sexta-feira, 24 de julho de 2009

A submissão da UNE à castração do pensamento crítico (I)

Ao pintar na grande mídia, em 1978, ainda sem a barba programada, Lula queria ver os estudantes pelas costas.
“Privatizaram o conhecimento que só à humanidade pertence” Bertold Brecht, teatrólogo e pensador alemão (1898 -1956) “Os estudantes são os patrões de amanhã. Pega, por exemplo, a greve da Scania. Os estudantes da FEI não fizeram greve, estão trabalhando lá como estagiários da FEI. Os únicos estudantes honestos que eu vi foram os estudantes da Fundação Getúlio Vargas”. “Quando os estudantes resolveram fazer um ato público para angariar esmolas para a classe trabalhadora, eu fiz uma nota oficial – vão dar esmola para a mãe deles”. Lula, em entrevista a Ruy Mesquita, herdeiro do “Estadão”, em julho de 1978, o que levou o “barão da imprensa paulista” a considerá-lo um líder proletário autêntico, “incontaminado política ou ideologicamente”. “Ou os estudantes se identificam com o destino do seu povo, com ele sofrendo a mesma luta, ou se dissociam do seu povo, e nesse caso, serão aliados daqueles que exploram o povo” Florestan Fernandes, sociólogo e ex-deputado federal pelo PT-SP (1920-1995) “O governo Lula é outra razão da alienação. Os jovens se sentem obrigados a apoiar o governo atual, porque têm origem de esquerda, e porque acreditam que ele age no limite do possível. Ao limitar-se ao que é possível, a juventude envelhece”. Senador Cristóvam Buarque, artigo publicado em 16 de agosto de 2008. “Entendemos que esta entidade não é mais representativa das lutas estudantis e muito menos um instrumento para tais, considerando que se opõe às lutas das próprias entidades gerais (como o DCE UFU), filiadas à ela, ainda hoje, por questões históricas.” DCE da Universidade Federal de Uberlândia, junho de 2008 “Devido ao fato de estar vinculada a um partido da base aliada do Governo Federal, a UNE assumiu uma posição extremamente governista, quando defendeu o Prouni, deixando de lado algumas de suas bandeiras históricas, tal como a luta pela Universidade Pública, Laica, Gratuita e de Qualidade para todos”. Ivandick Rodrigues dos Santos Jr, acadêmico de Direito da Universidade Mackenzie “Vivemos um momento de alienação, não só dos universitários, mas da juventude como um todo: o sistema “massifica” a juventude, tratando a todos como uma coisa só que ainda é muito imatura para tomar decisões e opinar acerca dos caminhos do país”. Fernanda Senna, Universidade Federal de São Paulo. Quando começou a pintar na grande mídia como “o cara” que nada tinha com as lutas do passado e era “apenas um torneiro mecânico” sedutor, Lula tinha pavor dos estudantes. Demonstrou isso em algumas entrevistas. Mas não ficou só no discurso. Numa das greves badaladas, determinou que sua tropa de choque tomasse os jornais que os estudantes do MR-8 e do PC do B distribuíam e pôs o grupo para correr, insuflando os trabalhadores contra os garotos que queriam “politizar o movimento”. De mala e cuia no Congresso da UNE Mas o mundo dá muitas voltas. Nesses dias empanados de uma Brasília de cabeça para baixo, Lula entrou para a história como o primeiro presidente da República a comparecer a um Congresso da UNE, isso no sexto ano de governo e levando a tiracolo a presidenciável que saiu do bolso do seu colete. Quem mudou? Lula? Os estudantes? Ou mudaram os tempos? Por que só agora, quando joga todas as suas fichas numa candidata inventada por ele? Antes outra pergunta: Congresso da UNE? Menos. Cartorialmente, sim. Mas, de fato, um encontro encorpado pelos bolsistas do PROUNI, um programa que socorreu as escolas privadas, ocupando seus espaços ociosos mediante a renúncia dos tributos devidos, segundo a mesma aritmética que terceiriza a assistência médica do SUS, em que não falta a manipulação dos números para escamotear a injeção maciça R$ 3 bilhões de recursos públicos no ensino mercantil. Entidade comprometida até a medula O evento universitário chocou os que imaginam as entidades estudantis como vanguardas incorruptíveis do pólo acelerador da história. Por sua natureza, espera-se que o envolvimento de jovens na vida política se dê pela via da contestação às práticas inescrupulosas e até ao próprio sistema. No entanto, a União Nacional dos Estudantes, que nasceu no combate ao nazi-facismo quando o governo do Estado Novo tinha entre seus próceres influentes simpatizantes, renegou sua história para se transformar num deprimente cabide de interesses, sucumbindo aos encantos do poder, no mesmo ritual dos sindicatos e das organizações não governamentais de alto teor arrivista. Ironicamente, o abandono das bandeiras pelo ensino público de qualidade, com a garantia de acesso a todos, e da defesa da soberania nacional, o questionamento do modelo econômico, acontece pela ostensiva transformação da entidade em “aparelho estudantil” do Partido Comunista do Brasil, uma verdadeira fraude ideológica, que tenta submeter e cooptar a juventude pelas ofertas de programas e sinecuras no Ministério dos Esportes, com o qual foi aquinhoado desde a ascensão de Lula. Com muita sede ao pote Erram os que imaginam que essa rendição decorra tão somente das patacas oferecidas pelo governo e pelas estatais. Nos tempos idos, antes de 1964, o governo federal destinava subvenções a UNE, UBES e entidades estaduais. Até 1963, antes da implantação do Programa Nacional de Alfabetização - PNA – que mobilizou dezenas de jovens do Partido Comunista Brasileiro – o “partidão” - numa tarefa de grande alcance social, as lideranças se protegiam na explicitação de suas próprias propostas de luta pela democratização do ensino, no apoio aos movimentos pelas reformas de base e a denúncia da desnacionalização da economia. Até 1964, quando o número de universitários não chegava a 130 mil, e o de secundaristas beirava o milhão e 400 mil, 80% das escolas superiores eram públicas, número inversamente proporcional ao que acontece hoje. O Colégio Pedro II, o Instituto de Educação, o Colégio Militar e os ginásios estaduais ofereciam o melhor ensino, travando-se já nos primeiros graus a corrida pelo privilégio de frequentar um estabelecimento público de qualidade. Ao longo desses 43 anos, a educação foi-se afastando de seus fundamentos essenciais, num processo que culminou com a castração intelectual dos jovens. A maioria silenciosa fixa-se na caça ao canudo, embora ainda sejam dramáticas as estatísticas de evasão escolar em todos os níveis do ensino. A privatização do pensamento crítico A mudança do perfil universitário, com o crescimento voraz das escolas e das vagas nos estabelecimentos privados alimentou o processo de desfiguração do ensino superior, irradiando-se na consolidação da ESCOLA MEDÍOCRE, afogando nas perdidas ilusões quase dois milhões de universitários, 79% dos quais pagando para habilitar-se ao mercado de trabalho. A UNE de hoje não é mais o espaço da formação de líderes como antes porque sua base social foi igualmente privatizada, com o seu inevitável empobrecimento intelectual. Não se fala mais na educação como um todo, que contemple as camadas de base, desde as primeiras letras. Ao contrário, o sistema circunscreveu os universitários à patética “filosofia” da “farinha pouca, meu pirão primeiro”, oferecendo soluções cosméticas e inúteis, como as políticas de cotas destinadas tão somente a compensar o sucateamento do ensino público de segundo grau. O dedo nas feridas Quando ocupou o Ministério da Educação, do qual foi demitido pelo presidente assumidamente ignorante com os requintes da torpeza, do desrespeito e da humilhação, o senador Cristóvam Buarque ficou falando sozinho numa das mais corajosas propostas educacionais - o resgate do ensino de primeiro e segundo grau. Mas não ficou aí. É dele a mais inteligente reflexão sobre os descaminhos percorridos pela minoria talhada para o aparelhamento da UNE e da UBES, transformadas em monopólios da garantia dos benefícios da carteira de estudante. Em artigo publicado no jornal O GLOBO, em 16 de agosto de 2008, ao proclamar que “nunca foi tão necessária uma juventude revolucionária”, o ex-ministro, ex-governador e ex-reitor da Universidade de Brasília lembrou que “antes, a revolução defendida pela juventude universitária era a favor da nação, do povo, mas também dos jovens”. "Com o apartheid social que caracteriza o Brasil de hoje, a classe média sabe que seu padrão de vida e de consumo sairá perdendo se houver distribuição de renda para os pobres. Os jovens universitários percebem que não há espaço para todos". "Para eles - escreveu Cristovam Buarque - os únicos empecilhos para chegarem ao paraíso são a Aids e as mensalidades da universidade particular. A revolução está no Prouni e no sexo seguro”. Do seu antológico artigo (que pode ser lido na íntegra clicando aqui), extraí verdadeiras lições: “A UNE vai fazer uma caravana nacional para debater educação, saúde e divulgar práticas de sexo seguro. Isso pode significar que o movimento universitário esteja saindo da paralisia e do corporativismo para encontrar uma nova causa. Mas, ao mesmo tempo, passa a idéia de que os universitários continuam desligados da necessidade de o Brasil fazer uma revolução na sua sociedade”. “Mais importante do que esse saudosismo arrogante é entender por que a juventude universitária ficou conservadora, enquanto a realidade social de hoje é ainda mais perversa do que era antigamente: a corrupção domina, a violência controla as ruas, a desigualdade se transformou em apartação, a educação básica é uma calamidade vergonhosa, o planeta se aquece’. “Alguns põem a culpa nos 21 anos da ditadura, esquecendo-se de que já temos 23 anos de democracia. A culpa é mais da democracia do que da ditadura, porque, naquele tempo, havia uma forte militância juvenil pela liberdade. A democracia calou os intelectuais e alienou a juventude”. “A juventude universitária não defende a necessária revolução na educação de base. Intui que, se todos os pobres do Brasil tiverem educação de máxima qualidade, a juventude de classe média e seus filhos sofrerão forte concorrência. A exclusão educacional e a má educação dos que sobrevivem até o fim do ensino básico é uma forma de proteger os que têm acesso a boas escolas”. Voltarei ao assunto. coluna@pedroporfirio.com
A privatização do ensino e suas consequências nefaastas