domingo, 16 de novembro de 2008
Uma Constituição incompreensível para um pobre mortal
O quinto constitucional é repetição do que foi estabelecido na constituição de 1967, com a emenda n° 01 de 1969, do art. 104, “b” da Constituição de 1946 e do artigo 104, parágrafo 6° da Carta de 1934.
Permita-me o disparate, mas neste país disparatado não me sinto nem um pouco constrangido a mergulhar no mais extravagante dos desvarios. O que vou dizer pode chocar, pode até servir para me acusarem de insano. Tudo bem. Mas se você quiser refletir para além das faixas permitidas, anote essa minha trágica conclusão: A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA NÃO É A MESMA PARA TODOS; PORTANTO, É INCONSTITUCIONAL.
Surtei? Não sei. Não digo que sim, nem que não. Mas se isso aconteceu é porque resolvi dar uma piscadela em certos artigos dessa que chamam bondosamente de “Constituição Cidadã”.
Aliás, correr atrás dessas peças é coisa de quem não tem o que fazer. Neste Brasil brasileiro não vale o escrito - que o digam os 17 mil magistrados, que têm às mãos poder decisório sobre 48 milhões de processos, alguns já amarelados por uma longo e tenebrosa espera.
Neste Brasil brasileiro, aliás, o que se escreve não se assina embaixo. Ou se assina, nem com firma reconhecida se pode garantir que o papelucho seja honrado. Se eu tivesse como pesquisar o dito pelo não dito, o escrito pelo não escrito, ia fazer um livro maior do que a Bíblia.
Inconstitucional ou similar
Por que eu digo que a nossa atual Constituição é inconstitucional? Por uma razão melancólica: ela não se entende por si. Não estou falando das 55 emendas que já lhe amputaram festejadas “conquistas”: antes fosse. O que me pareceu inexplicável foi constatar que certos artigos brigam com outros. Isso enseja questionamentos, com a utilização da norma mais conveniente pelos espertos causídicos.
Há também os que não são questionados, porque ou não são percebidos, ou são hermenêuticos, ou não é conveniente questionar ou então eu é que sou maluco e preciso urgentemente de um tratamento especializado.
Vamos aos fatos. No Inciso II, do artigo 37, está escrito:
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Ao pé da letra, entendo que por esse artigo só são dispensados de concursos públicos o titulares de “cargos em comissão, declarados em lei de livre nomeação e exoneração”.
No entanto, o artigo 84 da mesma Carta inclui no mesmo balaio o direito privativo do presidente da República de nomear desde os seus ministros de Estado (cargos em comissão, temporários) até os ministros dos tribunais superiores (cargos permanentes).
Então já vemos que o artigo 37 não é um artigo sério. Ou exorbita o artigo 84. Mas outros dispositivos desequilibram a favor deste último. É o caso do artigo 101, que prevê a nomeação dos ministros do Supremo (como dos demais tribunais superiores) “escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. No seu parágrafo único, o artigo 101 estabelece que
“os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.
No poderoso Poder Judiciário, temos algumas situações especiais. Para ser juiz substituto de primeira instância, só se for por concurso público (artigo 93 inciso I). Daí para frente, conforme o inciso II, a “promoção de entrância para entrância (ocorrerá), alternadamente, por antigüidade e merecimento”.
Desembargador por indicação
Já o artigo 94 da nossa Constituição despreza solenemente, com maior sem cerimônia, o princípio de que para ter um cargo público só por concurso. Desde a carta de 1934, abre-se uma janela para que um advogado se torne desembargador através do “quinto constitucional”. Isto é, de cada 5 desembargadores, um sai de uma lista escolhida pelos conselheiros da OAB ou do Ministério Público.
Houve um caso em São Paulo, como contou Élio Gasperi, que um indicado pela OAB de lá havia sido reprovado em oito concursos para juiz substituto. Isso aliás está começando a provocar reações coorporativas dos magistrados de carreira e alguns vexames: Em São Paulo, o Órgão Especial simplesmente devolveu uma lista sêxtupla da OAB; no STJ, os mais recentes indicados pela classe não tiveram os 17 votos necessários para ganhar uma cadeira lá.
Aliás, no Superior Tribunal de Justiça, segundo o artigo 104 da Constituição, um terço dos seus 33 ministros é escolhido “em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94”.
Como eu disse, pelo que li dessa chamada “Constituição Cidadã”, é meio despropositado falar mal da “ditadura militar”. Por que, ao contrário do que acontece em muitos países ocidentais e cristãos, como os Estados Unidos e a Suíça, os titulares do Poder Judiciário têm vida longa em seus cargos, com toda a blindagem imaginável. Provavelmente, um oficial superior naquela época não tivesse tantas prerrogativas e proteção.
A meu ver, o artigo 95 dessa mesma Constituição exagera na dose, configurando um certo privilégio para as autoridades do Judiciário. Senão veja:
“Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”.
Como você viu hoje, não é muito fácil para um cidadão prenhe de Justiça e democracia acreditar que tais institutos existam entre nós. Nem os alfarrábios, muito menos num cotidiano que deixa a pé os generais d’antão.
coluna@pedroporfirio.com
Calote nos aposentados do BANESPA
Vale a pena ler o depoimento que me foi enviado por José Milton de Andrade Marques, sobre o qual farei comentário oportunamente.
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