“Este é um duro golpe da direita contra pessoas inocentes. Os pobres simplesmente exigem mudanças, e por pedirem mudanças sofreram um golpe de Estado”.
Manoel Zelaya
Antes que você me cobre, falemos de Honduras, cenário de um insólito assalto ao poder que tem tudo para dar com os burros n’água em questão de dias.
Antes dessa molecagem financiada pelos poderosos empresários Carlos Flores e Ricardo Maduro, que já estão arrependidos, quase nada se falava dessa república centro-americana de 7 milhões e 700 mil habitantes, até há pouco sob controle total de um consórcio envolvendo as multinacionais da banana, do café e do camarão,os velhos políticos corruptos, a igreja católica, encabeçada pelo cardeal Oscar Andrés Rodrigues, e os militares liderados pelos generais Douglas Fraser e Romeo Vásquez, em cujos prontuários aparecem acusações sobre envolvimento com grupos paramilitares e com o tráfico internacional de armas e drogas.
A decisão dos golpistas de bloquear a pista do aeroporto de Tegucigalpa para impedir o retorno do presidente Zelaya deixa clara a fragilidade do grupo. Antes, o arrogante “chanceler provisório” Enrique Ortez Colindres havia dito que se Zelaya pisasse em território hondurenho seria preso.
A postura assumida pelos golpistas nesse domingo entra para o folclore das quarteladas. Em geral, o deposto vai para o exílio. Nesse caso, com a comoção provocada no país, Zelaya decidiu expor-se à prisão e às violências, que estão sendo praticadas por um grupo de encapuzados. Mas estes não se sentem em condições de prendê-lo, o que poderia provocar algo semelhante ao que aconteceu na tentativa de golpe na Venezuela, em 2002.
Daí não ter dificuldade em prever a volta do presidente constitucional, ainda mais fortalecido para seu projeto de mudanças.
Um homem surpreendente
O presidente José Manoel Zelaya Rosales, deputado por três legislaturas e eleito em novembro de 2005 pelo conservador Partido Liberal, derrotando outro conservador, Porfírio Pepe Lobo, do Partido Nacional, é uma figura surpreendente. Rico fazendeiro e madeireiro, percebeu que a velha política de total submissão aos interesses da oligarquia tinha se esgotado.
No segundo ano do seu governo tratou de se aproximar do presidente Hugo Chávez e de redesenhar as relações do governo com as camadas pobres do país, que estão entre as mais miseráveis de toda a América Latina.
Antes de ser presidente, foi ministro do Fundo de Investimento Social, quando implantou o programa de Condados Abertos, visando descentralizar as decisões e dar mais poder às comunidades. Essa experiência foi, de fato, o primeiro contato com os agrupamentos que se organizavam em torno de propostas criativas para vencer a miséria.
Crise do salário mínimo
Mas foi sua decisão de aumentar o salário mínimo em 60% que produziu o combustível do conflito atual. Com esse reajuste, o mínimo em Honduras é de 5.500 lempiras ( R$ 611,00) nas zonas urbanas e de 4055 (R$ 450,00) na rural. Com isso, tornou-se ídolo dos trabalhadores, ganhou o apoio do partido Unficação Democrática, de tendência socialista, e das organizações sociais, como a Via Campesina.
Em compensação, despertou a ira dos seus antigos parceiros da classe rica, que ainda pensa Honduras como um feudo dividido entre um restrito grupo de endinheirados.
Com suas primeiras medidas de cunho social, Honduras registrou um crescimento anual de 7% e reduziu de 70 para 60% o número de hondurenhos na faixa de pobreza absoluta.
Sua decisão de integrar a Alternativa Bolivariana para a América azedou as relações com os Estados Unidos, no governo Bush. Isto porque foi graças a essa nova aliança que Honduras passou a se beneficiar de uma ajuda efetiva, com registrou o jornalista F.C Leite Filho, em substancioso artigo difundido pela REDE PDT: “a capitalização do Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola (Banadesa), com 100 milhões de dólares para financiamentos a camponeses, artesãos e pequenos comerciantes, que não têm acesso aos bancos privados, a doação de 100 tratores para apoiar a produção campesina e aumentar a produtividade no campo; a ampliação das brigadas médicas cubanas e educativas para declarar, nos próximos 14 meses, que Honduras é livre de analfabetismo. Finalmente, o país se beneficiaria dos programas de independência energética e de programas de comunicação com potencialização do canal de televisão nacional hondurenho (canal 8) com programas educativos e culturais”.
Honduras paralisada
Dolores Jarquin, da Via Campesina, e Beatriz Gomez, da Confederação Unitária dos Trabalhadores de Honduras, que não haviam votado em Zenaya, estão entre os milhares de líderes que comandam uma greve que dura desde o assalto de 28 de junho.
Beatriz declarou que Zelaya teve uma atitude inédita diante das greves e manifestações. “Ele não dava ordem aos militares para conter os protestos, tentava o diálogo, e isso não era costume no país”.
Durante o governo de Zelaya, as greves não foram frequentes, mas manifestações como interrupção do trânsito de veículos na capital e paralisação de atividades aconteceram algumas vezes. O governo não teve o hábito de ordenar a mobilização de policiais ou do exército para conter as manifestações.
Além do aumento do salário mínimo, Beatriz e Dolores apontam outras medidas que agradaram aos trabalhadores, como a reforma do sistema público de saúde e os programas de educação. “Ele criou os hospitais, programas preventivos, como o Saúde da Família, que não existia. Na educação, criou programas de alfabetização e
programas de acesso à universidade”.
Aumentou o número de unidades móveis de saúde e de programas preventivos em regiões afastadas. Isso permitiu controlar a malária e melhorar o saneamento público. Na educação, implantou o método de alfabetização cubano chamado “Yo sí puedo”, desenvolvido para 5 mil jovens e adultos, com o qual espera eliminar o analfabetismo até o próximo ano. “Ele criou um estatuto para os docentes. Isso era reivindicado há aproximadamente 12 anos pelos professores. Foi uma das primeiras ações dele”, disse Beatriz.
Quem deu o golpe
Um personagem muito conhecido dos hondurenhos e do mundo estar por trás do golpe, que tem a chancela da maioria da Suprema Corte, que, lá, é integrada por juízes eleitos pelo Congresso unicameral com mandato de sete anos.
Não me surpreenderá se tudo não saiu da cabeça doentia de John Negroponte, embaixador dos EUA em Honduras de 1981 a 1985, responsável pelo recrutamento dos contras da Nicarágua na década de oitenta, que chegou a subsecretário de Estado no governo Bush, isso depois de ter tipo papel chave na invasão do Iraque como chefe de uma central de espionagem criada para unificar todos os serviços secretos dos EUA.
Com a posse de Obama, ele caiu no ostracismo e, aos 70 anos, foi ser bolsista e docente do Whitney e Betty MacMillan Center for International Studies e Espaço da Universidade de Yale.
Quando esteve em Honduras, implantou na base militar dos EUA de El Aguacete, na cidade de Palmarolas, o centro centro de detenção e torturas, com a cooperação da CIA e de militares argentinos.
Negroponte foi quem aproximou os traficantes de armas Thomas Posey e Dana Parkes com os militares hondurenhos e conseguiu que a ajuda militar estadunidense passasse de quatro para setenta e sete milhões de dólares anuais.
De fato, o governo Obama foi surpreendido pela trama. Segundo o jornalista venezuelano José Vicente Rangel, o Departamento de Estado se posicionou contra o golpe quando seus funcionários Tom Shannon e James Steimberg ligaram para o embaixador Hugo Llorens, recomendando que não desse nenhum apoio aos golpistas.
Há que observar ainda que Israel foi o primeiro país a reconhecer o governo saído do golpe e são muito estreitas as relações de Negroponte com os grupos sionistas. O outro país que formalizou o reconhecimento foi Taiwan, que vive no isolamento imposto pela China Popular.
coluna@pedroporfirio.com
3 comentários:
Prezado Porfírio: Ontem acompanhando a movimentação em Honduras levantei a questão abaixo que você respondeu em seu artigo de hoje.
Os recentes acontecimentos em Honduras deixam no ar a seguinte indagação: Considerando a pressão internacional somada a mobilização do povo hondurenho contra a ditadura qual a motivação dos militares para continuarem no poder? Teríamos dentre aqueles países e instituições que condenam o golpe um ou mais fazendo jogo duplo?
Outra situação importante observada a partir deste golpe foi a consolidação da Telesur que desbancou a CNN.
Minha pergunta é simples. Por que a insistência em ignorar a Constituição e as leis de Honduras?
Talvez por desconhecimento. Transcrevo aqui três artigos da Constituição hondurenha.
ARTICULO 239.- El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.
ARTICULO 373.- La reforma de esta Constitución podrá decretarse por el Congreso Nacional, en sesiones ordinarias, con dos tercios de votos de la totalidad de sus miembros. El decreto señalará al efecto el artículo o artículos que hayan de reformarse, debiendo ratificarse por la subsiguiente legislatura ordinaria, por igual número de votos, para que entre en vigencia.
ARTICULO 374.- No podrán reformarse, en ningún caso, el artículo anterior, el presente artículo, los artículos constitucionales que se refieren a la forma de gobierno, al territorio nacional, al período presidencial, a la prohibición para ser nuevamente Presidente de la República, el ciudadano que lo haya desempeñado bajo cualquier título y el referente a quienes no pueden ser Presidentes de la República por el período subsiguiente.
O Congresso Hondurenho foi eleito pelo povo com tanta legitimidade como Zelaya. Os juizes da Suprema Corte indicados pelos representantes eleitos pelo povo.
Milhares de hondurenhos saíram às ruas em defesa de sua Constituição e da Democracia.
Por que esta insistência em defender Zelaya que desrespeitou a Constituição, o Congresso Nacional e a Suprema Corte de Justiça?
Por que esta defesa de um regime totalitário onde só o mandatário de um dos poderes pode governar?
A democracia compreende necessariamente o respeito ã Constituição, às leis do país, aos poderes constituídos eleitos livremente pelo povo.
Até quando teremos de ver esta defesa aos regimes totalitários?
Concordo com o sr. Laguardia quanto a necessidade de defesa da Constituição. Entretanto ao ler a Carta de Honduras deparei-me com um artigo que o nobre constitucionalista ocultou: "ARTICULO 102.- Ningún hondureño podrá ser expatriado ni entregado por las autoridades a un Estado extranjero." http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Honduras/hond05.html Como sabemos o Sr. Zelaya é hondurenho e foi expatriado. Paulo Silva psilvamg@ig.com.br Rio de Janeiro
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