MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 23 DE NOVEMBRO DE 2007
Chavez com Álvaro Uribe, da Colômbia, Evo Morales, da Bolívia, e Alan Garcia, do Peru. Posições diferentes, mas convergentes na colaboração entre países da América Latina.
Chavez com Álvaro Uribe, da Colômbia, Evo Morales, da Bolívia, e Alan Garcia, do Peru. Posições diferentes, mas convergentes na colaboração entre países da América Latina.
"É preciso transformar, por determinado tempo, nações como a Bolívia em uma espécie de protetorado." (General Hugo Bethlen, no "Jornal do Brasil" de 21/06/71, citado no livro "Bolívia, com a pólvora na boca", de Júlio José Chiavenatto)
Como eu, imagino que você assina TV a cabo. Morando detrás da serra dos Três Rios, não tenho outra alternativa, a não ser a parabólica, que utilizo especialmente para sintonizar a TV Diário, do meu querido Ceará.
Na NET, escolhi o pacote "digital", com o maior número possível de opções. Nem sei quantos canais são, mas não são poucos. Há de tudo para ver, mas não existe uma só estação de TV da América Latina. Nem a mexicana, que já fez parte da grade num passado remoto.
Por quê? Será que não há nenhuma televisão nos 25 países do nosso continente que possa ser captada aqui, no Brasil? Claro que há. Mas os cérebros que controlam as emissões de informações eletrônicas, pelos jornais ou pelo entretenimento, jogam pesado.
Tratam-nos, nesse campo, como colônias culturais dos Estados Unidos, que preenchem mais de 90% das grades, com canais que mostram de tudo e são responsáveis pela maior soma de tiros disparados num só dia, de tramas sórdidas, traições, trapaças, assassinatos ou da propagação do modo de vida insosso dos norte-americanos.
E por que não incluem canais dos países vizinhos? Você pensa que é por acaso? Claro que não, repito. Essa decisão está relacionada com a estratégia da potência do norte de manter a América Latina "longe da América Latina".
Conflitos fabricados
Eis a questão. Se tomarmos outros exemplos, vamos nos deparar com um jogo de intrigas e manipulações voltadas exclusivamente para manter vizinhos cada vez mais distantes, uns dos outros; cada vez mais desconfiados, cada vez mais hostis. Se possível, em conflito.
No passado recente, os generais Golbery Couto e Silva (o grande articulador do golpe de 64) e seu discípulo Meira Mattos desenvolveram uma "geopolítica" que nos colocava diante da possibilidade de guerra com a Argentina e outros países próximos.
Então, grassava a idéia de que para se tornar uma potência regional o Brasil precisava manter uma hegemonia militar na América do Sul ou, como escreveu o professor André Santos da Rocha: para os dois militares "o Brasil deveria pensar numa articulação político-territorial sobre o "`eartland sul-americano', que estava baseada nas idéias de Halford Makinder sobre a teoria do `Heartland'- área central.
Segundo Makinder, quem dominasse a área central possuiria grandes possibilidades de reger o poder regional/mundial". Esse pensamento tinha a ver com as guerras do passado, que foram adredemente alimentadas pelas potências estrangeiras e pela indústria bélica. Enquanto nos preocupávamos com as "ameaças" dos vizinhos, iamos nos transformando em satélites dos EUA. Nós e nossos vizinhos, compelidos por uma nefasta intermediação que faz com que nosso comércio regional seja expresso em dólares norte-americanos.
Com o aparecimento de ditaduras militares em vários países da América do Sul, estabeleceu-se uma colaboração tática, baseada no que havia de comum entre tais regimes: ampla rejeição popular e uso abusivo das forças repressivas. Como esses regimes se exauriram em face dos monstros que criaram, tornando a governabilidade produtiva algo só possível com a manipulação das esperanças dos cidadãos numa sociedade aberta e democrática, uma nova página se abriu na América Latina.
Civis servis e os rebeldes
A partir de 1982, o banqueiro David Rockfeller assumiu a liderança de uma estrutura destinada a substituir e enfraquecer as Forças Armadas, com o aproveitamento de lideranças civis cooptáveis e mais maleáveis no desempenho da função de prepostos do sistema internacional. Foi então que nasceu a ONG Diálogo Interamericano.
A idéia era formatar uma nova relação econômica, dentro do espírito da globalização, em que os blocos regionais seriam apêndices de Washington. O próprio Mercosul foi estimulado como uma aliança restrita a quatro países, pelo governo norte-americano, que concebia a possibilidade de subempreitar entre o Brasil e a Argentina o controle dos países mais pobres.
Esses formuladores não contavam que os seus novos aliados tivessem desgastes tão sumários. Aos poucos, as políticas de tutela começaram a ser contestadas por alguns governos, com um agravante: eles buscavam e buscam uma aproximação regional, com vista à formação de um sólido bloco latino-americano, forte, totalmente independente, com maior abertura para outras partes do mundo, especialmente a Europa e a Ásia.
É o crescimento de um sentimento de que é possível unir a América Latina que leva metrópole decadente, com sua moeda em queda livre, a se desdobrar em intrigas e baixarias, quase todas fracassadas. Hoje, por exemplo, não dá para jogar os países vizinhos contra a Venezuela, cujo crescimento e redução da pobreza são reconhecidos pela ONU e se irradiam beneficamente para seus vizinhos.
As grandes obras na Venezuela são realizadas por empreiteiras brasileiras, enquanto o petróleo venezuelano é vendido a preços reduzidos em países pobres, como a Nicarágua e Honduras. Ao mesmo tempo, 30 mil médicos cubanos prestam serviços na região, contribuindo para a redução de grandes problemas de saúde.
Se países como o Brasil se desvencilharem da tutela dos grandes grupos internacionais e assumirem com ações concretas um projeto de integração e parceria leal com seus vizinhos, teremos uma nova potência - a América Latina. Juntos, os latino-americanos representam a terceira população do mundo, com 580 milhões de habitantes.
E só unidos nós poderemos reduzir as diferenças com as duas grandes potências de hoje: os Estados Unidos, com 301 milhões de habitantes e um PIB de US$ 13.250.000.000.000,00; e a União Européia, de 25 países, com 490 milhões de habitantes e um PIB de US$ 12.600.000.000.00,00. Embora tenha mais habitantes, o PIB de toda a América Latina não passa de US$ 2.284.723.000.000,00.
Nós falamos praticamente a mesma língua e temos problemas parecidos. Não podemos perder de vista a possibilidade de nós mesmos resolvermos nossas dificuldades, sem a interferência deletéria das multinacionais, que não sossegam enquanto não levar um dos nossos países a uma guerra com outro, nem que seja apenas econômica, mas igualmente letal para nosso futuro.
coluna@pedroporfirio.com
Como eu, imagino que você assina TV a cabo. Morando detrás da serra dos Três Rios, não tenho outra alternativa, a não ser a parabólica, que utilizo especialmente para sintonizar a TV Diário, do meu querido Ceará.
Na NET, escolhi o pacote "digital", com o maior número possível de opções. Nem sei quantos canais são, mas não são poucos. Há de tudo para ver, mas não existe uma só estação de TV da América Latina. Nem a mexicana, que já fez parte da grade num passado remoto.
Por quê? Será que não há nenhuma televisão nos 25 países do nosso continente que possa ser captada aqui, no Brasil? Claro que há. Mas os cérebros que controlam as emissões de informações eletrônicas, pelos jornais ou pelo entretenimento, jogam pesado.
Tratam-nos, nesse campo, como colônias culturais dos Estados Unidos, que preenchem mais de 90% das grades, com canais que mostram de tudo e são responsáveis pela maior soma de tiros disparados num só dia, de tramas sórdidas, traições, trapaças, assassinatos ou da propagação do modo de vida insosso dos norte-americanos.
E por que não incluem canais dos países vizinhos? Você pensa que é por acaso? Claro que não, repito. Essa decisão está relacionada com a estratégia da potência do norte de manter a América Latina "longe da América Latina".
Conflitos fabricados
Eis a questão. Se tomarmos outros exemplos, vamos nos deparar com um jogo de intrigas e manipulações voltadas exclusivamente para manter vizinhos cada vez mais distantes, uns dos outros; cada vez mais desconfiados, cada vez mais hostis. Se possível, em conflito.
No passado recente, os generais Golbery Couto e Silva (o grande articulador do golpe de 64) e seu discípulo Meira Mattos desenvolveram uma "geopolítica" que nos colocava diante da possibilidade de guerra com a Argentina e outros países próximos.
Então, grassava a idéia de que para se tornar uma potência regional o Brasil precisava manter uma hegemonia militar na América do Sul ou, como escreveu o professor André Santos da Rocha: para os dois militares "o Brasil deveria pensar numa articulação político-territorial sobre o "`eartland sul-americano', que estava baseada nas idéias de Halford Makinder sobre a teoria do `Heartland'- área central.
Segundo Makinder, quem dominasse a área central possuiria grandes possibilidades de reger o poder regional/mundial". Esse pensamento tinha a ver com as guerras do passado, que foram adredemente alimentadas pelas potências estrangeiras e pela indústria bélica. Enquanto nos preocupávamos com as "ameaças" dos vizinhos, iamos nos transformando em satélites dos EUA. Nós e nossos vizinhos, compelidos por uma nefasta intermediação que faz com que nosso comércio regional seja expresso em dólares norte-americanos.
Com o aparecimento de ditaduras militares em vários países da América do Sul, estabeleceu-se uma colaboração tática, baseada no que havia de comum entre tais regimes: ampla rejeição popular e uso abusivo das forças repressivas. Como esses regimes se exauriram em face dos monstros que criaram, tornando a governabilidade produtiva algo só possível com a manipulação das esperanças dos cidadãos numa sociedade aberta e democrática, uma nova página se abriu na América Latina.
Civis servis e os rebeldes
A partir de 1982, o banqueiro David Rockfeller assumiu a liderança de uma estrutura destinada a substituir e enfraquecer as Forças Armadas, com o aproveitamento de lideranças civis cooptáveis e mais maleáveis no desempenho da função de prepostos do sistema internacional. Foi então que nasceu a ONG Diálogo Interamericano.
A idéia era formatar uma nova relação econômica, dentro do espírito da globalização, em que os blocos regionais seriam apêndices de Washington. O próprio Mercosul foi estimulado como uma aliança restrita a quatro países, pelo governo norte-americano, que concebia a possibilidade de subempreitar entre o Brasil e a Argentina o controle dos países mais pobres.
Esses formuladores não contavam que os seus novos aliados tivessem desgastes tão sumários. Aos poucos, as políticas de tutela começaram a ser contestadas por alguns governos, com um agravante: eles buscavam e buscam uma aproximação regional, com vista à formação de um sólido bloco latino-americano, forte, totalmente independente, com maior abertura para outras partes do mundo, especialmente a Europa e a Ásia.
É o crescimento de um sentimento de que é possível unir a América Latina que leva metrópole decadente, com sua moeda em queda livre, a se desdobrar em intrigas e baixarias, quase todas fracassadas. Hoje, por exemplo, não dá para jogar os países vizinhos contra a Venezuela, cujo crescimento e redução da pobreza são reconhecidos pela ONU e se irradiam beneficamente para seus vizinhos.
As grandes obras na Venezuela são realizadas por empreiteiras brasileiras, enquanto o petróleo venezuelano é vendido a preços reduzidos em países pobres, como a Nicarágua e Honduras. Ao mesmo tempo, 30 mil médicos cubanos prestam serviços na região, contribuindo para a redução de grandes problemas de saúde.
Se países como o Brasil se desvencilharem da tutela dos grandes grupos internacionais e assumirem com ações concretas um projeto de integração e parceria leal com seus vizinhos, teremos uma nova potência - a América Latina. Juntos, os latino-americanos representam a terceira população do mundo, com 580 milhões de habitantes.
E só unidos nós poderemos reduzir as diferenças com as duas grandes potências de hoje: os Estados Unidos, com 301 milhões de habitantes e um PIB de US$ 13.250.000.000.000,00; e a União Européia, de 25 países, com 490 milhões de habitantes e um PIB de US$ 12.600.000.000.00,00. Embora tenha mais habitantes, o PIB de toda a América Latina não passa de US$ 2.284.723.000.000,00.
Nós falamos praticamente a mesma língua e temos problemas parecidos. Não podemos perder de vista a possibilidade de nós mesmos resolvermos nossas dificuldades, sem a interferência deletéria das multinacionais, que não sossegam enquanto não levar um dos nossos países a uma guerra com outro, nem que seja apenas econômica, mas igualmente letal para nosso futuro.
coluna@pedroporfirio.com