domingo, 14 de setembro de 2008
Um leilão de muito sangue, suor e lágrimas
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 15 DE SETEMBRO DE 2008
“Somos obrigados a pedir socorro mais uma vez, pois muitos dos nossos colegas (que, com suas famílias, totalizam cerca de 6 mil pessoas), estão passando fome. Muitos não resistiram aos sofrimentos e morreram”.
José Carlos Jesus, presidente da Comissão dos Ex-Empregados da Bloch.
Poucos leilões do patrimônio de uma massa falida têm tanta importância para vida de uma cidade como o que acontecerá nesta quarta-feira, dia 17 de setembro de 2008, quando irá à praça uma das mais belas obras de Oscar Niemeyer, o conjunto de prédios da antiga Manchete.
Essa importância não é apenas por conta de sua belíssima concepção arquitetônica, que, em 1968, ao abrigar as revistas que foram da Frei Caneca, em pleno ano da ebulição juvenil, quebrou a monotonia conservadora das antigas edificações da Rua do Roussel, na porta da Praia do Flamengo.
Mais do que isso - relato com o coração apertado - desse leilão depende a arrecadação de recursos para pagar uma corporação que escreveu mais de meio século da história do Brasil, e que há oito anos experimenta um amargo sofrimento regado a sangue, suor e lágrimas.
Algo impensável, considerando o patrimônio humano de uma editora, por onde passaram os nomes mais expressivos do jornalismo brasileiro, inclusive o nosso mestre Hélio Fernandes, que, como editor-chefe, foi responsável por sua definitiva inserção no primeiro time do nosso mundo jornalístico, nos anos 52-53.
É depende muito mais do que se pode pensar à primeira vista: os trabalhadores da empresa esperam o respeito aos seus direitos desde 2000, quando o complexo Bloch foi à falência.
De costas para o direito
Embora o processo falimentar tenha se dado na vigência do Decreto-Lei7661/45, que, no seu artigo 102, assegura prioridade indiscutível aos credores trabalhistas, há uma decisão inusitada da 3ª Câmara Civil do Rio de Janeiro, que acolheu petição da Procuradoria do Ministério da Fazenda, remetendo os empregados para segundo plano e mandando pagar primeiro as dívidas tributárias.
Estamos, portanto, diante de mais um momento de tensão e dúvida provocado por uma interpretação judicial injusta. E diante, igualmente, de uma inopinada intervenção da Procuradoria da Fazenda, que forçou a barra para limpar a dívida tributária da massa falida, como se os empregados, muitos até hoje sem oportunidade nova no mercado de trabalho, tivessem de amargar o mesmo inferno reservado ao pessoal da Varig, cujo processo de “recuperação” foi deferido nos termos da nova legislação, aprovada em 2005, que abandona os empregados a pão e água, sem ver um níquel de suas verbas rescisórias.
Para agravar, além dessa possibilidade de um deplorável fiasco na apropriação do arrecadado com o leilão, os três prédios geminados da Rua do Roussel vão à praça com um lance mínimo de R$ 40 milhões, inferior ao seu verdadeiro valor. Considerando a qualidade dos seus 30 mil metros quadrados, quem oferecer esse dinheiro estará fazendo um negócio da China.
Calcula-se que a dívida trabalhista acumulada seja superior a R$ 50 milhões. Entre os mais de 2 mil ex-empregados, muitos já morreram enquanto o dinheiro do patrimônio não apareceu por conta, sobretudo, da manipulação das massas falidas que, em nosso país, na maioria dos casos, viram indecorosas arapucas.
Há articulações no primeiro escalão do governo federal, a partir do Ministério do Trabalho, para que a Fazenda chegue a um acordo com os credores trabalhistas. O próprio desembargador Antônio Duarte, que decidiu pela prioridade do crédito tributário, considera a possibilidade desse acordo, no qual 20% do arrecado iria para o governo federal e o restante para os trabalhadores.
Em desvantagem com a realização do leilão a poucas semanas da decisão judicial, estes aceitariam esse acordo, não obstante a determinação indiscutível do artigo 102 da antiga Lei de Falências que estabelece os credores privilegiados:
É GARANTIDA "A PREFERÊNCIA DOS CRÉDITOS DOS EMPREGADOS, POR SALÁRIOS E INDENIZAÇÕES TRABALHISTAS, SOBRE CUJA LEGITIMIDADE NÃO HAJA DÚVIDA, OU, QUANDO HOUVER, EM CONFORMIDADE COM A DECISÃO QUE FOR PROFERIDA NA JUSTIÇA DO TRABALHO".
Um patrimônio inestimável
O que vai à praça nesta quarta-feira é um verdadeiro centro empresarial, que traz consigo momentos inesquecíveis da história brasileira.
Localizados em um ponto turístico com vista panorâmica para o Parque do Flamengo, a Baía de Guanabara, a Marina da Glória e o Pão de Açúcar, os prédios do grupo Bloch tiveram sua construção projetada por Oscar Niemeyer.
Adolpho Bloch levou um bom tempo dinamitando uma pedreira a fim de abrir espaço para o prédio de dez andares, fachada toda de vidro. Em 1980, veio o segundo prédio, no local onde ficava o palacete do jornalista José Soares Maciel Filho, tido como o ghost-writer da carta-testamento de Getúlio Vargas. Era um prolongamento do primeiro prédio, colado a ele, com a mesma fachada do Niemeyer e alguns metros mais extenso.
Em 1986, nasceu um terceiro prédio, um novo prolongamento da fachada do Niemeyer, bem menor, no terreno de uma antiga casa. O prédio da Manchete, plantado à beira-mar na Praia do Flamengo, tornou-se uma espécie de farol para gente de todos os cantos do mundo. Em seu primeiro ano, serviu de cenário para uma recepção ao primeiro homem que pisou na Lua, o astronauta Neil Armstrong, poucos meses depois do feito. O ex-presidente JK teve seu escritório lá e, ao morrer, foi velado no saguão do prédio.
É profundamente lamentável que os profissionais da antiga editora e da rede de televisão tenham sido levados a uma situação tão humilhante, até porque, como relatou o presidente da Comissão dos Ex-Empregados, José Carlos Jesus, em carta ao ministro do Trabalho, Carlos Lupi, “desde a falência da empresa, no ano 2000, a maioria deles não consegue emprego, devido à idade avançada, pois, infelizmente, há preconceitos contra os idosos no Brasil”.
Se o Ministério da Fazenda não chegar a um acordo neste leilão, como entendem agora os próprios desembargadores da 3ª Câmara Cível, o sagrado direito dos empregados previsto em Lei sucumbirá para todo o sempre, já que o prédio leiloado é a única fonte capaz de concretizar a expectativa de 8 anos de um punhado massacrado de profissionais que passaram a maior parte da vida laboral nas empresas do grupo Bloch.
coluna@pedroporfirio.com
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2 comentários:
Caro Pedro
Pelo visto, não só o resultado do "sangue, suor e lágrimas" dos milhares de brasileiros que já se foram mas também do reais credores da Bloch e da Varig acabarão "filtrados", se acumulando nas profundas camadas de nosso continente, resultando no Pré Sal e no inflamado e sempre "precioso" líquido negro.
Abraços
José Guilherme Schossland - Joinville - SC
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