quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Por que não choram a execução de uma criança na favela?

O menino Wesley Damião, atingido por três balas de fuzil numa desastrada operação policial das tropas de elite, ante o silêncio de uma sociedade hipócrita e os aplausos de uma mídia boçal, que apóia a política de extermínio, responsável por mais de 1200 vítimas fatais de balas disparadas pela polícia em 2007.


“Débora, ainda com Daniel no colo, tentava arrastar Wesley baleado para a casa da avó, quando apareceram os policiais, que não socorreram nem demonstraram nenhum interesse no drama da mãe e do menino”

Relato da Rede de Comunidades contra a Violência

http://www.redecontraviolencia.org/Noticias/289.html



O amanhecer na favela do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, acontece sempre em meio a um vai e vem tenso, com muitos adultos e crianças tomando o destino do trabalho e das escolas por suas 8 saídas.

A meninada freqüenta dois CIEPs próximos – de primeira à quarta série – e outras seis escolas públicas já a uma certa distância. Um grupo estuda na “escola do Padre Nelson”, famoso por ter batizado Romário, na Igreja católica do meio do morro. Um outro vai à aula na Imaculada Conceição, na rua Murilo, descida do morro em direção à Rua Miguel Ângelo.

Na manhã do dia 8, eu vi um raro momento de felicidade daquela gente. Com algumas autoridades, inauguramos uma das mais importantes obras para a sobrevivência mínima daqueles moradores – um castelo d’água construído pela Prefeitura, através do qual a CEDAE distribui 1 milhão de litros para as 70 mil pessoas que vivem nessa comunidade octogenária.

A Síndrome de Bogotá

Mas esses fatos não contam para o governador, que, sem nenhuma experiência no Executivo e uma eleição facilitada pela fabricação de políticos nos fornos de marqueteiros e num ambiente da mais abjeta mediocridade, deixou-se contaminar pela “síndrome de Bogotá”.

Sob impulsos freudianos de fácil percepção,o filho vestiu a túnica dos algozes e decidiu que garantir a segurança dos cidadãos é patrocinar uma política de terra arrasada nos bairros pobres.

Na quinta-feira, dia 10, às oito da manhã, “tropas de elite” do BOPE, e mais dois batalhões, reunindo cerca de 60 nervosos policiais militares já entraram atirando no Jacarezinho, segundo a doutrina vigente de que é esta a melhor forma de evitar baixas policiais.

Como de outras vezes, os pms invadiram algumas casas, com o uso de alicates e chaves-mestras, instalando-se em suas lajes, onde armaram suas guaritas. Essa prática de abrir as casas dos moradores virou uma rotina com base na mesma concepção vigente de que, para compensar o fracasso na segurança dos cidadãos pelas ruas da cidade, é preciso humilhar os moradores dos bolsões de pobreza, onde, segundo entendem, devem se esconder os celerados que mantêm a população sob permanente tensão.

A tarde já se ia quando três tiros de fuzil alvejaram mortalmente o menino Wesley Damião da Silva Saturnino de Brito, de apenas três anos de idade. Foram três “balas perdidas”, que atingiram o tórax, o ombro e o braço esquerdo.

O menino mulato de semblante risonho morreu em frente à casa de sua avó, na Rua Esperança, um dos acessos ao Jacarezinho que dá na Rua Pinto de Azevedo, já no bairro do Jacaré. Ele voltava para casa com a mãe de 23 anos, que trazia o caçula de 6 meses no colo e Wesley pela mão.

No dia seguinte, a notícia saiu nos jornais, mas depois não se falou mais nisso. As pessoas que fizeram grandes mobilizações quando da morte de um menino carregado preso a um cinto de segurança por bandidos em fuga, não disseram uma só palavra. Nem os jornais, nem ninguém emprestou à morte do pequeno Wesley do Jacarezinho nenhum sentimento de indignação, o que me permite inferir que essa omissão faz parte de uma grande guerra inconsciente, internalizada nos cérebros atormentados dos que vivem com os nervos à flor da pele.

Afinal, Wesley Damião da Silva Saturnino de Brito é mais um menino da favela que, como já observou um dia o governador Sérgio Cabral sobre a questão da natalidade, poderia ser amanhã mais um traficante, de onde o caráter “profilático” de sua morte e a indiferença generalizada de uma sociedade hipócrita, para a qual três balas de fuzil disparadas contra aquela criança não lhe causou qualquer comoção.

Sinfonia mortal

Wesley, aliás, não foi a única criança atingida por “balas perdidas” recentemente, nas desastradas ações policiais nos aglomerados pobres e ostensivamente condenados como casamatas do mal.

Não faz muito, no dia 15 agosto de 2007, policiais do 3º BPM atingiram com uma bala a cabeça o menino Tiago Ramos Loubak, de 4 anos de idade. Passava pouco do meio dia quando dispararam sobre alguns jovens na beira do rio, na parte baixa da favela, atingindo também a criança e sua mãe.

Graças à determinação de uma moradora e do dono da padaria próxima, eles conseguiram chegar a Hospital Salgado Filho, no Méier, onde o menino foi operado e sobreviveu. Mas sua mãe, a manicure Elisângela Ramos da Silva (28 anos e mãe de outros três meninos), morreu, atingida por outro projétil.

Na quinta-feira púrpura da morte de Wesley,os policiais agiram com requintes de perversidade, não se conformando com a execução de sete jovens de uma só tacada, como relataram os moradores ao pessoal da REDE DE COMUNIDADES CONTRA A VIOLÊNCIA: “um dos executados ainda de dia, chamado Zacarias, foi obrigado pelos policiais a beber duas garrafas de cloro (material de limpeza) antes de ser executado, próximo à Rua Dom Jaime. Ninguém negou que quatro dos jovens mortos fossem envolvidos com o tráfico local, mas todos disseram que em nenhum caso os que morreram estavam trocando tiros. Uma das vítimas, Flávio Augusto de Oliveira Serrano, 16 anos, não era traficante, foi retirado de dentro de sua casa e executado”.

Diante dessa violência indefensável, algumas estrelas da mídia e primatas políticos ainda aplaudem e condecoram os policiais, insuflando a opinião pública na idéia de que essas matanças, que somaram1186 vítimas de balas policiais, de janeiro a novembro de 2007, podem até aumentar o clima de tensão, mas, pelo menos, estão transformando num inferno a vida de um milhão e meio de favelados, o que pode ser uma boa compensação psicológica para os assustados moradores do asfalto.

Em outras palavras: as mortes e os sustos no perímetro urbano estão sendo punidos com as execuções nas favelas como o Jacarezinho. Inclusive de crianças, como o menino da Rua Esperança.

coluna@pedroporfirio.com



O PDT e a violência policial no Rio


MINHA COLUNA NO JORNAL POVO DO RIO DE 16 DE JANEIRO DE 2008


Os partidos seriam, em tese, as bases de sustentação de um regime democrático. Em alguns países, eles cumprem esse papel e se posicionam como canais de acesso ao poder.

Nem sempre refletem diferenças profundas, mas em algumas situações, apesar disso, têm tradições e posições diferenciadas sobre assuntos pontuais. No Brasil, desde a independência, existiram e existem partidos.

Na República, é possível definir cinco momentos: da proclamação até à revolução de 1930, nos 15 anos de Getúlio Vargas, incluindo a ditadura do Estado Novo, de 1945 a 1965, durante o bipartidarismo da ditadura e com a volta ao pluripartidarismo, depois de 1980.

Em nenhum desses momentos pode-se falar que houve uma vida partidária que pudesse juntar as naturais ambições de poder, portanto, o seu caráter eleitoreiro, com seu papel de escola política, com sua coerência e suas propostas.

Brizola, que definia tudo com extrema franqueza, tinha uma visão crítica de certas exigências que poderiam ser básicas para o reconhecimento de uma legenda. Ele dizia que os programas de todos os partidos eram muito parecidos e, de certa forma, poderiam ser encontrados em livrarias.

Não era o caso do seu PDT, que definia com relevo algumas prioridades e teve a coragem de expor pela primeira vez a questão do negro num país em que o racismo é escamoteado, como tudo o mais, aliás, lamentavelmente. O PDT, de fato, tinha a sua cara.

Gravitou em torno dele, assim como o antigo PTB dependia de Getúlio e, depois, de Jango. A peculiaridade desses partidos foi exatamente os carismas dos seus líderes, que operavam como fator de unidade. Quando eles iam bem, o partido ia bem.

Quando não, o mesmo acontecia. Como Getúlio com o PTB, a alma de Brizola permaneceu no corpo do PDT. Durante muitos anos, tudo o que o partido fizer terá de fatalmente levar em conta as posições políticas e ideológicas do seu fundador.

Os eleitores são brizolistas, antes de serem pedetistas. Que isto fique claro agora, quando o PDT parte para uma nova disputa municipal com grandes possibilidades, devido principalmente, a inexistência de nomes fortes e a divisão nas legendas conservadoras ou "centristas".

O PDT pode surpreender se não perder o rumo trazido por seu líder, que ainda vive no inconsciente coletivo.

Mas poderá perder duplamente se, seduzido pelo canto da sereia, adotar uma candidatura majoritária que não fale a linguagem de Brizola, cuja essência é a opção pelos pobres e a defesa da dignidade de todos.

Hoje desrespeitada com a própria confissão do Secretário de Segurança do Rio de que não se pode comparar Copacabana com a favela da Coréia. O PDT, definitivamente, não pode aderir ao discurso de apoio às violências policiais.