Wladmir Coelho
Mestre em Direito e Historiador
Analisara crise entre Colômbia e Venezuela a partir do combate ao chamado narcotráfico constitui no mínimo uma análise incompleta necessitando, para melhor entendimento do tema, o acréscimo de elementos da política externa dos Estados Unidos para a América do Sul considerando-se – inclusive – as políticas de controle das fontes energéticas da região principalmente aquelas relativas ao petróleo.
Deste modo torna-se relevante entender a influência dos Estados Unidos no setor petrolífero sul-americano desde o final do século XIX necessitando para este fim uma análise das políticas econômicas do petróleo cujo conteúdo, de modo geral, alternou-se entre o maior ou menor controle da produção, por parte dos oligopólios, em função da adoção de políticas de intervenção estatal ou liberalização da atividade mantendo-se, neste último caso, a prática colonial característica da região.
Neste contexto a prática do dumping, o incentivo e criação de conflitos entre países do subcontinente ou intervenção direta dos órgãos de espionagem e segurança estadunidenses na elaboração de golpes de estado contra governos de tendência nacionalistas não constituem propriamente uma novidade ou delírios de “teorias conspiratórias”, mas práticas para manutenção da segurança energética dos Estados Unidos.
Poderíamos ilustrar as afirmativas acima a partir do exemplo brasileiro cuja exploração comercial do petróleo sofreu, a partir do final do século XIX, uma série de ataques dos trustes petrolíferos estadunidenses. O caso de Maraú no estado da Bahia, ainda no período imperial, é emblemático tendo esta iniciativa empresarial petrolífera privada encontrado sua total ruína em função da oferta de querosene dos trustes dos Estados Unidos a preços inferiores ao nacional.
Outra prática a vigorar como parte dos planos de manutenção da dependência energética externa e ao mesmo tempo assegurar reservas para os oligopólios internacionais foi a compra de vastas áreas com potencial petrolífero aplicadas por grupos ligados à Standard Oil, impedindo a pesquisa e exploração por grupos brasileiros. Este método prevaleceu até 1934 quando ocorre a separação constitucional entre a propriedade do solo e subsolo transferindo os minerais encontrados neste para o rol dos bens da União.
Ainda na década de 1930 um grave conflito armado envolvendo Paraguai e Bolívia, a Guerra do Chaco, apresentou como elemento detonador a disputa por áreas petrolíferas envolvendo os interesses das empresas Shell e Standard Oil. Durante o citado conflito ficou clara a necessidade de revisão dos métodos de controle da produção e propriedade dos recursos energéticos quando a Standard Oil simplesmente negou abastecer as tropas bolivianas em combate.
Os exemplos de dependência energética do Brasil e Bolívia resultaram em políticas nacionalistas e intervencionistas, em diferentes escalas, aspectos também observados na Venezuela e Colômbia. Esta nova fase da política econômica no subcontinente apresentou como regra a criação de empresas estatais e consequente monopólio estatal do setor petrolífero. No Brasil, a criação de uma empresa nacional para exploração do petróleo somente ocorreria em 1953 a partir de uma grande campanha popular denominada “O petróleo é nosso”, todavia o modelo empresarial adotado foi a criação de uma empresa mista ficando o Estado com o controle acionário desta exercendo esta o monopólio da exploração petrolífera.
Todavia a presença do Estado no setor petrolífero sul-americano não significou a utilização do poder econômico obtido através da exploração do petróleo em política para o desenvolvimento da região ficando evidente a manutenção da tradição colonial a partir do controle destas empresas por setores oligárquicos nacionais interessados exclusivamente em lucros pessoais. Estas empresas tornaram-se feudos familiares ou filiais dos oligopólios de sempre determinando estes as políticas de preço e investimentos naturalmente em função da segurança energética dos Estados Unidos. A Petrobrás, neste sentido, também foi atingida ao direcionar suas atividades para o exterior e exploração na plataforma continental, abandonando para os oligopólios a exploração – ou impedimento deste– em terra de áreas com potencial petrolífero.
Durante a década de 1990, vamos observar uma radicalização ideológica denominada neoliberalismo, verificando-se na América do Sul uma onda de privatizações e quebra dos monopólios estatais no setor petrolífero retomando o oligopólio internacional o controle direto de vastas áreas produtivas.
O quadro de entrega dos recursos petrolíferos aos oligopólios internacionais na América do Sul iniciaria um processo de reversão a partir de 1999 durante o primeiro governo de Hugo Chaves, através da nacionalização da exploração petrolífera e reformulação da empresa estatal a PDVSA (Petróleos da Venezuela S/A) assumindo esta o monopólio do setor restringindo-se a presença de empresas privadas a partir da criação de subsidiarias com controle da PDVSA.
A política econômica petrolífera implantada na Venezuela serviu de fundamentação para a Bolívia e Equador países que também nacionalizaram, no início do presente século, o setor petrolífero e gasífero direcionando o poder econômico resultante da exploração destes recursos para implementação de políticas voltadas para o desenvolvimento interno.
Outro aspecto resultante da utilização do poder econômico do petróleo iniciada a partir da Venezuela foi a criação da ALBA, Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América, entidade voltada para a criação de um pacto comercial, cultural e político entre os países latino americanos em oposição as políticas de controle imperial dos Estados Unidos notadamente aqueles presentes na criação da ALCA Área de Livre Comércio das Américas.
Neste quadro de clara disputa entre os interesses dos Estados Unidos e Venezuela observaremos o governo colombiano optar por manter a prática neoliberal, buscando uma aproximação com a potência hegemônica. Esta aliança ganha sua forma atual a partir do ano 2000 através do Plano Colômbia. Neste acordo utiliza-se como pano de fundo o combate ao tráfico de drogas como justificativa para o fornecimento de armas, recursos financeiros e bases militares para os Estados Unidos em território colombiano.
A Colômbia, ao contrário da Venezuela, encontra-se dividida em áreas controladas por forças do Estado e vastas regiões administradas através das guerrilhas –notadamente as FARC – e tratando-se de uma região em conflito muitos pequenos agricultores encontram dificuldades para a manutenção de culturas alternativas à coca. As áreas de controle das FARC apresentam como fonte de arrecadação exatamente estas culturas cujo comércio envolve – inclusive – autoridades do Estado colombiano. Desta forma associar narcotráfico e FARC não corresponde a verdade existindo um envolvimento de setores oficiais comprometidos com os Estados Unidos.
A área de tensão entre Venezuela e Colômbia apresenta ainda uma característica pouco divulgada na imprensa – ou seja – a existência do oleoduto Caño Limón, responsável por conduzir a produção petrolífera da região para o porto caribenho Coveñas e deste para os Estados Unidos, processo administrado através da Companhia Ocidental de controle estadunidense.
O conflito entre os dois países está desta forma carregado de interesses dos grupos econômicos de sempre tendo estes o objetivo evidente, claro e cristalino de controlar áreas com potencial petrolífero estendendo-se para a Amazônia e suas pouco exploradas, porém conhecidas, riquezas energéticas.
Não devemos esquecer-nos do crescimento do consumo de petróleo na China e consequente adoção de uma política por parte deste país de controle de vastas áreas produtivas na África e Ásia provocando uma disputa com os Estados Unidos.
Faz muitos anos os Estados Unidos não enfrentavam governos decididos em implantar uma política econômica de caráter nacionalista utilizando – inclusive – parte de sua produção para o consumo interno através de uma política de industrialização. Desestabilizar estes governantes torna-se, deste modo, parte da política externa dos EUA, todavia mobilizar tropas e recursos financeiros para interferir em assuntos internos da Venezuela não motiva ou justifica aumento dos gastos públicos tornando-se necessária a criação de factóides como a transformação de guerrilheiros em traficantes e associação de um governo eleito democraticamente ao treinamento e apoio a forças “criminosas”.
5 comentários:
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