domingo, 15 de março de 2009

Ah, se todos os lesados também esperneassem assim!

O advogado OSWALDO DUARTE obteve anecipação de tutela numa ação que põe a nu um novo tipo de extorsão do consumidor praticada por uma concessionária privada de serviço público. Na tabela, demonstrou que o consumo de luz aumentou, ao invés de diminuir, como diziam os funcionários da Light para arbitrar uma multa sobre a consumidora. Não contavam que ela guarda todas as contas que paga ao longo dos anos, o que serviu para que o juiz Ricardo Barcellos, da 25ª Vara Civel, tomasse a decisão
com toda segurança jurídica.
“Face ao exposto, defiro a antecipação de tutela pleiteada, nos termos do art. 273 do CPC, para determinar a suspensão da cobrança das parcelas para pagamento do débito, mencionadas no contrato, cuja cópia encontra-se às fls. 74/75, abstendo-se o réu de cortar o fornecimento de energia pelo não pagamento das referidas parcelas, para a unidade consumidora do autor até o término da demanda, sob pena de ser aplicada multa única de R$ 1.000,00”. Juiz Ricardo Coimbra da Silva Starling Barcellos, 25ª Vara Cível, Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Não faz muito, na coluna do dia 6 de fevereiro, publiquei uma denúncia de Alexandre Verly, presidente da Associação Fluminense do Consumidor e Trabalhador, sobre As estripulias da Light à sombra dos podres poderes, na qual ele afirmava textualmente: “As empresas arrancam o relógio e quando o consumidor vai à Light ou à Ampla tem que assinar uma confissão de dívida. Eles estipulam o valor da multa, sem nenhum parâmetro. Caso a pessoa não assine, eles cortam a luz”. Então, presenciei um ato dessa natureza nas minhas barbas e fiquei na expectativa do procedimento legal, que seria adotado pelo escritório do advogado Oswaldo Duarte, presidente da Associação Brasileira do Cidadão (ABRACI). Sua petição num processo de danos morais diante de uma violência insustentável, formulada com requerimento de antecipação de tutela, foi sorteada para a 25ª Vara Cível. Lá, em menos de uma semana, o juiz Ricardo Coimbra da Silva Starling Barcellos proferiu uma decisão, cujo teor irretocável serve de estímulo aos cidadãos, habituados a um condicionamento trágico: aceitam como última palavra as extorsões das concessionárias impunes, protegidas por estruturas institucionais e mídias sempre dispostas a acolher as versões plantadas por bem renumeradas assessorias de comunicação social. Decisão emblemática Nesse processo, fundamentado em detalhes pelo advogado Oswaldo Duarte, cuja experiência e competência conheço de longa data, escreveu o juiz Ricardo Barcellos: “Analisando os autos, verifico que há verossimilhança nas alegações da parte autora, especialmente em razão da documentação apresentada com a inicial. Considerando que se trata de serviço essencial, a tutela antecipada deve ser deferida. Diante da proporcionalidade entre o provimento pretendido e o valor posto em debate, a não concessão da tutela se afiguraria bem mais gravosa do que seu deferimento, pois há perigo de dano de difícil reparação. Face ao exposto, defiro a antecipação de tutela pleiteada, nos termos do art. 273 do CPC, para determinar a suspensão da cobrança das parcelas para pagamento do débito, mencionadas no contrato, cuja cópia encontra-se às fls. 74/75, abstendo-se o réu de cortar o fornecimento de energia pelo não pagamento das referidas parcelas, para a unidade consumidora do autor até o término da demanda, sob pena de ser aplicada multa única de R$ 1.000,00. Fica o autor ciente que deverá arcar com os valores mensais das faturas sem o parcelamento até o término da demanda. Cite-se e intime-se”.. Trata-se de uma iniciativa não muito comum dos consumidores, descrentes da Justiça diante de tantas notícias desabonadoras e desestimulantes. Seria, portanto, um fato isolado, porque, como já disse, há uma correlação de forças que esmaga os cidadãos incapacitados para o hábito de espernear, mesmo diante de situações em que sua razão salta á vista. Mas a ação contra os abusos da Light, que está publicada no blog NOS LABIRINTOS DO DIREITO, é um exemplo que pode ser seguido. Mostra que é possível enfrentar as concessionárias privadas que exercem o monopólio de serviços públicos, até porque ainda existem juízes competentes e decentes no Poder Judiciário. Comprovantes à mão É preciso deixar claro que a consumidora extorquida pôde recorrer à Justiça porque guarda todas as contas dos pagamentos feitos ao longo dos anos. Não é um hábito comum, porque o brasileiro detesta papelada, mas é uma verdadeira salvaguarda nesses dias em que o capitalismo selvagem permite a existência de expedientes abusivos, baseados no descuido dos consumidores. Ressalte-se, igualmente, que esse tipo de faturamento paralelo é uma prática deliberada de concessionárias como a Light e a Ampla. Como não tem peito de enfrentar os “gatos” patrocinados pelas “milícias” ou garantidos por traficantes e bandidos armados, essas concessionárias correm atrás do “prejuízo” juntos aos homens e mulheres de bem. Para operacionalizar essas práticas, as concessionárias mantém agências específicas com esse fim. A “inspeção” objeto desse processo de danos morais ocorreu num sábado, num condomínio de classe média. É possível pensar em tudo. Certamente, os funcionários imaginavam que iam encontrar os moradores em casa, de onde, quem sabe, mediante ameaças ou insinuações, poderiam resolver a pendência no ato. Parece claro também que concessionárias como a Light têm a generosa cobertura da Agência Nacional de Energia Elétrica , tal o teor da Resolução 456, de 21 de novembro de 2000 (editado durante a farra das privatizações) que, em seu artigo 90, confere arbitrariamente poderes excepcionais para a concessionária cortar imediatamente a luz do usuário. Nesse caso, a consumidora foi multada em R$ 8.071,98, com base numa perda estimada de 16.767 KWh no período de março de 2007 até janeiro de 2009. Para isso, a LIGHT estabeleceu o parâmetro a partir de 8 de março de 2007 a 31 de janeiro de 2009, quando teria havido uma queda no consumo em relação ao meses anteriores. Atrás dos descuidados Como dispunha de todas as contas pagas, a consumidora demonstrou que aconteceu exatamente o contrário. No período da suposta irregularidade, tomando por referência sempre os meses de janeiro, ela pagou 2408 kwh em janeiro de 2008 e 2641 no mesmo mês de 2009. Já em janeiro de 2006, seu relógio registrou o consumo de 1917 Kwh e em 2007, 2175. É muito fácil para esses funcionários da Light pegarem de surpresa um consumidor desatento. Sem saber que sua vítima estava de posse de todas as contas passadas, a concessionária arbitrou aleatoriamente uma suposta perda de 16.767 KWh no período de março de 2007até janeiro de 2009. Valendo-se do seu poder inquestionável, deu 24 horas para a consumidora pagar 10% do valor, estabelecendo um parcelamento de 5 anos, com juros que aumentavam a dívida para mais de R$ 10.000,00. Na ação ajuizada pelo advogado Oswaldo Duarte, ele exibiu uma tabela do consumo de janeiro de 2006 a janeiro de 2009, juntando cópias de todas as contas. Foi com base na documentação anexada que o juiz da 25ª Vara Cível concedeu antecipação de tutela, sustando a cobrança. Ao ser objeto dessa estranha “inspeção”, a consumidora exibia uma conta salgada paga à Light no mês de janeiro de 2009: R$ 1.280,00, para um consumo de 2.641 KHW num casa em que moram 5 pessoas. Essa é, aliás, a média cobrada nessa casa durante o verão. No seu arrazoado, o advogado Oswaldo Duarte demonstrou claramente a má fé da Light: “No mês de abril de 2007, a conta referente a março registrou um consumo de 2698 KWh (medição de 31 dias, com média de 87,07 Kwh-dia), contra 2737 Kwh no mês anterior (32 dias, com média de 85,53 Kwh-dia). Comparado ao consumo de 2013 KWh em abril de 2006 (medição de 30 dias, com média de 67,10 Kwh-dia), registra-se que a conta de abril de 2007 apresentou um AUMENTO de 685 KWh e um AUMENTO 19,97 KWh no consumo médio diário”. Neste momento, centenas ou milhares de consumidores desses serviços públicos privatizados e monopolizados devem estar sendo vítimas dos mesmos abusos realizados por funcionários inescrupulosos de concessionárias privadas. Isso acontece porque a grande maioria prefere calar e aceitar a imposição da concessionária como fato consumado. Se todos reagissem como ela, esse pessoal teria mais cuidado antes de dar o bote. coluna@pedroporfirio.com