quinta-feira, 18 de setembro de 2008

E ninguém deu nada. Nem mais, nem menos

O leiloeiro Fernando Braga apregoou em vão. Ninguém deu lance. MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 19 DE STEMBRO DE 2008 “Quanto é que vai ganhar o leiloeiro Que é também brasileiro E em três lotes vendeu o Brasil inteiro? Quem dá mais?” Do samba do genial Noel Rosa (1910-1937) Não durou nem um minuto. Nada mais deprimente. Ainda quis olhar nos olhos d’alguns colegas d’outrora. Preferi baixar a cabeça. Estava com meu filho Pedro Ivo e com a sua Thais, estudante de direito. Era a primeira vez que ele ia a uma evento prenhe de tanta ansiedade. Os dois saíram sem entender nada. Quem entendeu? Onde estamos? Tremendo circo no país onde a injustiça reina e governa. Para que aquele momento tão frustrante? O que é a vida? Fernando Braga, eu vi menino de calças curtas. Filho de uma grande mãe. Sobrinho de uma grande figura humana. Uma história à parte. Que um dia contarei. Ele estava lá, com seu irmão Mário. Como o mundo é pequeno. Ele estava lá, com o garbo do ofício, participando da mesma ansiedade. Fez um trabalho sério, altamente profissional. De tanto carinho que tem pelo drama de mais de duas mil famílias, mais parece parte delas. Antes das duas da tarde, eu estava lá no décimo sexto andar de um edifício moderno da tradicional Avenida Rio Branco. E logo puxei assunto com Fernando Braga. Ele estava preocupado. A crise nos Estados Unidos seria o empecilho. Viu? Quem se interessou, contava com dólares de lá, essa espécie decadente que não perdeu a pose. Havia uma resistência virtual: dinheiro norte-americano, não. Quem tivesse o gosto por viver perigosamente que o aceitasse. A prudência hoje foge desses dólares sinistros como o diabo foge da cruz. Bem feito. Não posso dizer que fiquei triste. A tristeza diante de tantas coisas do nosso país de enganados e mal pagos é tão continuada que já criou anticorpos. Mas a revolta não me poupa. A cada dia minha cólera diante de tanta incúria e de tanta hipocrisia é cada vez maior. Crônica bizarra Isso tudo faz parte de uma crônica bizarra com as letras da mentira e da impostura. É produto da mais cínica manipulação. Você está sendo pisoteado e, de tal roupagem a agressão se veste, ainda pede mais. Pise-me que eu gosto - tenho a sensação de mais um triunfo da perversão de Sacher Masoch, o menino guerrilheiro que, adulto, introduziu a cultura masoquista naqueles anos conturbados do Século XIX. Perdoe-me a divagação. Mas são tão pestilentos os ingredientes da eutanásia social que não posso falar daquele sórdido meio minuto sem viajar no tempo e no espaço. Foi o meio minuto do nada, mas também podia ter sido o minuto e meio infame daquela dez da manhã do fatídico 20 de julho de 2006, quando um leiloeiro sebento bateu o martelo do pregão mais aberrante da nossa história: o que entregou de mão beijada a nossa maior empresa aérea aos prepostos de um fundo abutre norte-americano. Neste 17 de setembro de 2008, quando testemunhei o sentimento de frustração de um leiloeiro de bons propósitos e vi quase lágrimas nos olhos de um punhado de profissionais da melhor cepa, li as entrelinhas de uma farsa engendrada alhures. Como estava no tablóide servido à entrada do salão iluminado, ia a leilão parte de nossa história. Eram obras do maior dos mestres da construção, o felizmente centenário Oscar Niemeyer. Eram prédios que sangravam pelo fumê de suas paredes de vidro, 40 anos depois que a revista que se projetou no início dos anos 50 pelo talento e o arrojo de Hélio Fernandes e de tantos magníficos sábios da pena, naqueles idos em que saber escrever contava. Estou falando de uma falência decretada no crepúsculo do século passado. Até aquele 2000, quem passava pela Praia do Flamengo não ouvia o gemido de um desenlace letal. De fora, só se via a beleza dos prédios monumentais, três irmãos modernos que foram nascendo um a um, desde 1968, num confronto com as velhas construções. Houve um dia, porém, em que as máquinas pararam. O império Bloch dava seus últimos suspiros no exercício de uma fatalidade inerente a um regime selvagem do qual poucos escapam. Em se tratando de empresa de comunicação, aí a possibilidade da tragédia é muito maior: tudo conspira contra o sagrado direito à informação. Quem sofre mais De uma hora para outra, dois mil profissionais estavam desempregados. Num universo de poucas ofertas, isso podia significar no mínimo 20% da mão de obra. A cortina baixou sem dó nem piedade. O olho da rua era o caminho sem volta de muitos já cinqüentões, neste país em que viver mais é crime. Começou a novela da massa falida. Um folhetim sem heróis, onde quem pode pega o seu, mesmo que às expensas da fraude e da manipulação. A tragédia se consumou ante a indiferença ampla, geral e irrestrita. Era o auge do complô contra o Estado social. Quem quiser que se vire: isso vale até hoje, neste dias de mentira das grossas capitaneada por uma súcia sem escrúpulos, pintada de rubro só para contrariar. As vítimas entraram para o rol dos assassinatos econômicos. Se alguns ainda conseguiram outros empregos, a grande maioria ficou a pão e água. E a novela se arrastou, entre mortos e desesperados. Tinha-se o leilão do conjunto arquitetônico do Roussel como a fonte do ressarcimento devido e garantido por lei. Não era uma expectativa mansa e pacífica, porque, apesar do previsto no artigo 102 da antiga Lei de Falências, o Ministério da Fazenda do Sr. Lula já havia se interposto no caminho, garantindo o pagamento prioritário da dívida tributária, obtendo o endosso de uma Câmara Cível dessa Justiça que temos. Corremos atrás do governo, pela porta do Ministério do Trabalho, perplexos diante da ousadia da Procuradora da Fazenda. Diz-se que houve boa vontade do ministro Mântega para um acordo que não despojasse os trabalhadores da única fonte de pagamento possível. Eu já não acredito em mais nada desse governo, desculpem-me a franqueza. Sabia-se que a Caixa Econômica Federal estava interessada no prédio, que quase caiu nas mãos, a preço de banana, daquele suplente de senador e dona de faculdades que, sendo do Rio, pegou carona no mineiro Hélio Costa. Ninguém apareceu para fazer qualquer oferta. O leilão gorou como um bólido que não passou da mais fantasiosa imaginação. Voltou tudo a estaca zero. Passada a eleição, o governo se sentirá mais à vontade para passar para trás mais esse contingente de trabalhadores especializados. E contará no seu crime com o espírito de Masoch que, desgraçadamente, paira sobre os brasileiros como um embuste servido a granel no balcão e em domicílio. coluna@pedroporfirio.com