sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Essa abominável guerra surda (e suja) do poder

“Ao classificar de "abominável e irresponsável" a declaração do ministro Carlos Lupi sobre a utilização de recursos do FGTS para capitalizar a Petrobras para o projeto pré-sal, o presidente Lula praticamente demitiu-o”. Hélio Fernandes, TRIBUNA DA IMPRENSA, 25 de setembro de 2008 Esse novo e deplorável episódio sobre recursos do FGTS, que deixou mal na fita o ministro Carlos Lupi, está servindo para uma avaliação crítica das relações do governo do PT com o partido sobre o qual paira a aura legendária de Leonel do Moura Brizola. Colunista de grande responsabilidade e competência, por quem, aliás, o caudilho tinha grande admiração, Carlos Chagas escreveu em sua coluna de ontem, também aqui na TRIBUNA: “O ministro Carlos Lupi não é doido nem rasga dinheiro. Aderiu-se publicamente à utilização do FGTS para a compra de ações da Petrobrás, foi por haver recebido sinais nesse sentido, da equipe econômica ou do Palácio do Planalto. O que dizer da explosão do presidente Lula, logo depois, chamando a idéia de abominável, capaz de desarticular o mercado de ações? É preciso prospectar o episódio mais a fundo. Alguém, no governo, estimulou o ministro do Trabalho a engajar-se na proposta e, depois, exasperou o presidente da República no sentido contrário. O resultado aí está: uma lambança dos diabos. O mínimo a supor é a existência de ministros ou altos funcionários interessados em desestabilizar Lupi, de olho no seu lugar para oferecer a aliados e correligionários”. A olho nu, vê-se que o PDT não tem muito a ganhar, emprestando sua história a um governo de tantos e tão clamorosos compromissos com o sistema financeiro, ao qual se submeteu com tal nível de subserviência que não se contentou em entregar o Banco Central ao ex-presidente do Bank Boston: fez questão de blindá-lo com a armadura e os privilégios de um ministro de Estado. Ao oferecer um naco do poder aos sucessores do brizolismo, o sr. Luiz Inácio quis tão somente inibir o seu florescimento como repositório de um manancial oposicionista no campo progressista. Nunca lhe ocorreu, como nas alianças éticas, uma discussão paritária sobre as políticas de governo. Essa é uma deferência que o ex-metalúrgico reserva aos seus ex-patrões e aos que controlam a economia, de dentro e de fora. Esses, sim, fazem parte do núcleo de decisões. Situação de risco Quando foi para o Ministério do Trabalho, já nos acréscimos de um jogo de caneladas, o ministro Carlos Lupi provavelmente tinha essa percepção. A seu critério e dos mais chegados, ele calculou que poderia inverter o jogo, na medida em que, de um gabinete ministerial, ganhava a visibilidade necessária para incrementar o crescimento do partido. Como aconteceu ao longo da história, o cimento social dessa aproximação não foi o amor, nem a busca da mesma estrela sonhada por Exupéry. Considerando as própria composição do PDT hoje, sem o seu grande líder, não se pode dizer que não valeu a pena arriscar. Mas as atitudes de Lula e do PT parecem destinadas a fulminar a legenda brizolista. Agindo como uma hidra, o torneiro mecânico que encantou os doutores da John Hopkins University e ganhou a confiança de Golbery usa de uma técnica apurada para imobilizar possíveis estorvos em seu caminho. Para conviver com ele sem o risco de passar o mesmo vexame a que foi submetido o então senador petista Cristóvão Buarque, demitido por telefone quando estava em Portugal, o ministro Carlos Lupi deveria contratar um assessor com conhecimento da previsão das marés e do fogo amigo. Como esse assessor não existe, o ministro Lupi vai acabar ficando no prejuízo. Ele será tratado como um subministro, exposto a descomposturas típicas de falsos companheiros, possuídos pela síndrome dos traumas de infância, que gozam ao desmoralizar subalternos na via pública. O episódio em que o poderoso chefe descarregou sua bílis contra o seu ministro, provavelmente depois de ouvir calado poucas e boas dos “donos do mercado”, não é o único traço do desconforto a que ele o submete sistematicamente. Lula estará sempre fazendo o que puder para demonstrar que Lupi é um ministro monitorado. Além de negar-lhe autonomias primárias, como para opinar sobre as campanhas publicitárias de sua área, o presidente faz questão de esvaziar o seu papel como árbitro dos conflitos trabalhistas, no qual João Goulart foi o maior dos mestres. Ante a denúncia de trabalho escravo nos canaviais, feita por organizações ligadas à ONU, Lula designou o ministro Luiz Dulce para intermediar os entendimentos ente a UNICA – central dos donos da cana e a Contag, em nome dos trabalhadores rurais. Essa era uma tarefa elementar do ministro do Trabalho e não do secretário geral da Presidência. Na greve dos correios, que teve tanta repercussão nacional, Lupi ficou inteiramente afastado da sua missão de negociador. Na hora que a negociação chegou a nível ministerial, falou pelo governo o titular das Comunicações, que capitalizou politicamente com o fim da paralisação. Espeto de pau Nos casos em que procurou interferir, como na Varig, na GE e no leilão do prédio da Bloch, ele não encontrou entre seus parceiros mais do que perdidas promessas. Quando o PDT entrou com uma Ação de Inconstitucionalidade contra artigos da “Lei de Recuperação das Empresas”, o núcleo mandante do governo tratou de mexes seus pauzinhos e sua petição entrou para o gaveteiro do STF. Em casa de ferreiro, espeto de pau. Lula, que teve o carinho do ministro Murilo Macedo no tempo do general Geisel, devorando seus “Ballantines” em reuniões madrugada a dentro, (segundo está no livro de Mário Garnero) tirou toda a força política do Ministério do Trabalho, o que não seria preciso, porque as lideranças que apareceram no bojo do seu neo-sindicalismo foram devidamente cooptadas. E o ambiente de insegurança social reduz o potencial de luta dos trabalhadores, isso tudo conforme as apostilas do “Diálogo Interamericano”, a super-ONG de David Rockfeller, que ele enfrentou em companhia do seu mestre FHC. Do ponto de vista político, não há espaço para que o ministro pedetista deixe sua marca à frente do Ministério que projetou Jango. Uma avaliação mais tranqüila demonstrará que as perdas e danos serão muito maiores do que eventuais ganhos pela adesão de boa fé a um projeto de governo que é pura má fé. coluna@pedroporfirio.com