"Os países árabes poderiam fazer muito contra Israel, mas como são divididos, não conseguirão fazer nada".
Mustafá Kamel al-Sayed, professor de ciências políticas na universidade de Cairo.
No contexto dos acontecimentos que levaram ao massacre de Gaza não se pode deixar de lamentar as posições ambíguas dos países árabes em relação à Palestina e a instalação do Estado de Israel em condições diametralmente opostas ao discurso do “Lar Nacional Judaico” - e cumprindo um papel de “cabeça de ponte” dos interesses econômicos ocidentais na região onde jorra petróleo por todos os lados.
A grosso modo, não seria exagero afirmar que o povo palestino não conta, e quase nunca contou, com uma solidariedade efetiva dos governantes árabes, com raras exceções, assim mesmo pontuais e ocasionais.
Pior: divididos há séculos em ramos do islamismo e subjugados pelas potências coloniais – da Turquia aos Estados Unidos, passando pela Grã Bretanha e França - os árabes não se entendem nem nas horas mais difíceis.
Como agravante dessas desavenças alimentadas pelo Ocidente, o povo árabe ainda absorve as contradições do mundo muçulmano. O Irã não é árabe, mas interfere sistematicamente nas suas questões internas, como sede da maior concentração xiita do mundo.
Nesses acontecimentos de agora, o comportamento do governo do Egito tem funcionado como uma espécie de linha auxiliar de Israel, na medida em que mantém fechadas as suas fronteiras com Gaza, impedindo a fuga e a ajuda a seus habitantes.
Arábia Saudita, os ricos emirados árabes e o governo títere do Iraque parecem igualmente indiferentes à sorte dos seus irmãos palestinos, como se partícipes de uma grande orquestração monitorada pelos Estados Unidos.
A própria postura da Autoridade Nacional Palestina, controlada pelo Al Fatah, vem sendo vista como suspeita pelos que consideram o enfraquecimento do Hamas, hoje majoritário na região, como do seu interesse.
São confusas igualmente as posições da Síria, Líbano e dos países árabes do norte da África, especialmente a Argélia e a Líbia, que em outros momentos ofereceram suporte aos palestinos.
Estes, acossados por uma situação de extrema penúria e pelas ações brutais de Israel, também estão divididos. O crescimento do Hamas se deu no bojo de confrontos tão radicalizados que hoje não se pode falar de uma única Palestina.
Ironias da história
A história mostra que a ocupação dos territórios árabes pelos sionistas não teria ocorrido sem a complacência de algumas lideranças árabes, servis aos Estados Unidos e interessadas tão somente em tirar proveito do ambiente de hostilidades.
Todo mundo sabe que as primeiras colônias judaicas financiadas pelo Barão de Rothschild foram implantadas com a compra de terras dos senhores feudais, alguns “chefes tribais”, que viviam do trabalho escravo dos camponeses pobres.
Naqueles idos, a teia de interesses heterogêneos ensejava mudanças de atitudes surpreendentes, como num intrincado jogo de múltiplas possibilidades.
Enquanto o Barão de Rothschild estava de olho no potencial econômico da região – do petróleo aos vinhedos da Galiléia e das colinas de Golã – os emigrantes de origem russa e polonesa – pioneiros no povoamento de encomenda - sofriam forte influência do movimento sionismo socialista, liderado por David Ben-Gurion, que se instalavam na Palestina em sedutores kibbutzs, propriedades coletivas que serviram de atrativos para os judeus pobres, principalmente os que viviam no início do Século XX na Rússia tzarista.
O jogo de alianças
Nesse jogo de esperteza, Ben Gurion e os Rothschild tinham um pacto de colaboração mútua, graças ao qual o milionário judeu obteve por carta dirigida a ele a famosa “Declaração Balfour”, com a qual o ministro britânico do Exterior, Arthur James Balfour, afirmava textualmente:
“O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo”, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país”.
Essa declaração, ainda em pleno transcurso da Iª Guerra Mundial, quando a Palestina e os árabes estavam sob domínio da Turquia,foi assinada em 2 de novembro de 1917, quando os comunistas haviam acabado de assumir o poder na Rússia.
Desde aquele então, os russos viam com bons olhos a infiltração dos judeus na região petrolífera, contando com eles como aliados diante da futura partilha dos países árabes entre a Grã Bretanha e a França.
Enquanto os judeus agiam com frieza e destreza, pavimentando seu caminho, os árabes não sabiam o que fazer, até porque as companhias petrolíferas também já haviam realizado sua própria partilha, criando o oligopólio das sete irmãs, de que falei anteriormente. Essas empresas prosperaram graças ao suborno das lideranças árabes, especialmente de sua “nobreza”.
Já os judeus pareciam mais ágeis nas relações com os países que tinham interesse na região. Bem Gurion, que encabeçava a milícia Haganá, encorajou os jovens a se alistarem no Exército britânico, integrando uma tropa de elite conhecida como “Palmach”.
Ao mesmo tempo, em 1937, nascia outra milícia terrorista judia, a “Irgun Zvai Leumi” (Organização Militar Nacional), fundada pelo sionista e comunista Vladimir “Zeev” Jabotinsky, natural de Odessa, na Rússia, com o objetivo declarado de combater os ingleses. Esse grupo resvalaria para a direita quando Menachim Begin, assumiu o seu comando, com a morte de Jabotinsky.
Uma terceira milícia terrorista judia, a “Gang Stern”, fundada em 1940 por Abraham Stern, aproximou-se dos nazistas alemães, através da Itália, conforme reportagem publicada na revista FINAL CONFLICT: “em Setembro de 1940, a Gang Stern entrou em negociações com Mussolini, através de um emissário, e em Janeiro de 1941 Stern enviou, pessoalmente, um agente a Beirute (controlada por Vichy) para entregar uma carta aos representantes do Reich”.
Derrota na divisão
Embora ao final da II Guerra existissem 1 milhão de árabes para 600 mil judeus na Palestina, prevaleceram as estruturas clandestinas e as ligações com as potências que patrocinaram o Estado de Israel, cada uma com seus propósitos.
No primeiro grande confronto, em 1948, enquanto as três milícias judias estavam unidas em torno dos 30 mil “palmachs” treinados pelo capitão inglês Charles Ord Wingate, os árabes, comandados pelo general inglês “Glub Pachá”, não se entendiam.
Os governantes árabes sabiam que os grupos terroristas tinham poucas armas. Certos de que venceriam, já brigavam entre si para saber quem ia tomar conta da Palestina depois de “lançarem os judeus ao mar”: Ibn Saud, da Arábia Saudita, os reis irmãos Abdullah, da Transjordânia, e Faisal, do Iraque, Farouk I do Egito e o presidente sírio Shukri al-Quwatli tinham seus próprios projetos de anexação.
Eles não contavam com uma carta que Ben-Gurion tinha na manga: na “hora h”, o líder soviético Joseph Stalin, um dos patrocinadores do Estado de Israel, providenciaria um razoável arsenal de armas russas e tchecas, com as quais os sionistas tiveram sua primeira grande vitória e, ato contínuo, trataram de anexar boa parte do Norte de Israel, de maioria árabe.
Foi como descreveu Pedro Dória:“enquanto havia razoável união judaica e um objetivo comum, o mesmo não houve entre palestinos. Havia dois árabes para cada judeu na Terra Santa, mas não conseguiram fazer com que a vantagem numérica tivesse resultado prático. Nem todos seguiam o mufti e as aldeias não se relacionavam. Divididos, não tiveram chances”.
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