domingo, 15 de fevereiro de 2009

Um PDT perdido no espaço, como um asteróide sem luz própria

O fantasma de Lula condiciona Lupi, o ministro do PDT
“O Brasil está como sopa na geladeira. Formou-se uma camada de gordura por cima que a torna intragável”. Leonel Brizola Um PDT perdido no tempo e no espaço, como um asteróide sem luz própria, em mergulho cego e constrangido pelas meias patacas que persegue sob o instinto de um olfato contaminado pelo odor dos podres poderes, em cujos arrabaldes instala-se como à espera de um melancólico desenlace. Um partido cada dia mais distante de seu grande emblema, de costas para a rebeldia que inspirou oito décadas de combate. Um espelho fosco de uma opção desfibrada e sem horizonte. Um corpo anêmico, um cérebro miniaturizado, destituído dos ingredientes críticos e inspirações transformadoras, ao sabor do humor de uma corte ladina e de hábitos pérfidos. Uma legenda de destino ínvio, cortado ao meio, tentando valer-se de arquivadas lembranças do passado para exibir um diferencial já detonado e atropelado pelas poucas prebendas que lambuzam os corifeus de uma ópera bufa, composta pela fina flor da mediocridade e do oportunismo. Foi essa a imagem que apareceu na tela da televisão no programa político do Partido Democrático Trabalhista, onde por tantos anos um caudilho indômito – certo ou não – oferecia ao povo sua visão própria, muitas vezes solitária, mas sempre desassombrada, de um Brasil que prezava como nação soberana e de uma sociedade que desejava a mais justa possível. Sinceramente, não era meu propósito tocar em assuntos tão irrelevantes para o destino de uma humanidade que se contorce em dúvidas atrozes, numa crise arrasadora. Não queria mais perder o meu tempo, nem gastar o meu latim com lamentos ante ouvidos que só ouvem o canto da sereia e olhos embaçados pela fumaça da chaminé dourada, numa hora em que não há uma viva alma disposta a encarar a profissão política como uma missão transcendental. Mas não é lícito proteger-se no silêncio ao ver donatários de um legado histórico, muitos parceiros em tenebrosas procelas, marcharem impávidos para a fornalha que os reduzirá a reles pigmeus tolhidos em pensamentos e atos, privando o povo de hoje e de amanhã de uma cidadela construída a sangue, suor e lágrimas. Um programa mal-inspirado O que disseram os poucos próceres do PDT que chegaram às casas de milhões de brasileiros no topo da audiência na tv? O senador Cristóvão Buarque, educador brilhante, ficou nos velhos clichês que sua apatia ancora. Falou da educação como se não a tivesse tido às mãos e do projeto da escola de tempo integral que os primos petistas (ele foi um deles) solapam como uma encomenda d’além mar. Não fez a crítica central: a grande tragédia está na concentração das verbas oficiais no terceiro grau, no abandono do ensino fundamental e no gargalo do ensino médio, em função do que os alunos das escolas públicas precisam recorrer à janela das cotas para ter acesso a uma faculdade do Estado. Mais ainda: está na pedagogia da repetência, de que se valem as elites para limitar a presença dos pobres nos bancos escolares, garantindo a mão de obra subalterna, farta e barata. Não tocou no assunto porque sabe, por experiência proporia, pela passagem no Ministério da Educação, das verdadeiras intenções de um governo atrelado ao sistema internacional. Carlos Roberto Lupi, o ministro do Trabalho, parecia visivelmente constrangido, preocupado em não sair do script de um subordinado do Sr. Luiz Inácio, de quem coleciona reprimendas públicas e desgastantes. E acabou falando da questão do emprego, como se vivêssemos num mar de rosas e como se os progressos registrados num certo momento resultasse de seu empenho como ministro, o que não é exatamente a verdade. Sabe ele, mais do que qualquer mortal deste Brasil assustado, que o governo Lula negocia amputações de direitos e desvio de recursos públicos para irrigar empresas que não precisam, mas têm aliados poderosos nas saletas de um poder, cujo mago ainda é o banqueiro Henrique Meireles, o senhor dos anéis numa corte de mamulengos de pífios conhecimentos e parcas vocações. Sabe que essa história de entregar dinheiro de mão beijada para as construtoras produzirem um milhão de casas populares é uma grande aventura e tem como único objetivo empanzinar a meia dúzia de “jacós” que hipertrofiou o custo da habitação desde os tempos funestos do SFH, em função de que os milhões de trabalhadores subiram os morros ou aterraram os pântanos para ter seus barracos como refúgios. É conversa fiada, como tem sido esse projeto de socorro das lojas particulares de ensino, que ganhou o selo da magnificência generosa, em benefício de estudantes que não podem nem pensar num vestibular para uma Universidade pública. No programa, o PDT apresenta os dois governadores eleitos pela legenda num universo de 27. Um, o médico Jackson Lago, que conseguiu derrotar a filha do senador José Sarney, por conta da dissensão do seu antecessor, Reinaldo Tavares, que nunca mais teve uma noite de tranqüilidade desde quando decidiu romper com a figura do pau mandado. O outro, Waldez Góes, governador do Amapá, o grande aliado do mesmo José Sarney, que só vai descansar quando comer o fígado do conterrâneo. Como você sabe, além de ser hoje o mais festejado remanescente daqueles idos a que serviu com destreza e abnegação, o poderoso senador tem o dom da ubiquidade: é nascido, criado e crescido no Maranhão, mas representa o Amapá no Senado, apesar da vigência do domicílio eleitoral obrigatório. Fora deles, o PDT ainda abriu espaço para o seu vice-presidente em exercício, o deputado Vieira da Cunha, uma das raras vocações decentes da política, que acabou falando ao país como se estivesse procurando alcançar apenas os seus eleitores do Rio Grande do Sul. E ainda caiu no primarismo de contar números de prefeitos e vereadores eleitos ano passado, com ligeiro avanço sobre a legislatura anterior, como se precisando afirmar que o partido não havia definhado por conta do seu apoio incondicional ao governo do PT. Esqueceu ele de dizer que o PDT só elegeu um único prefeito de capital, logo um aliado de Sarney no Amapá, e que em seus dois grandes redutos do passado, a única “vitória” a registrar foi a eleição hereditária de dois netos do caudilho. Um apelo inacreditável No Estado do Rio de Janeiro, onde Brizola teve 3 de cada 5 votos na sua segunda eleição para governador, em 1990, o partido só tem um motivo de orgulho – a volta de Jorge Roberto da Silveira à Prefeitura de Niterói, resultado pessoal de criativas e inovadoras administrações anteriores. Na capital, como se sabe, o PDT amargou mais uma vez a marca do 1% nas eleições majoritárias, fazendo três vereadores: além de um neto do fundador, dois evangélicos, um dos quais filiou-se ao partido na surdina, exclusivamente para ocupar uma das vagas que os brizolistas conquistariam. Mergulhado numa divisão visceral, o partido que já foi a maior força no Estado, onde tem mais filiados do que votos, viu um apelo patético de um deputado, que claudicou como candidato a prefeito, publicado numa rede que alcança pedetistas e simpatizantes do Brasil inteiro. Esse deputado, que demonstrou desconhecer até o número de eleitos, tornou público um apelo para garantir que o primeiro suplente, de 84 anos e vários mandatos pelo PDT, volte à casa que presidiu por 8 anos. Nesse apelo, ele pede publicamente que cada um dos eleitos se licencie por três meses, em sequência, sem precisar demitir ninguém em seus gabinetes, assegurando assim a presença do colega que não logrou reeleger-se. Isto porque a direção do partido, que aderiu no segundo turno ao atual prefeito, não conseguiu convencer os três eleitos a aceitarem trocar a Câmara pela Secretaria do Trabalho municipal, cargo que acabou destinado a um jovem nascido e criado dentro do brizolismo. Mas que chegou ali por ser o braço direito do deputado Brizola Neto. É claro que se o autor desse apelo público inusitado quisesse mesmo socorrer o velho companheiro, iria conversar com os outros pessoalmente, ao invés de comprometer sua própria imagem de seriedade com proposta tão despropositada. Mas isso reflete o ambiente num partido que emergiu na década de oitenta como a grande referência brasileira dos partidos socialistas e sociais-democratas do mundo. E que foi responsável por um dos raros momentos de lucidez administrativa, quando, pelas mãos de Brizola e Darcy Ribeiro, jogou todas as suas fichas na educação pública de qualidade. coluna@pedroporfirio.com