quinta-feira, 11 de setembro de 2008
A propósito dos maus presságios das urnas neste Rio de Janeiro
“As esquerdas só se unem na cadeia”
Jargão que estou cansado de ouvir, mas que é a pura verdade.
Bem feito! Como eu havia advertido, por dentro e por fora, aos gritos e aos prantos, os candidatos ditos de esquerda estão prestes a ficar fora do segundo turno nas eleições para a Prefeitura do Rio de Janeiro, tida a havida como a cidade mais politizada do país.
Desculpe o amargor do tom, mas tem hora que não dá para segurar a raiva que me invade o coração, a cólera que me aperta o peito desde que constatei a olho nu que o meu sacrifício e de tantos outros brasileiros, muitos com a própria vida, só serviu de trampolim para as ambições pessoais de falsos profetas, carreiristas enrustidos e messias de araque.
Não que esteja cobrando. Tudo o que sofri e que sofro até os dias de hoje por conta desse estado de mentira que se instalou com a volta dos militares às suas funções constitucionais faz parte do meu destino. Do qual, reconheço, não tenho muito que reclamar. Podia ser pior: bem que eu poderia ter sido eliminado desde aqueles tempos de execuções políticas.
Bem que poderia ter sido silenciado para o resto da vida. Mas a heróica tenacidade de um combatente intimorato, mestre a quem este país deve e jamais terá como pagar, mantém viva esta TRIBUNA DA IMPRENSA, aliás, muito mais USADA pelos que deviam estar correndo atrás do prejuízo causado pelas bombas de março de 81 e pelo constrangimento continuado de que até hoje é vítima, como uma espécie de bloqueio econômico.
Essa débâcle anunciada dos candidatos ditos de esquerda à Prefeitura carioca parece uma sina mórbida, uma fatalidade dialética. Desde Brizola, que quase era surrupiado em sua sofrida vitória de 1982, os novos próceres vieram com “defeitos congênitos”, cuja mancha mais saliente é a ambição pessoal.
A mesma culpa
Por conta da própria idolatria, os que se apropriaram do nosso sacrifício abriram caminho para subprodutos desqualificados desse sistema satânico, que se fizeram líderes por descuidos e já estão gerando novos sucedâneos, todos fabricados por descompromissados alunos do pervertido Joseph Goebbels e empurrados pelo culto da traição.
Hoje, às portas da estação das flores, sou forçado a dizer que todos, rigorosamente, têm a mesma culpa no cartório. Porque a nenhum ocorreu o sentimento da oferta. Antes, infelizmente, cada um só viu sua sardinha na hora de puxar a brasa.
Não ocorreu a tais artilheiros a idéia de uma busca consensual. Quiseram decidir à moda estelar: QUALQUER UM PODE SER O CANDIDATO, DESDE QUE ESSE QUALQUER UM SEJA EU MESMO.
Aqui neste Rio que jamais daria tantos votos a Maluf, Clodovil e Enéas, ficou claro que nunca houve um projeto comum. Primeiro, cada postulante se impôs no seu arraial, muitos a socos e pontapés.
Depois, engolido com um Zagalo destemperado, procurou subalternos e não aliados, produzindo a mais rasteira desconfiança de parte a parte.
De uma pletora de doze candidatos, a maior do país, metade se considerava a alternativa canhota do povo. Qualquer conversa durava o tempo da batalha de Itararé, aquela que nunca houve e que só serviu para cunhar o pseudônimo do genial “barão”.
De tal sorte foi a sem-cerimônia dos aprendizes de feiticeiros que, ao fim, ao cabo, cada um entrou em campo com a cara lavada da mais exuberante egolatria.
Nessa batucada bufa, que vem de outros carnavais, todos, sem exceção, confirmaram o mesmo enredo: separados e em paralelo, esfacelaram os estoques, com o que a direita sábia e pragmática fez a festa.
É mole ou quer mais? Ninguém pensou numa figura que se aproximasse de um Oscar Niemeyer, isto é, em alguém que despertasse a admiração geral e ensejasse o mínimo de rejeição para ser o denominador comum.
Pior será depois
Porque na verdade, insisto, não eram idéias, nem projetos, nem mesmo partidos que preponderavam nas preliminares: como é de praxe entre os mencheviques tupiniquins, a utopia de entrelaçar o despojamento derreteu na primeira praia de sol a pino. Despojamento mesmo, no sentido mais generoso da etimologia, dissipou-se no sepulcro dos que deram suas vidas pelos sonhos ínvios.
Pior é que o vexame a vista servirá tão somente para minar ainda mais as relações de parentesco político. Do “mauricinho” que acreditou no Papai Noel das Laranjeiras à pretensa fada madrinha, sem falar no rebelde que caiu no ninho tucano, todos vão sair dessa ainda mais afetados.
Cada um dirá que, pelo menos, encheu a bola da sua turma. E daí? Qual a diferença entre esses políticos “de esquerda” e os outros, que aspiram tão somente chegar ao poder, nele permanecer ou a ele retornar?
As nós outros, prenhes de sentimentos ou simplesmente ansiosos por uma mudança que nos livre dessa tecla empedernida, o que restará quando as urnas apontarem os restantes para a escolha final?
Ficar com quem? Com o pastor que se fez na orgânica política de sua seara ou com o mutante que se afigura um espécie de cruzamento entre duas matrizes do mesmo criatório?
É bonito isso? Até quando vamos ter que administrar tanta desfiguração do caráter, tanta aberração de princípios? É para o gáudio de “lideranças” personalistas que teremos de verter nossos sangue, suor e lágrimas?
E a urbe desafiadora, quem dela poderá cuidar? Ou pensam essas peças de barro que da sua imprudência vil não advirão conseqüências quase irreparáveis?
Não, não estou imputando responsabilidade nesse ou naquele. Nem no mais, nem no menos cotado. A todos corresponde uma pesada cota nesse prejuízo histórico - diga-se sem tergiversar.
Ainda há tempo? Não sei. Lembro que em 1989, do alto do seu despojamento ímpar, Brizola propôs a Lula a renúncia de ambos, no segundo turno, em benefício de Mário Covas, que não tinha nada desse péssimo caráter de hoje encarnado por FHC.
Lula teimou, como que vendo longe seu próprio futuro. Tivéssemos nos unidos então, poderíamos não estar vivendo às mil maravilhas, mas, com certeza, o Brasil político teria outros contornos.
Seja o que for, pensando hoje, neste Rio de Janeiro de tanta história, é de todo lamentável que os escolhidos das elites se nutram basicamente da teimosia e das ambições dos que contrataram as franquias do chamado campo progressista.
coluna@pedroporfirio.com
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