domingo, 21 de dezembro de 2008
Dos podres poderes no Estado como “falsidade organizada”
“Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes, somos uns boçais
Queria querer gritar setecentas mil vezes
Como são lindos, como são lindos os burgueses
E os japoneses, mas tudo é muito mais
Será que nunca faremos se não confirmar
A incompetência da América Católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?
Será, será que será que será que será
Será que essa minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais zil anos?
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Índios e padres e bichas, negros e mulheres
E adolescentes fazem o carnaval
Queria querer cantar afinado com eles
Silenciar em respeito ao seu transe, num êxtase
Ser indecente mas tudo é muito mau
Ou então cada paisano e cada capataz
Com sua burrice fará jorrar sangue demais
Nos pantanais, nas cidades, caatingas e nos gerais?
Será que apenas os hermetismos pascoais
Os tons os mil tons, seus sons e seus dons geniais
Nos salvam, nos salvarão dessas trevas e nada mais?
Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Morrer e matar de fome, de raiva e de sede
São tantas vezes gestos naturais
Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo
Daqueles que velam pela alegria do mundo
Indo mais fundo, Tins e Bens e tais”
“Podres Poderes”, música antológica e atualíssima de Caetano Veloso
Bem que tentei transcrever apenas uns poucos versos da obra de Caetano, mas não deu. Esse é um hino inteiro, tão pujante como inspirador e sempre presente na crônica bizarra desses dias áridos e sem vergonha.
Cada vez que olho para a tela de um cotidiano bestializado pelas triunfantes conspiratas da estupidez o espasmo poético de Caetano ecoa nos meus ouvidos atentos.
O testemunho do Ciro
Foi o que aconteceu quando li a entrevista de Ciro Gomes ao GLOBO de ontem. Poucos manipulam tão bem as palavras, passando testemunhos de situações de que desfruta pela originalidade de sua carreira, onde a ambigüidade sentou praça com tal convicção que pode passar despercebida.
O final de sua entrevista é instigante: “o que preside a hegemonia hoje é a fisiologia, é a repartição de privilégios, é uma pequena panelinha que escolhe entre si. Para mudar isso, precisa de uma insurgência parlamentar”.
Desse parlamento, no entanto, não se pode esperar rigorosamente nada. O exemplo que ele deu fala por si: “aqui na Câmara o que há é uma seleção às avessas. Quanto mais mérito alguém tem, mais irrelevante é. Um exemplo: a Comissão de Constituição e Justiça tem entre seus quadros o ex-governador Roberto Magalhães (DEM-PE), Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), Flávio Dino (PC do B-MA).
Todos brilhantes. E a CCJ, por esse acordo PT-PMDB e por essa hegemonia moral e estranha, elegeu o jovem Leonardo Picciani (PMDB-RJ) e, em seguida, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Isso está errado. É grave que os melhores, os mais qualificados e os mais sérios sejam preteridos por aqueles que não têm os mesmos dotes num coletivo onde se ajuíza o futuro da nação”.
Lembrando Sócrates
Que Congresso é esse que se imagina representativo da arco da sociedade? Hoje, me parece claro que cada parlamentar é a expressão do fundo do poço de uma nação que está perdendo a oportunidade de dar sustentabilidade ao regime democrático.
Se tomarmos a avaliação de cada mandato, em qualquer um dos poderes, não teremos dificuldades em perceber a olho nu que a teoria na prática é outra. Poucos serão os mandatos que se podem considerar expressões reais da confiança política dos eleitores. Quase todos tem uma história permeada por todo tipo de expediente nada “democrático”.
No nosso país, parecem também atuais as objeções de Sócrates, que lhe custaram a vida, por seu confronto com a democracia ateniense, há dois mil e quinhentos anos. Para o grande mestre, a democracia pura e simples facilitava a ascensão de mistificadores. Já então ele considerava que as cidades deveriam ser governadas por “aqueles que sabem”, que reúnem qualidades morais e estão preparados.
Ao citar o filósofo grego, nascido no ano 470 AC, não o faço com a pretensão de ser um erudito. Mas a sua coerência, que tanto encantou meu filho Pedro Ivo, me fez lembrar a frase de Marco Túlio Cícero, filósofo e político romano, que morreu 43 anos antes de Cristo: “COMO TUDO SERIA DIFERENTE SE VENCESSEM EM VIDA AQUELES QUE VENCERAM NA MORTE."
Aos 71 anos, quando foi submetido ao julgamento na “Ágora” por júri de 501 atenienses, divididos literalmente na hora da decisão, Sócrates desprezou todas as possibilidades de sair vivo dali, em troca de pequenas concessões. Podia ter abrandado sua crítica, podia ter optado pelo ostracismo (viver fora de Atenas) e poderia até fugir depois da condenação. Mas para que suas convicções fossem gravadas para todo o sempre, não titubeou na hora de tomar o veneno da morte a que fora condenado.
Ao longo da nossa história, tantos outros homens de bem pagaram caro por sua coerência. Foram tantos que não há nem como listá-los aqui. Mas é possível que essa cepa não exista mais. Antes, estamos entregues ao que há de pior em todos os podres poderes, impregnados do que há de mais abominável no caráter humano.
Estado de falsidade
Permita-me se hoje tendo a buscas de respostas em tempos pretéritos. Graças a um e-mail de J.E.O. Bruno, cheguei a Mário Ferreira dos Santos, um pensador “libertário” brasileiro, curiosamente cultuado por arautos do pensamento conservador.
Num blog criado para manter viva a sua obra, lembrando o centenário do seu nascimento a ser festejado em janeiro próximo, fui encontrar verdadeiros axiomas que explicam essa calamidade intelectual e moral que tem no Sr. Luiz Inácio o seu grande prócer:
“O Estado, como o temos na Historia, é a falsidade organizada, como mostrava Nietszche, é a mentira organizada, chame-se o que quiser, teocrático, aristocrático, democrático, cesariocrático (popular, democracia popular, ditadura do proletariado, fascismo, nazismo, justicialismo, desenvolvimentismo, o nome pouco importa). Porque sempre é organizado para servir grupos, minorias reduzidas, usufrutuárias do poder, combatida por tal. Servem-lhe todos os ambiciosos de mando, todos os fracos de espírito, que se submetem mansamente ao seu poder, que o incensam e adulam como a nova divindade. Em toda história, os adoradores do Estado, os estatólatras, organizaram cultos especiais ao deus supremo dos ambiciosos de mando, os falsos religiosos, os falsos crentes, os falsos idealistas, os falsos amigos do povo. Tudo é falso no estado, inclusive “os dentes com que morde são falsos e falsos também os seus intestinos.” (Nietzsche).
Os eternos exploradores do homem fundam sua doutrina do Estado na “natureza má do homem”, como se estes apenas fosse movidos por impulsos malevolentes. O homem solto, sem o Estado, é o lobo do homem, e impossível seria conviverem uns com os outros. Para evitar a bestialização do homem, então o Estado, o salvador da Humanidade, surgiu para dar a ordem e a paz (!)”
coluna@pedroporfirio.com
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