domingo, 6 de julho de 2008

Um desastre muito mais pesado do que o ar

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 7 DE JULHO DE 2008 “A diretoria da Anac errou porque votou de maneira açodada a operação de venda da VarigLog para o fundo americano e não analisou, com cuidado, o que estava sendo vendido, ou seja, qual era o objeto da venda, que não poderia incluir os slots e hotrans, pois pertencem à União” Aurélio Rios, Subprocurador da República Daqui, do sopé da serra dos Três Rios, contemplo nuvens carregadas, prenunciando capítulos desastrosos no céu azul da pátria amada. Não, não estou falando de acidentes, que isso me tiraria o sono, por si já raro e petulante. Por ironia do destino, no entanto, tudo o que venho escrevendo há anos do meu solitário bastião ganha nítidos desenhos de uma realidade apocalíptica. Por incúria, má fé e sujeição a interesses espúrios, estão preparando o tapete nebuloso para entregar nossos céus de mão beijada às companhias estrangeiras. Talvez, não fosse exatamente isso o que desejavam os medíocres anões que se aliaram na irresponsável tarefa de destruir o maior patrimônio da aviação comercial brasileira, o plantel de profissionais que acumularam 80 anos da mais criteriosa vivência com esse invento desafiador de Santos Dumont. Pequenos mais da conta, esses senhores de todos os poderes talvez quisessem apenas saciar ambições menores de quem chegou outro dia e achou que tudo se resolvia pondo asas nos ônibus. Talvez, não digo que sim, nem que não! Mas o que é que você pode esperar de quem não entende patavina do que se passa a um metro do nariz, embora o poder lhes tenha subido à cabeça num desvario só explicável pelos modernos intérpretes de Freud? Agora, já são muitos os espaços que se abrem na imprensa para falar da hecatombe em sua fase mais cruel. Daqui a uns dias, não mais, vai cair a cortina que escondia toda a farsa que se montou para encobrir tenebrosos favorecimentos, com o uso e abuso do compadrio como forma de influir em decisões tão graves. Tudo o que se fez foi um terrível mal ao país. Qualquer governo, seja de direita, de centro ou de esquerda, teria o mínimo de lucidez para entender que a Varig constituía a espinha dorsal do sistema aéreo brasileiro. Independente da situação a que chegou, devido a fatores de toda natureza, próprios e decorrentes de políticas governamentais, qualquer um, que não fosse atiçado por perniciosos cortesãos, saberia que, para além dos aviões e dos escritórios, havia um time de primeira, com verdadeiros azes da aviação, que respondia pela qualidade dos serviços, a segurança e o prestígio de nossa um dia pujante aviação comercial. Crepúsculo anunciado Desde o início do milênio, o crepúsculo se desenhou a olhos vistos. Sabia-se que estava em jogo mais do que a insolvência de uma empresa, algo que acontece como uma fatalidade de um capitalismo em que todos, sem exceção, sabem que penam para não desaparecerem do mapa. Quantas empresas sumiram ladeira abaixo nessa guerra sistêmica em que todos estão sujeitos a sentenças de morte? Antes mesmo da Varig, saíram das pistas desde a perseguida Panair, à Real, o Lóide Aéreo, a Cruzeiro do Sul, a Vasp e a Transbrasil, enfim, as empresas do ramo tiveram a fatalidade do começo, meio e fim. Mas as empresas, sejam do que for, não são apenas capitais financeiros, escritórios, ferramentas. Enquanto houve lucidez e competência, as crises na área tinham seus efeitos perversos, mas não tão dramáticos. A Varig levou consigo o fundo de pensão dos profissionais de aviação, que vinha sendo solapado desde o dia em que o presidente Collor abriu a bolsa das apostas no seu desmonte, com receita definida, que incluía, como terceira fonte, uma pequena taxa cobrada nas passagens. Essa taxa, sem que os usuários tivessem feito qualquer reclamação, compunha a base de cálculo do fundo. Já antes, na irresponsabilidade de quem ainda não saiu da província, o Sr. José Sarney, presidente por acaso, meteu os pés pelas mãos e golpeou a aviação comercial, que tem seus custos determinados em grande parte por insumos externos, nivelando-a às transportadoras terrestres na hora de congelar suas tarifas. Como o sistema é obra do demônio, já dizem os muçulmanos com toda razão, e como seus gênios trabalham a longo prazo, não me surpreende que hoje estejamos assistindo à consumação de um processo iniciado naqueles idos, quando a Varig estava entre as cinco companhias aéreas de maior credibilidade no mundo inteiro. Naqueles idos, repito, em que desapareciam dos ares empresas emblemáticas como a Panan, em que os norte-americanos viviam suas primeiras dúvidas atrozes sobre o domínio que tentaram desde a conferência de Chicago, em 1944, quando prepararam o golpe da política de céu aberto que hoje, finalmente, começa a aparecer como inevitável em países com dimensões continentais como o Brasil, objeto da cobiça de tantos interesses externos em tantas áreas, num complô apátrida e violento que poderá acarretar a simbolização de nossas fronteiras, com a anexação virtual ao sistema econômico que trabalha para o Wall Street e não para o povo deste ou daquele país. Golpe na soberania O noticiário destes dias é a demonstração mais incontestável dos males indefensáveis perpetrados contra uma corporação de alto nível, num desmonte impatriótico de toda o setor, que deixou de ser olhado pela visão maior do interesse nacional para sujeitar-se às manipulações bandidas de quem tem acesso ao poder e bala na agulha para disparar em qualquer direção, não importando quantas vítimas inocentes cairiam no caminho. Hoje, já não dá mais para jogar para debaixo do tapete a tremenda trapalhada produzida contra a soberania nacional dos nossos céus, na qual, infelizmente, prevaleceu tão somente a arrogância e o poder de influência de quem levou uma grana preta para virar os aviões de cabeça para baixo. E nisso, não se pode partidarizar, nem politizar a questão em níveis igualmente medíocres. Não é certo tratar do problema somente para dizer que não faria isso, porque tem gente de todos os valhacoutos envolvida até o pescoço nessa sujeira indescritível. Hoje, o que se espera com os detritos à tona é a revogação dos males causados e a reavaliação de tudo. Não há como considerar, como Chamberlain fez em relação aos nazistas, que só resta “relaxar e gozar”. Há mais de meio milhar de pilotos brasileiros exilados. Há milhares de profissionais de alta qualificação na maior penúria, procurando qualquer coisa, porque se tornaram os mais mal-tratados objetos de um sistema que já transformou os direitos trabalhistas em peças de museu e mostrou que não está nem aí para os aposentados e pensionistas que acreditavam existir um governo para controlar os destinos de um fundo de pensão para o qual contribuíram de boa fé. coluna@pedroporfirio.com

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