domingo, 8 de junho de 2008

O jogo das artimanhas no caminho das urnas




Pelas duas tabelas, você poderá entender o porque da reflexão que proponho em relação às eleições municipais do Rio de Janeiro de 2008

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 9 DE JUNHO DE 2008

“Jandira Feghali, no momento é quem tem mesmo a cara do Rio". Hélio Fernandes, TRIBUNA DA IMPRENSA, 18 de março de 2008.

Em 1960, quando os cariocas escolheram o primeiro governador da Cidade-Estado da Guanabara, o conservador Carlos Lacerda foi eleito com 357.172 votos, 23.165 a mais do que o trabalhista Sérgio Magalhães, que somou 334.007 sufrágios. Em terceiro lugar, com quase 200 mil votos, ficou Tenório Cavalcanti, populista da UDN da Baixada, lançado aqui pelo PST para dividir o campo popular.
Tinha 17 anos e lembro como se fosse hoje. Foi uma espécie de batismo de fogo: desde então ficou claro que política é artimanha e que quem mais contribui para a vitória dos candidatos das elites são exatamente aqueles que se proclamam seus maiores adversários.
Hoje, decorrido quase meio século da vitória da astúcia, em função da qual fincaram a mais ativa trincheira institucional do golpe de 64, não descarto o repeteco das três últimas eleições para prefeito, quando as esquerdas ficaram fora do segundo turno.
Tal risco ocorre como uma fatalidade freudiana. Por todo um processo, é exatamente de um núcleo de esquerda que emerge aquela que Hélio Fernandes definiu como a figura mais identificada com as expectativas de uma população, para a qual a saúde deve ser a maior prioridade da administração municipal.
Preocupo-me porque estou no meio do fogo cruzado, convivendo com o absurdo alimentado exatamente por quem não viveu as experiências do passado ou prefere reduzir a leitura do processo político ao nível de suas próprias carreiras pessoais.
É bem verdade que Jandira Feghali não se enquadra no imaginário popular como uma referência ideológica, até porque desde que disputou a primeira eleição, em 1986, teve milhares de votos para além da aguerrida militância do seu pequeno PC do B, tanto como Brizola foi muitas vezes maior do que o PDT.
Força acumulada
Para se habilitar a uma nova tentativa, com a preocupação de apenas encabeçar um projeto comum de cunho social, ela traz em sua bagagem, como também lembrou Hélio Fernandes, a vitória para o Senado na capital, no último pleito, com 40% dos votos, contra 37% do senador Dorneles, parlamentar sério e competente, mas que teve a seu favor uma santa aliança de última hora, que recorreu a todo tipo de artimanha para barrar a vitória de Jandira.
De 2006, poderemos tirar boas lições: seus 1.178.085 para Senado na capital quintuplicaram os 238.098 obtidos em 2004 para a Prefeitura. Vale considerar que, no último pleito, o cabeça de chapa de sua coligação, representante de um PT muito maior, somou para governador no Rio apenas 254.611 votos, o que é um indicativo insofismável do seu vertiginoso crescimento, mesmo sob fogo de uma campanha suja que jogou contra ela milhares de eleitores.
Ainda que pareça uma heresia, uma análise precipitada, poderemos estar diante de duas hipóteses opostas, tão possíveis neste Rio inquieto e enigmático, como nas rodadas de Fortaleza em que emergiram Maria Luiza Fontenelle e Luizianne Lins.
Na primeira hipótese, Jandira estaria de tal forma internalizada no inconsciente coletivo que, com uma modesta aliança, chegaria ao segundo turno de forma tão surpreendente como aconteceu com Cesar Maia em 1992.
Na outra, há a possibilidade real de termos no segundo turno os candidatos do governador e do prefeito, cujos partidos recebem o oxigênio das máquinas do poder e dos interesses associados, além de terem as mais consistentes nominatas para a Câmara Municipal.
Um elemento novo
Quando Sérgio Cabral destrocou o desconhecido Molon pelo neo-emedebista Eduardo Paes, apesar dos entraves que ainda terá que superar no seu partido, matou alguns coelhos de uma só cajadada.
Ele não deve ter feito essa manobra de repente. Antes, tendo a seu lado um verdadeiro bruxo da política, o discreto secretário Wilson Carlos Carvalho, o governador mirou simultaneamente em várias direções.
Primeiro, inviabilizou em definitivo aquele que seria o candidato número um do Sr. Luiz Inácio, deixando-o pendurado na brocha e levando o PT a um baixo astral fulminante.
Depois, apontou uma carga explosiva de insegurança sobre o senador Crivella, que havia conseguido uma aliança útil para um horário de tv razoável e agora poderá ser minado em função do assédio do governador. E, finalmente, valendo-se da artimanha fabular do bode na sala, passa a oferecer ao PMDB, com a aceitação do seu apadrinhado, a oportunidade de livrar-se do petista inteiramente desfocado dos seus usos e costumes.
E não ficou só aí, não. Neste momento, corre atrás de um vice à esquerda, disponibilizando mais do que o canto da sereia, para cristalizar o projeto de imobilização de Jandira.
Já o prefeito Cesar Maia, beneficiário de “zebras” saídas de uma mente insone, ainda tem resíduo, capilaridade e uma máquina que poderão somar mais votos do que os candidatos pulverizados no espaço oposicionista.
Todas as articulações até agora se destinaram tão somente a detonar Jandira Feghali, já que o senador Crivella é visto confinado no âmbito de sua grei e, ainda por cima, tem seu contencioso no eleitorado evangélico.
Em operações de estado maior, as elites podem até bancar candidaturas inviáveis, mas que possam contribuir para limitar a favorita no tempo mínimo de tv, reduzindo-lhe drasticamente sua visibilidade e privando-a de preciosos votos.
Como tenho dito por tantos anos, o sistema é cada vez mais sofisticado. Para fragmentar em pedacinhos os adversários, joga com todo tipo de artimanha. Alimenta ambições, desconfianças, paranóias, delírios, esquizofrenias, miopias e até oferece ajudas, como naquele inesquecível 1960.
O Rio de Janeiro não é uma cidade qualquer. Ainda conserva o carisma cosmopolita e mágico poder de irradiação. Talvez seja nesta beira-mar de tantos talentos que o país despejará seu maior facho de luz. Afinal, não há nada de novo no front da paulicéia desvairada, cujos prefeitáveis já são jornais de ontem.
Talvez por isso, tudo pode acontecer aqui, embora fosse mais plausível uma boa nova se alguns tutores políticos baixassem a bola e abrissem a janela para o horizonte que parecem mais propensos a deletar indiferentes ao juízo da história.
O que escrevi foi um depoimento de quem está há meio século na liça. Mas é também um convite à reflexão serena. Não é sempre que estamos diante de uma possibilidade de fazer a fila andar.
coluna@pedroporfirio.com