede política da privataria. Em apenas dois anos, a EDF desempregou cinco mil pessoas (mantendo seis mil) e devolveu aos seus acionistas 25% do que pagou pela Light. Como reconheceu o supertucano Sérgio Motta, o negócio fazia parte de um bolo de transações elétricas que "envergonha o processo de privatização". Se a Light passa por dificuldades isso se deve ao fato de ter acreditado na existência do dólar de R$ 1,20 e de ter comprado outras distribuidoras com expectativa de lucros futuros. Se isso fosse pouco, depois de ter sentido o gostinho do dinheiro nos dois primeiros anos, a matriz francesa desinteressou-se de um negócio que rende pouco ou dá prejuízo. Em português claro, a compra da concessão da distribuidora de energia para a cidade do Rio foi um mau negócio para a EDF. Assim como foi mau negócio para os calvinistas de Genebra a expedição do almirante Villegagnon, no século XVI. Como diria Alan Greenspan, às vezes os negócios vão mal por falta de sorte. Fez-se o possível para socorrer a Light. O governo deu-lhe empréstimos que produziram lucros artificiais de R$ 407 milhões em 2002. Deram-se também aumentos extraordinários de tarifas, mas o mercado foi perverso. Desde a encrenca do calote da Eletropaulo, no início do governo de Lula as concessionárias de energia elétrica chantageiam o governo. Ameaçam degradar os serviços e soltar em cima da nação petista o fantasma da quebra de contratos. Quem está quebrando contratos são as empresas. Se o governo não disser com todas as letras que a retomada da concessão é uma alternativa séria e decente, ele (e os consumidores) serão tungados por mais uns dez anos, até que a Viúva seja convidada a ficar com a conta. Foi assim nos anos 70, quando a ditadura se viu obrigada a engolir a empresa que nos anos 20 pertencera a Percival Farquhar (Tony Ramos) e será assim amanhã. O governo não deve ter medo da palavra reestatização. As concessionárias é que precisam temê-la. É falsa idéia de que a saída da EDF do Rio (ou de qualquer outra elétrica de qualquer outro lugar) é ruim para o país. Foi o raciocínio de que era bom para o país trazer a EDF para o leilão da Light que contaminou a concessão. A encrenca de hoje nasceu em 1996”. coluna@pedroporfirio.com

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

As disputas que mobilizam os espertos da corte pelo controle dos podres poderes

Na presidência do Senado, Sarney ganhará asas para tentar reverter no tapetão a derrota da filha nas eleições do Maranhão
“Da comparação entre os países resulta que, levando-se em conta os seus diferentes níveis de riqueza, tanto em termos da renda per capita quanto do nível do salário mínimo, o Brasil é, entre os estudados, aquele em que o Congresso mais onera o cidadão.” Relatório da organização “Transparência Brasil”
Nas rodas da corte, só se fala nas escolhas dos novos presidentes da Câmara Federal e do Senado. É um disse-me-disse de fazer inveja. Na disputa do Senado, em que pontifica logo o manjado Renan Calheiros, líder do PMDB depois de tudo que dele se soube, a decisão poderá estar nas mãos de um advogado, patrono de 16 senadores encrencados com a Justiça. Na Câmara, mesmo com a adesão de 14 dos 20 partidos com deputados federais, o peemedebista Michel Temer faz das tripas coração para vencer no primeiro turno. Teme que a disputa no Senado descomprometa os petistas, que se consideram logrados pela indicação do velho senador José Sarney, todo poderoso desde os tempos em que foi presidente da Arena, o “partido” criado pela ditadura. Dá-se uma importância enorme a essas disputas, como se pesassem alguma coisa nos destinos de uma República pouco republicana e de uma democracia cravada pelo carma da hipocrisia ampla, geral e irrestrita. Longe do povo O povo nem se toca com essa briga típica de uma corte deslumbrada. Mas não é pra menos. O povo mesmo não se toca nem com as grandes decisões, tal o alcance profundo do vírus da alienação. Prefere ligar-se às futricas do “Big Brother”, para o qual contribuiu com 29 milhões de ligações só no primeiro “paredão”, o que, como observou o competente jornalista José Nêumanne Pinto, proporcionou a arrecadação de R$ 8 milhões e 700 mil só na primeira das 17 eliminações programadas. Temos, portanto, uma patética constatação de que tudo está “no preço”. Nem o espetaculoso Fórum Social Mundial, que tomou conta de Belém e ouviu juras patrióticas de alguns presidentes deste lado do equador, pode ser assimilado como senha compensatória. Por melhores que sejam as intenções dos seus organizadores, seu formato circense presta-se mais a uma catarse de enfeitiçada alquimia existencial e desdobramentos pífios. Quando me deparo com o exagerado noticiário sobre essa guerra pelos comandos das redundantes duas casas do Congresso vou fundo e chego à conclusão de que tal pirotecnia faz parte da empulhação que mantém o povo passivamente enganado pela idéia de que o País vive sob um regime democrático. Os 81 senadores e 513 deputados federais alojam-se nos píncaros de um nirvana infenso aos maus presságios e às crises. Estão eles no proscênio de um palco iluminado, que dividem também com onerosas assembléias legislativas e câmaras municipais, numa caricatura disforme de um suposto poder legislativo. Para as casas legislativas, são generosas e fartas as disponibilidades de dinheiro público, em função do que o mandato de cada parlamentar custa uma grana preta aos cidadãos. Parlamentares caros Foi o que demonstrou um levantamento da organização Transparência Brasil realizado em 2007: “Com um orçamento de R$ 6.068.072.181,00 para 2007, o Congresso brasileiro (compreendendo Câmara dos Deputados e Senado Federal) gasta R$ 11.545,04 por minuto. Só é superado pelo dos Estados Unidos, sendo quase o triplo do orçamento da Assembléia Nacional francesa. O mandato de cada um dos 513 deputados federais custa R$ 6,6 milhões por ano. No Senado, o mandato de cada um de seus 81 integrantes custa quase cinco vezes mais, R$ 33,1 milhões por ano”. O trabalho, que teve boa repercussão na época, mas não deu em nada e acabou entrando para o folclore político, ressalta: “Para comparação, o custo direto de cada membro da Câmara dos Comuns britânica (incluindo, como na Câmara brasileira, salário, auxílios diversos e estipêndios pagos a assessores de gabinete) é de 168 mil libras por ano. Ao câmbio de 3,78 reais por libra, isso corresponde a pouco mais de R$ 600 mil por ano. Ou seja, cada deputado federal brasileiro consome mais do que o dobro de um parlamentar britânico – o qual vive num país em que a renda per capita e o custo de vida são muito superiores aos do Brasil”. Fique claro que a apropriação direta das verbas oficiais não é tudo que move os nossos briosos parlamentares. O seu poder de fogo pode render muito mais. Que o diga a “bancada ruralista”, que recentemente conseguiu fazer o governo remeter para as calendas a enorme dívida do agro-negócio com o Banco do Brasil e com o próprio erário, num volume superior a todo o orçamento anual do Ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável pelo maior logro do governo Lula, a prometida reforma agrária. Nossos parlamentos podem ser medíocres e lentos enquanto casas de leis, mas são verdadeiros arsenais atômicos quando querem realizar os sonhos de consumo dos seus titulares. Na eleição do Senado, o que leva um senador declaradamente cansado a disputar sua presidência é principalmente o desejo de recuperar no tapetão o governo que perdeu nas urnas, quando sua filha, também senadora, foi derrotada por um dos homens mais honrados que já passaram pela vida pública brasileira, o governador Jackson Lago. Do alto daquele cadeirão azul, com o controle do Congresso, o chefe da oligarquia derrotada terá um acesso muito mais franqueado aos ministros do TSE, que ganharam mandatos eternos nas altas cortes por nomeações do Presidente da República. Como ele, cada chefe de casa legislativa tem à disposição recursos ilimitados e uma frequência garantida numa mídia que embarca no mesmo deslumbramento de uma capital federal concebida para ser uma fonte inesgotável de exuberantes festas e fantasias. Enquanto abre seus espaços para disputas menores, a nossa mídia serve os condimentos preciosos ao prato da mistificação e da alienação, que enxerta na vida pública os maus hábitos que tanto estragos causam a uma nação de futuro imprevisível. coluna@pedroporfirio.com