domingo, 20 de janeiro de 2008

Nos rastros da corrupção as causas de uma crise sem fim

Mais da metade do PIB brasileiro não é contabilizada. São trilhões de reais sonegados por grandes empresas e corporações. Com um poder aquisitivo desses compra-se tudo, até a impunidade. Professor Fábio Konder Comparato Estou convencido de que na raiz da relação dos poderes públicos com a população a queda da credibilidade decorre da proliferação abusiva dos desvios de conduta, da corrupção generalizada e do tráfico de influências. Eu diria que metade do dinheiro público ou é desviado sob as mais diversas formas ou é mal empregado. Essa é uma afirmação exagerada se considerarmos os casos constatados oficialmente. Apóia-me, no entanto, a afirmação do professor Fábio Konder Comparato, citado por Hebert Carvalho num estudo sobre a história da corrupção no Brasil. Já o especialista Stephen Kanitz, árbitro da Bolsa de Valores de São Paulo na Câmara de Arbitragem do Novo Mercado, reforça minha amarga constatação, ao declarar que, no Brasil, a corrupção, pública e privada, é detectada somente quando chega a milhões de dólares e porque um irmão, um genro, um jornalista ou alguém botou a boca no trombone, não por um processo sistemático de auditoria. Na pesquisa que estou fazendo para alternativas de governo na Prefeitura do Rio de Janeiro (veja a partir do dia 23 mais detalhes em http://porfiriourgente.blogspot.com) , também cheguei a conclusão que, de um modo geral, o Estado é corrupto por sua própria natureza. E aí não interessa se é socialista ou capitalista, laico ou religioso. Com raríssimas exceções, o político cuida mais de si do que do interesse público. Isso acontece nos regimes democráticos, com mandatos expostos a novas eleições, e nas ditaduras, que não têm prazos para acabar. Bactéria imune A corrupção, porém, alastra-se como uma bactéria imune a antibióticos em todos os poderes. Quanto mais blindado o poder, maior o volume e as práticas de atos imorais. Quanto maior poder de controle em poucas mãos, mais certo é o corrupto da impunidade. Em 1984, quando ocupava meu primeiro cargo na Prefeitura, o de coordenador das Administrações Regionais da Zona Norte (hoje apelidado de subprefeito), prendi em flagrante um fiscal de posturas que extorquia um pequeno empresário na Penha. Ele tinha 30 anos de serviço e só foi demitido porque resisti a todo tipo de pressão, inclusive ofertas de suborno e ameaças. Acreditava que minha atitude serviria de exemplo. Doce ilusão. Não há leis sérias contra a corrupção. E disso se prevalecem advogados espertos para envolverem a Justiça em suas artimanhas. Como admitiu o secretário-executivo da Controladoria Geral da União, Luiz Navarro, a punição administrativa é mais rápida do que a penal e a cível, que dependem do Judiciário e esbarram na sucessão interminável de recursos permitidos pela legislação brasileira. Num balanço sobre a punição de 1.622 servidores federais entre 2003 a 2007 – nenhum figurão – ele admitiu que, na maioria das vezes, os demitidos conseguiam reverter na Justiça porque alegavam problemas processuais. A inexistência de figurões do primeiro escalão não foi explicada pelo secretário-geral da Controladoria da União. Mas há fatos estarrecedores sobre os quais prefiro não falar agora, para não parecer que estou misturando as coisas, em face do esbulho do meu mandato de vereador. A corrupção é gerada de fora para dentro dos poderes públicos. E tem sustentáculos tão sólidos que eliminam todos os limites entre o público e o privado. O maior exemplo disso é o embaixador Marcílio Marques Moreira, nomeado por FHC para o Conselho de Ética Pública e mantido por Lula. Seu currículo é o espelho de um país dos homens errados nos lugares errados. Formado em 1954 como diplomata pelo Instituto Rio Branco, mesclou sua vida praticamente entre o serviço público e o privado. Tendo sido embaixador do Brasil em Washington e ministro da Economia quando Collor foi cassado, ele foi vice-presidente do Grupo Unibanco de 1968 a 1986. Neste período, de 1974 a 1980 foi membro do Conselho de Administração do BNDES e hoje, aos 76 anos, com todas as aposentadorias a quem tem direito, continua no exercício de sua dualidade, ocupando também os conselhos de empresas como IBM, Coca-Cola, Novohotel, GE, Hoescht, ABN, Sendas, entre outros. Sobre a impunidade, o exemplo mais gritante é do senador Renan Calheiros, colecionador de denúncias escabrosas, que manteve seu mandato por algum acordo, no qual sacrificou apenas a Presidência do Senado e hoje está aí, lépido e fagueiro, como uma mácula viva da nossa envergonhada Casa Legislativa. Prefeituras sem controle Não há como calcular com precisão os prejuízos diretos e indiretos causados pela corrupção ao povo brasileiro. Isto porque, como já foi dito, trabalha-se em cima do que foi descoberto, e praticamente nos níveis federais ou nos casos locais de grande repercussão. Os municípios estão praticamente fora de controle. A Justiça Eleitoral cassou por corrupção os mandatos de 159 prefeitos dos 5.662 eleitos em 2004. Esses números não incluem os cassados pelas próprias câmaras municipais, nem os vereadores. Mas, pelas minhas investigações, é exatamente nos municípios onde a impunidade é maior, inclusive por conta de uma relação de cumplicidade entre os chefes do Executivo e as Câmaras Municipais, elas próprias dadas a expedientes pouco ortodoxos. Este é o caso de uma dispensa de licitação no valor de R$ 450 mil de uma câmara, sob o pretexto de notória especialização para um serviço que não descobri como ou se foi prestado. Outro exemplo pessoal. Também em 1984, recebi denúncia de desvio de asfalto de uma rua reconhecida para a Praça XV, no Jacarezinho, mediante propinas dos comerciantes locais. Fui até lá com a polícia e prendi todo mundo. Quando chegamos à 23ª DP, na rua Aristides Caire, os policiais alegaram que só poderiam dar flagrante nos operários, o que me fez parar aí. As prefeituras aprecem a salvo dos controles elementares, até porque não há no Brasil número suficiente de auditores para acompanhar a contabilidade pública. Temos 8 auditores para cada 100 mil habitantes, contra 100 para 100.000 em países como Dinamarca e Holanda. Segundo . Stephen Kanitz, para alcançarmos a média desses países, teríamos que formar e treinar Mais 160 mil auditores, contra os 12.800 trabalhando atualmente.