domingo, 26 de outubro de 2008

A volta incômoda depois de uma insólita execução

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 27 DE OUTUBRO DE 2008 “Se passarmos a viver numa cidade em que tudo se resolve na bala não poderemos falar em democracia”. Deputado Marcelo Freixo – PSOL-RJ Nesta segunda-feira, devo reassumir o mandato de vereador na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Por quantos dias, não sei. Depois de ser afastado por uma liminar sem pé nem cabeça na véspera do recesso do Judiciário, em dezembro de 2007, acho que tudo pode acontecer. O problema não é só a ambição e a falta de escrúpulo de um suplente disposto a pagar qualquer preço para ganhar um mandato. O problema sou eu. Esses esquemas que controlam os podres poderes não me querem com mandato, nem mesmo numa Câmara Municipal. Essa volta agora se dá em circunstâncias patéticas. O suplente que usurpou o cargo e tinha amigos influentes e outros da pesada foi vítima de uma perversidade inominável: pistoleiros profissionais fecharam seu carro às 9,30 de uma manhã movimentada, em plena Ayrton Sena, a avenida que liga a Barra da Tijuca à Linha Amarela e à Zona Norte. Na frente de muitas testemunhas, dispararam três certeiros tiros em sua cabeça, feriram o motorista e fugiram num gol branco sem serem interceptados por ninguém. Pelo noticiário, não apareceu uma viva alma para anotar a placa, nem para usar o celular e avisar à polícia. Os criminosos sumiram na claridão de uma manhã ensolarada, deixando atônito e inerte aquele povaréu todo. Soube-se que a polícia ainda ouviu alguns dos motoristas que estavam próximos da cena. Mas nada disseram que ajudasse a identificar os matadores. Independente do personagem da tragédia, isso é realmente assustador. Mostra o nível de insegurança de todos nós. A execução se deu em plena luz do dia e o vereador morto certamente tinha noção de que corria algum risco, a julgar pelas informações divulgadas posteriormente. Volta desconfortável Nestas circunstâncias, é profundamente incômodo recuperar o MEU mandato, que termina no final do ano, embora seja este o momento mais importante de qualquer casa legislativa - quando o orçamento do ano seguinte é votado. É claro que a morte configura a perda de objeto da liminar que o mantinha no cargo. E, na melhor interpretação, por seu caráter precário, restabelece o meu direito em toda a sua extensão, ainda mais porque já havia sido tornado extinta por 17 a 4, em 26 de maio, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Na 20ª Câmara Cível, onde o agravo impetrado por ele havia tido algum avanço, a decisão que o favoreceu não poderia ter acontecido, devido à sentença da juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública, Jacqueline Montenegro, proferida em 28 de setembro de 2007. Isto é, qualquer rábula sabe que não pode prosperar nenhum agravo depois de sentença pronunciada. O meu afastamento em dezembro se deu em um mandado de segurança contra a medida da desembargadora Letícia Sardas, relatora do processo na 20ª Câmara Cível, que suspendeu a execução de uma decisão que me privava do mandato. No âmbito dessa Câmara, tudo levava a crer que o processo teria desfecho lógico. Por duas vezes - em março e agora em outubro, o representante do Ministério Público, procurador Márcio Klang, se pronunciou para tornar sem efeito o ARESTO, com base na Súmula 405 do STF. No entanto, aí é que ninguém vai conseguir entender jamais, permaneci afastado durante dez meses, algo que prejudicou irremediavelmente a minha campanha pela reeleição, em conseqüência de que, embora tivesse agregado novos segmentos na base de apoio, tive a pior votação de todos os pleitos que disputei para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro: 9.624 em 2008, contra 13.924 em 2004. Se tivesse ao menos repetido a votação anterior, teria sido eleito. Além dos dois evangélicos, o PDT elegeu outro neto do governador Brizola com 12 mil votos. Queima de arquivo? Conto essa história para que você saiba que o mal que tinham de fazer contra mim, já fizeram. Havia muitos interesses para me tirar de campo. E esses interesses venceram, por bem ou por mal. Se não fosse pela responsabilidade do orçamento que já se destinará a um novo prefeito, não tinha nenhuma vontade para voltar à Câmara por dois meses, como uma espécie de “prêmio de consolação”. É claro que vou procurar ser o melhor vereador nesses dois meses, mas ao olhar para trás e para frente defronto-me com um enorme vazio e tenho uma melancólica sensação de uma tremenda rasteira de um esquema brabo, que não me quer titular de um mandato em razão da minha incorrigível independência e da minha doentia fidelidade aos valores que permearam minha biografia ao longo dos meus 65 anos sofridos, mas nunca corrompidos, nem rendidos. E esses 309 dias em que mantive o trabalho com a equipe, sempre esperando voltar logo, como ficam? Quem vai se responsabilizar por essa inusitada amputação de um mandato legítimo e inatacável? Uma das missões que considero importante nesses sessenta dias é exatamente usar das prerrogativas do Legislativo para pressionar no sentido de que as investigações sobre a morte do Sr. Alberto Salles não se percam no caminho, como aconteceu com as execuções de dois outros vereadores cariocas – Luiz Carlos Aguar, em 2002, e o ex-bispo da Universal Monteiro de Castro, executado em 2003, em plena Avenida Brasil, apesar do carro blindado em que seguia para casa. Ainda não se falou nisso, mas se neste caso d’agora foi mais uma QUEIMA DE ARQUIVO? As últimas informações sobre a execução de vereador, que também perdeu com 8.126 votos, falam de conflitos por terras griladas no Recreio dos Bandeirantes. O repórter Luiz Ernesto Magalhães, de O GLOBO, que é carne de pescoço e costuma ir fundo em suas matérias, publicou na edição de sexta-feira: “O vereador Alberto Salles (PSC), executado na manhã da terça-feira passada, na Avenida Ayrton Senna, na Barra, figurava como réu num processo por disputa de terras no Recreio. A ação número 2007.001.122529-7, que tramita na 12ª Vara Cível, teve audiência marcada no dia em que o político foi assassinado. O autor do processo relacionado ao espólio de Jorge Chalreo pede a anulação do registro imobiliário em nome da Recreio dos Bandeirantes Imobiliária S/A e de outros três réus, entre eles o político morto. A suposta ligação de Alberto Salles com a disputa de terras no Recreio também figura como uma das motivações do crime investigadas pela Polícia Civil”. Pelo uso de “pistoleiros de aluguel” e pela torpeza da execução numa via movimentada e à vista de muita gente, imagino que os assassinos e mandantes estão convencidos de sua impunidade. E isso ninguém pode admitir, em hipótese alguma. coluna@pedroporfirio.com