segunda-feira, 25 de maio de 2009

Brizola jamais participaria desse governo Lula

Dois momentos com Brizola: em 2003, na Câmara do Rio, durante a entrega da Medalha Pedro Ernesto à deputada Cidinha Campos, E no seu último reveillon, no alvorecer de 2004. Nesse período, conversámos muito e ele abria seu coração amargurado.
''A aliança Lula-Brizola é a única soma que conheço cujo resultado é negativo''. Delfim Neto, um dos atuais inspiradores do governo petista. Já que chegamos ao mais baixo nível da vida pública brasileira, cuja mola propulsora é a facilidade do sistema para transformar a classe política num zoológico de miquinhos amestrados, faz-se necessário o resgate histórico da figura de Leonel Brizola: nas atuais circunstâncias, se vivo fosse, o PDT jamais participaria desse conchavo escabroso reunido em todo do governo Lula. Faço essa afirmação sem pestanejar. E desafio qualquer um dos seus herdeiros, sejam os necessários ou os adotados no crepúsculo das vacas magras, a explicar essa adesão perniciosa, que ainda vai causar um prejuízo falimentar à legenda brizolista, minando os seus fundamentos e afetando os vínculos com os brasileiros que viam no caudilho a resposta nacionalista ao modelo econômico entreguista que ele criticava 24 horas por dia e que, no entanto, é o ABC dos nossos governantes. Não que o Brizola tenha sido coerente na sua relação com o sapo barbudo. Ele tinha perfeita consciência de que Lula foi fabricado, entre outras missões, para barrar-lhe a ascensão à Presidência da República, no que o sistema usou de todos os condimentos disponíveis, desde a punga do velho PTB, por obra e graça do general Golbery, um dos padrinhos do “neo-sindicalista”, até o direcionamento de votos dos grotões para o petista, evitando que Brizola fosse enfrentar Collor no segundo turno, passando por obscenidades mais audaciosas, como a tentativa de fraude nas eleições de 1982, através da Proconsult. Mas Brizola tinha um certo prazer em ver um ex-operário, de origem humilde, como ele, derrotar os candidatos saídos das classes dominantes. “Não seria fascinante fazer agora a elite brasileira engolir o Lula, o sapo barbudo?” – repetiu mais de uma vez. Esse esse sentimento tinha muito a ver com seus conflitos implacáveis com o poder econômico. Encontro infeliz A primeira certeza dessa tarefa confiada ao ex-líder metalúrgico de São Bernardo ele teve pouco depois de voltar do exílio. Alguns deputados da esquerda do MDB articularam uma visita de Brizola a Lula, lá no sindicato, no início dos anos 80. Segundo seu parceiro Cibilis Viana, que participou da visita, Lula deixou Brizola chocado e muito amargurado. Ao recebê-lo em sua sala, o presidente do Sindicato sequer levantou-se da cadeira para abraçá-lo. Aqui já foi uma ducha de água fria. Lula recebeu-o secamente e, para azedar o encontro, passou a desancar o antigo sindicalismo, que, “era controlado por pelegos do PTB”. A coisa ficou feia quando ele, que já devia ter tomado alguma, começou a falar mal do presidente Vargas, ensejando um bate-boca que só não foi mais inflamado devido à providencial intervenção da turma do deixa disso. Mas nessa hora, o líder trabalhista interrompeu a conversa e foi embora sem maiores formalidades. O último réveillon Conversei sobre esse incidente com Brizola no seu último réveillon. Morando na Avenida Atlântica, ele costumava receber os amigos em sua casa, servindo uma ceia farta, para ver a explosão dos fogos na praia. Na véspera do ano novo de 2004, para minha surpresa, só estavam lá a sua afetuosa companheira, Marília Guilhermina Martins Pinheiro, o filho João Otávio, os netos, um bisneto, Lígia Doutel de Andrade, sempre bonita viúva do brilhante deputado Doutel de Andrade, eu e Danilo e Yoone Groff, amigos do “doutor” desde a década de cinquenta. O comandante Maia, que fora piloto o helicóptero do governo do Estado, deu uma passada, mas não demorou muito. Naquele momento, eu era o único titular de um mandato no seu apartamento. Isso tinha uma explicação: apesar de ter batizado meu filho Pedro Ivo, numa festa que terminou na Escola de Samba do Estácio, só no último ano de sua vida, quando andava desiludido com velhos amigos, o caudilho passou a me ouvir, em longas conversas. Até então, sempre teve um pé atrás comigo, porque eu era um dos raros correligionários que divergia dele em plena reunião, desde os primeiros encontros no Hotel Everest, em Ipanema, quando, cheio de ilusões, achava que assumiria a liderança de toda a oposição brasileira – dos ex-exilados até os sobreviventes que faziam jogo duplo por aqui. No réveillon e, em fevereiro de 2004, quando conversarmos sozinhos por quase três horas, tudo o que ele fazia era lamentar o governo Lula, “que vai nos levar a buscar alianças sem perfil ideológico, porque, neste momento, o melhor serviço que posso prestar ao Brasil é somar forças contra esse estelionato político”. Encontro com Bornhausen Na noite do ano novo, mais ao canto, enquanto ele servia vinhos italianos enviados pelo vereador Sami Jorge, sentado à mesa com ele, critiquei um sussurro sobre conversas com o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen. - É verdade. Dia 7, vou recebê-lo aqui em casa para tomar café e vamos aprofundar alianças nas eleições municipais, com vistas a 2006. Dessa vez eu não vou cair na conversa do sapo barbudo, que está sendo manipulado pelo Sarney, o Delfim Neto e o Meireles, do Banco Central. Ele contou que já em 2002 havia conversado com Bornhausen na tentativa de ampliar o apoio para a candidatura de Ciro Gomes. Eu sabia disso: tinha guardado no meu computador, (o Google ainda não estava com essa bola toda), suas declarações feitas em Florianópolis, após conversar com o presidente do PFL e com o governador Espiridião Amim, na presença do presidente do PDT catarinense, Manoel Dias, transmitida pela Agência JB no dia 17 de julho, analisando os presidenciáveis: Ciro Gomes: "Não pertence a algum grupo, anda sozinho, conhece a realidade do país e tem idéias claras e definidas. Fala bem o português, latim e até inglês"; Lula: “É pouco experiente, virou um almofadinha, um galã, ele sempre viveu da glória e é carregado por uma pequena burguesia"; José Serra: "É um burocrata e seu fraco desempenho surpreendeu o Governo Federal". Deslealdades do PT Em dezembro de 2003, o PDT já havia rompido com Lula, de cujo governo, segundo ele, participou por “gravidade”. Insistiu em que não foi sua, nem do partido, a indicação de Miro Teixeira para o Ministério das Comunicações: “isso foi coisa da Rede Globo” – disse, lembrando a amizade do deputado com os filhos de Roberto Marinho. “Se eu tivesse sido ouvido, não aceitaria esse ministério, que não tem nada com o trabalhismo e pensaria em outros nomes para nos representar. Lula me golpeou dentro do partido, criando um desconfortável fato consumado”. Quando reencontrei Brizola em fevereiro, nossa última conversa longa em seu apartamento, ele parecia abatido e tenso. Voltamos a conversar sobre Lula. Ele lembrou a deslealdade na eleição de 1994, quando o programa eleitoral do PT repetia toda hora uma declaração infeliz sobre a CPI, que considerava gerada pela GLOBO, por conta de compromissos não honrados por Collor: “Por mim, essa CPI não sai” – disse e depois dessa frase perdeu quatro eleições seguidas, algumas de forma humilhante. Mas era por conta do rumo adotado por Lula que ele repetia: “Porfírio, você jamais me verá de novo ao lado dele. Ao contrário, farei aliança até com o coisa ruim para derrotá-lo”. E repetiu o que dissera numa matéria publicada no dia 8 de janeiro pela FOLHA DE SÃO PAULO, depois de receber o presidente do PFL: “O PDT não está preocupado em discutir alianças ideológicas para as eleições municipais. Nós estamos analisando situações concretas, assim como o PT está fazendo. O grande guru do governo Lula, por exemplo, é o senador Sarney”. Nessa matéria, Brizola criticou o contrato de renegociação da dívida da empresa americana AES, divulgado no último dia 29, que inclui o perdão pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de US$ 193,7 milhões (cerca de R$ 554 milhões). "Estou convencido de que esse acordo que a Folha publicou amplamente só pôde ser realizado com a ordem direta do presidente". -Tu vê, comentou comigo, o Lula saiu melhor do que a encomenda. Voltarei a falar, porque, entre outros projetos, estou começando a escrever o segundo volume do meu livro “Confissões de um Inconformista”. coluna@pedroporfirio.com