quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Os sapatos que deixaram Bush mal na fita

“É o beijo de despedida, seu cachorro”, Muntader al-Zaidi, jornalista iraquiano, 28 anos, ao jogar seus sapatos em George Walker Bush, presidente dos Estados Unidos da América. Confesso que um par de sapatos me subiu à cabeça. Ou melhor, me encheu o cérebro de provocantes inspirações. Nestes dias pré-natalinos, estou vendo nascer uma nova arma, que derruba, independente da pontaria do atirador. Neste momento, não se fala em outra coisa. Com certeza, o sapato vai ser um dos presentes de natal preferidos. Só espero que não elevem seus preços assim, só porque eles estão nas bocas e nos corações e mentes do mundo inteiro. Não sei nem por que as nossas criativas agências de propaganda não pegaram a deixa, lançando o sapato “multiuso” ou “flex”, aproveitando a cotação dessa palavra no certame da moda verbal. Uma pesquisa do jornal O GLOBO revelou que uma sapatada o assunto mais importante para os leitores da edição de terça-feira, dia 16. Veja lá: teve 18,8% das indicações, contra 16,3% da notícia sobre o aumento da carga tributária e, pasmem, 12,5% do abominável roubo das doações aos desabrigados de Santa Catarina. Como você imagina, estou encantado com o novo uso que o jornalista iraquiano Muntader al-Zaidi fez do seus sapatos, pelos quais um milionário saudita está disposto a pagar 10 milhões de dólares. O farto noticiário a respeito confirma que ele foi perdoado por ter errado o alvo. Mas também, como se viu, justiça seja feita, o Sr. George Walker Bush é bom de movimentos corporais: deve ter feito treinamento sobre como de livrar de petardos manuais de baixo teor explosivo. Atirando sapato em Bush Sobre essa falha do jornalista iraquiano, você mesmo pode dar uma mãozinha. Basta acessar na internet um site com um joguinho em que você também pode jogar sapato no mais arrogante e desastrado presidente que os Estados Unidos já tiveram . Para conhecer o jogo dos sapatos contra BUSH, clique aqui É provável que você já tenha visto o filme do ato que converteu um desconhecido jornalista no mais recente herói do povo árabe que, como escreveu Marcos Guterman, do ESTADO DE SÃO PAULO, “talvez se torne um herói do resto do mundo também”. Mas se quiser conferir, clique aqui Para variar, tem gente dizendo por aí que essa sapatada é obra Hugo Chávez. Para justificar essa afirmativa, estão exibindo na internet um vídeo em que o presidente venezuelano brinca com o gesto do jornalista iraquiano, que chegou a provocar inclusive a renúncia do presidente do "Parlamento" iraquiano. CLIQUE AQUI e veja os comentários de Chávez. Com o talento que lhe é peculiar, Guterman nos brinda em seu blog com algumas variáveis sobre os sapatos atirados contra Bush. Desopile um pouco o fígado e veja a sua obra de arte clicando aqui . Como disse no começo de nossa conversa de hoje, o uso do sapato como arma de guerra pelo chiita iraquiano, que entrou no cacete lá mesmo e poderá pegar 15 anos de xadrez (espero que não seja em Guatânamo) é um dado novo para nós, pobres ocidentais, mas faz parte de uma tradição muçulmana. No mundo árabe, se você ameaça uma pessoa com a frase "vou te bater" e acrescenta as palavras "com um sapato", esta ameaça implica não apenas uma agressão física, mas também um insulto gravíssimo. Esta peculiaridade cultural deu peso real ao ato do jornalista iraquiano que atirou seus sapatos contra o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, durante uma coletiva para a imprensa em Bagdá, no domingo. Sapato é sujeira Na cultura árabe, em particular, o simples ato de mostrar a sola do sapato a outro ser humano é considerado grosseiro. Um gesto como cruzar as pernas colocando o tornozelo sobre o joelho, por exemplo, não deve jamais ser feito em um lugar público, sob pena de ofender a pessoa perto de você. A ofensa está associada ao fato de que, entre os muçulmanos, sapatos são considerados imundos. Além dos rituais de higiene purificadora antes das orações, os muçulmanos devem também tirar seus sapatos para rezar. É proibido calçar sapatos dentro de uma mesquita. Eles devem ser deixados na porta ou carregados, de preferência com a mão esquerda e com as solas pressionadas umas contra as outras. Eu mesmo passei por um sufoco na Damasco milenar. A bexiga explodia e só havia acesso a banheiros nas mesquitas, que se espalham pela cidade. À entrada de uma, tive que tirar o sapato. Ao fundo, o vaso árabe, desses que você fica de cócoras. Em torno, muito líquido, que tive que pisar com minhas meias, o que me fez depois calçar os pacíficos sapatos já na rua abrindo mão delas. O sapato é algo tão desprezado pelos muçulmanos que, para agredir a secretária de Estado Condoleezza Rice, eles a apelidaram no passado de “Kundara”, sapato em árabe. O testa-de-ferro das agressivas petrolíferas norte-americanas, cuja política desastrada levou à eleição do primeiro negro norte-americano para a Presidência, não podia ter um enterro político mais patético, encerrando com uma sapatada toda uma era de intervencionismo e espoliação dos outros países. Sapatos hoje tendem a ser o novo símbolo de uma resistência contra todo tipo de opressão e abuso, em todas as situações. Aqui mesmo, neste país que de vez em quando acorda, não me surpreenderá se jogarem sapatos em farsantes de todos os poderes, que estão passando dos limites, crentes de que ninguém vai reagir. Por tal razão, tendo a acreditar na força do sapato como alternativa ao peso que as chuteiras jogam no coração dos brasileiros. Merecedor de uma sapatada (se possível, certeira) é o que não falta. Resta saber quem está disposto a atirar o primeiro sapato. coluna@pedroporfirio.com