domingo, 7 de setembro de 2008

Já que não falam dos aposentados e dos idosos

“O processo de envelhecer produz uma mudança fundamental na posição de uma pessoa na sociedade, e, portanto, em todas as relações com os outros” Nobert Elias, sociólogo alemão, que morreu aos 93 anos, em seu livro “A solidão dos moribundos”. Independente do nível medíocre de quase todas as campanhas políticas neste paupérrimo 2008, é de se lamentar que todos os candidatos passem ao largo de um dos maiores desafios de nossos dias – a relação dos poderes públicos com os maiores de 60 anos, sejam aposentados, pensionistas ou teimosos e sortudos integrantes do mercado de trabalho. Primeiro trampolim do atual governador, que ganhou a simpatia dos mais velhos com propostas cosméticas e eventos diversionistas, a chamada ‘terceira idade” é a mostra mais exuberante da ausência de políticas sociais consistentes em nosso país, nos Estados e nas cidades. Não se tem notícia de uma resposta decente para o fenômeno do envelhecimento da população brasileira, cuja expectativa de vida aumentou de 38 anos, em 1940, para 73 anos, em 2007. A falta de uma discussão mais profunda sobre todos os aspectos que envolvem essa população é ainda mais grave no Rio de Janeiro, cidade que registra o maior percentual de idosos no país: quase 13%, totalizando cerca de 800 mil pessoas. Até hoje, é preciso dizer, os idosos são tratados demagogicamente como se fossem uns coitadinhos, esquecendo que 64% deles são responsáveis pelo sustento das famílias. Isto quer dizer, frise-se, que a responsabilidade econômica dos mais velhos sobre os núcleos familiares aumenta a cada ano: em 1986, 32% das famílias tinham filhos que moravam com pais acima de 60 anos. Em 1998, a proporção subiu para 36%. Já neste 2008, a presença dos idosos na composição do orçamento familiar, com uma significativa mudança no seu perfil. Má vontade oficial De 18 milhões de brasileiros com mais de 60 anos, quase 7 milhões trabalham, muitos fazendo algumas tarefas depois de aposentados. Isto porque a aposentadoria é cada vez menor e tende a diminuir em relação ao que ganhava na ativa, na proporção inversa do aumento das despesas, principalmente com saúde. Alia-se a essa contingência a crise no mercado de trabalho como um todo, principalmente com a redução de oportunidades para os mais jovens. Embora o nível de escolaridade da população tenha aumentado e o número de portadores de diplomas seja três vezes maior do que há vinte anos, não há vagas nas especialidades ou então as ofertas de emprego são aviltantes: um médico concursado no Estado do Rio de Janeiro ganha menos de R$ 1000,00 por mês. A falta de políticas públicas sérias para os idosos reflete um sentimento de pânico entre as autoridades: ao invés de festejar o aumento da expectativa de vida, muitos governantes assumem uma hostilidade virtual, cuja maior marca é a ausência de programas de saúde e o sucateamento dos hospitais e postos de atendimento primário. No âmbito da seguridade social, essa má vontade já é oficial. No perverso fator previdenciário introduzido pelo governo FHC e mantido até hoje, a maior expectativa de vida serve para reduzir a remuneração devida, apesar dos anos de contribuição. Com a emenda constitucional 40, patrocinada pelo governo Lula, a previdência pública introduziu um elemento inteiramente absurdo, que reduz ainda mais o retorno devido: o desconto de 11% na aposentadoria e nas pensões, contrariando a própria lógica. Esse desconto não se reverte para o descontado. Antes, é indevidamente apropriado pelo sistema. É sandice dizer que a questão das aposentadorias não é assunto municipal. Na medida em que elas são importantes em milhões de orçamentos familiares, repercutem diretamente na vida das cidades. Com o pagamento de metade do 13º salário dos aposentados agora, em setembro, o INSS pôs R$ 7 bilhões nas mãos de eventuais consumidores. Em muitas cidades, é a renda dos aposentados e pensionistas que sustenta sua atividade econômica. De crise em crise Dentro dessa trágica gestão das aposentadorias, começa a ganhar vulto a crise da chamada previdência complementar. O que aconteceu com os contribuintes do Fundo Aerus é apenas uma referência patética da vulnerabilidade desse sistema, que pode dar calote em seus contribuintes, sem que exista qualquer garantia do poder público que oficialmente exerce a sua fiscalização. Recentemente, os segurados do Petros, o segundo maior fundo de pensão do país, mergulhou numa crise e partiu para a ignorância, impondo a mudança nas regras de remuneração: agora, ao invés do benefício conhecido, a maioria dos seus beneficiários só vai ficar sabendo de quanto tem de contribuir. O desprezo oficial em relação aos mais velhos é muito mais grave nos cuidados de saúde. Outro dia mesmo, a mídia divulgou que as pessoas estão gastando mais diretamente com a saúde do que os poderes públicos. São milhões de reais gastos com itens obrigatórios, como atenção médica e medicamentos, estes cada vez mais caros e inacessíveis. Com o fracasso no sistema público, em todos os níveis, 42 milhões de brasileiros passaram a ter uma despesa desconhecida até a década de 70: o plano de saúde. No caso dos mais velhos, no entanto, está acontecendo uma redução dos seus segurados, que não podem pagar quase três salários mínimos para ter direito a um atendimento na chamada medicina de grupo. A inexistência de intenções honestas em relação aos idosos vai acarretar crises ainda maiores no futuro: de acordo com dados do IBGE, estima-se que em 2050 o número de idosos no Brasil será igual ao número de jovens: as pessoas com mais de 60 anos, que hoje representam cerca de 10,5% da população, serão 18%, mesma porcentagem dos que terão entre zero e 14 anos. Em pouco mais de quatro décadas, o número de pessoas com 80 anos ou mais chegará a aproximadamente 13,7 milhões. Ao lado desses fatores objetivos, é preciso lembrar que o Estado e a sociedade não estão nem aí para a questão existencial e o relacionamento do idoso com as gerações mais novas, que assumem seu espaço nos governos e nas empresas. Essa é uma outra constatação, que merece uma reflexão profunda, tendo em vista pressões psicológicas próprias de uma sociedade que vem se petrificando ao impulso do individualismo mais perverso. coluna@pedroporfirio.com