
“Como tudo seria diferente se vencessem em vida aqueles que venceram na morte."
Marco Túlio Cícero, filósofo, orador e político romano (106 a.c a 43 a.c)
Nesta última coluna de 2008, proponho uma conversa rápida entre nós. A partir de janeiro, essa será a única tribuna que partilharemos, já que, como você sabe, não logrei um novo mandato no legislativo carioca e, pela análise fria dos acontecimentos, parece que as portas da vida pública estão se fechando para pessoas com a minha índole, meu caráter e minhas convicções.
Como você também sabe, estarei completando 66 anos em maço vindouro, dos quais 52 desde que, em 1956, fui ser “colaborador” do jornal TRIBUNA DA CEARÁ, em Fortaleza, sob a direção de Augusto Costa. Lá, quando escrevia a “Tribuna do Estudante”, já pontificavam na redação da Rua Senador Pompeu brilhantes jornalistas como Tarcísio Holanda e Osmar Alves de Melo.
Como já contei aqui, provavelmente mais de uma vez, vim para o Rio de Janeiro em 1959, logo depois de completar 16 anos. No ano seguinte, ia “estagiar” na ÚLTIMA HORA, pelas mãos de Milton Coelho da Graça e sob a chefia de Pinheiro Junior que, aliás, estará lançando mais um livro no próximo dia 8, lá em sua Niterói: com o insólito título de “O Bombom Ladrão”, o querido mestre fará noite de autógrafos no Itaipu Multicenter.
Faço esse prólogo apenas para enfatizar minha paixão pela arte de escrever, que abracei na adolescência inquieta. Ao longo da minha vida, nunca deixei de escrever. Mesmo nos cárceres da ditadura, à mão ou quando pude ter minha pequena Olivetti, passava a maior parte do tempo escrevendo.
A primeira obra sumiu
Na “Quinta prisão”, o mesmo cárcere por onde passou Tiradentes, tentei meu primeiro livro – “A Ceia dos Desajustados”, uma ficção insólita que sumiu com boa parte dos meus originais, inclusive as peças teatrais encenadas.
Ao ser absolvido na 1ª Auditoria de Marinha e ganhar a liberdade (vigiada), ainda submeti uma das três cópias da “Ceia” ao Carlos Heitor Cony, meu ex-colega do “Correio da Manhã”. As outras duas sumiram naqueles idos em que eu nunca sabia se estaria livre no dia seguinte.
Agora, relembro o passado e faço uma avaliação da contribuição que meus escritos oferecem aos contemporâneos e, quem sabe, aos pósteros.
Tenho bastante clareza a respeito de uma realidade em que são mais notáveis os que pertencem a “igrejinhas”, o que não é meu caso. Vivi a vida inteira essa dificuldade, inclusive nas redações, onde só chegava depois de “pular uma cerca”.
No jornalismo de então, havia fartura de oportunidades, como já contei aqui. Isso me beneficiou até o dia em que a prisão política cravou um estigma sobre meu nome, condenando-me a trabalhos periféricos e, por ironia, a me tornar um teatrólogo como forma de sobrevivência.
Logo que saí da cadeia, no final de 1970, encontrei apoio em pessoas com quem havia trabalhado antes da “queda”, que necessariamente não partilhavam do meu inconformismo, mas tinham respeito e estima por mim – Sandra Cavalcanti, Paulo Vial Corrêa, Carlos Heitor Cony, Fernanda Montenegro e os embaixadores Abul Nu Taiara, da Síria, e Hafif Karamani, da Argélia.
Essa experiência me dotou de um sentimento obstinado de justiça e busca da verdade. Prevaleceu em meu favor, sempre, a idéia de que cada um é livre para pensar o que quiser. As únicas coisas que sempre desprezei foram a mediocridade, a falta de caráter e a covardia.
Meu maior desejo
A partir do momento em que, já aposentado, mantenho esta coluna, o faço na expectativa de estar sendo útil na provocação das discussões, mantendo acesa a chama da liberdade e a profusão das idéias, sejam elas quais forem.
Tenho a satisfação de constatar a pluralidade dos leitores e parceiros. Recebo comentários de todos os matizes e adotei alguns critérios: quando são comentários dos meus escritos, faço questão de responder; quando trazem informações, trato de ler e guardar em algumas pastas do meu computador.
Costumo avaliar o alcance de minhas palavras pelos comentários recebidos, pelo repasse a outros grupos ou pela reprodução da coluna em alguns blogs. Há um sistema de circulação na Internet que, sob certos aspectos, funciona como um termômetro – é a circular da “Rede PDT”, uma publicação que oferece uma resenha política muito atual, além de selecionar e reproduzir algumas matérias da mídia.
Mas há outros multiplicadores que me estimulam muito. É o caso de José Paulo Resende, comissário aposentado da Varig. Apesar da dificuldade a que foram condenados impiedosamente os beneficiários do Fundo Aerus, ele passa boa parte do tempo pesquisando informações na internet, sobretudo em relação ao esbulho que a admirável categoria de profissionais da aviação sofreu. Mas, como é abrangente, municia a todos sobre os desmandos que infernizam a vida dos brasileiros.
Espero que você esteja entendendo essa prosa. Tudo o que eu desejo é tornar mais próxima a nossa relação, aproveitando essa ferramenta preciosa que nos faz chegar em segundos a qualquer parte do mundo e que confere a todos os cidadãos a possibilidade de expressar suas opiniões de igual para igual com os mais respeitados profissionais da mídia.
Se fosse para fazer votos em relação a 2009, mais do que tudo, o que mais desejaria seria incentivar a busca do conhecimento. Está na hora de discutir tudo, antes que a tirania da boçalidade nos reduza a ignorantes massas de manobras.
Discutir sem medo de expressar o que pensamos. Os comentários que recebi sobre a última coluna me trouxeram bastante alento. Tomei a iniciativa de publicar alguns no blog PORFIRIO LIVRE, onde está meu artigo.
Refleti muito sobre cada um deles e cheguei também a uma nova e trágica conclusão: no Brasil o ensino não é coisa séria. Numa hora em que precisamos saber sempre mais para entender os misteriosos desafios do devir, constatei que em nosso país só existe uma Faculdade pública de Arqueologia.
Pertence à Universidade do Vale do São Francisco, criada em 2002, e está localizada no campus de São Raimundo Nonato, sudeste do Piauí. Aí caiu a ficha: começo a pensar que uma certa indústria de “verdades” opera vitoriosamente na forja de um complô da escravidão pelo condicionamento dos brasileiros ao conhecimento superficial, manipulado por Deus e o mundo.
É por isso que continuarei aqui, contando com sua parceria e enquanto tiver saúde: vou dizer e repetir que há algo de muito podre na República do Brasil. Essa indignação que vivi até agora ainda está longe de ser aplacada.
Até já.
coluna@pedroporfirio.com