quinta-feira, 1 de novembro de 2007

UMA ANISTIA AMPLA PARA REMOVER O LIXO AUTORITÁRIO (II)

MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 2 DE NOVEMBRO DE 2007 "A anistia não é nem uma apologia nem uma transação. A anistia é o olvido, é a paz" Rui Barbosa, Discurso no Senado, 5 de agosto de 1905 Não tenho a menor dúvida: por mais que o processo de anistia, no seu sentido lato, seja condição essencial do restabelecimento do estado de direito, a sua plena execução é o maior desafio de nossos dias. Sob os mais variados pretextos, as resistências ao reconhecimento devido às vítimas dos anos de exceção, casuísmos arbitrários e perseguições infernais ainda permanecem instaladas em trincheiras invisíveis e podem tornar o exercício da reparação um ato de heroísmo dos encarregados institucionais dessa missão. Digo isso não apenas em função de uma meia dúzia de e-mails que recebi com as tinturas da intolerância mais doentia. Os fatos têm mostrado que todos os esforços para abreviar o sofrimento de pessoas atingidas brutalmente em suas vidas vão encontrar óbices onde os órfãos da ditadura puderem influir. Esses recalcitrantes sobrevivem como fiéis depositários da violência de Estado e operam com desembaraço, sobretudo porque, afinal de contas, nenhum verdugo ou usurpador dos anos de chumbo foi sequer questionado. Isto, ao contrário do que aconteceu em outros países como o Chile, onde o general Pinochet, sua família e alguns de sua entourage foram parar na prisão como ladrões do erário e assassinos hediondos; e da vizinha Argentina, onde em 1985 foram condenados à prisão perpétua como homicidas e ladrões o general Jorge Rafael Videla e o almirante Emílio Massera (http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_18121985.shtml). No Brasil, no entanto, todos os algozes foram para casa com o compromisso da impunidade e a certeza de que continuariam dando as cartas naquilo que lhes interessava. Não foi por acaso que o sr. José Sarney, principal preposto civil da ditadura, "mudou de lado" e se declara hoje um defensor intransigente da democracia, com acesso à copa e a cozinha dos palácios do poder. Bolsões da intolerância Por isso, não me surpreendeu a correspondência de um advogado de Mato Grosso do Sul, que escreveu textualmente: "Era imperioso que fossem perseguidos, derrotados e, SE NECESSÁRIO, MORTOS. Nesse aspecto, o tratamento que a eles, inimigos da pátria, era dispensado, nada tinha de anormal. Registre-se, por pertinente, que a malfadada Comissão de Anistia do Ministério chefiado por TARSO BERIA, está atulhada de elementos adoradores do comunismo e que sequer sabem exatamente o seu significado. São uns párias que, assim como aqueles toupeiras de 1964, VÃO OBRIGAR OS NOSSOS HONRADOS MILITARES A, UMA VEZ MAIS, ASSENHOREAR-SE DO PODER". Como disse na coluna anterior, é preciso que a sociedade saiba toda a verdade sobre a natureza do trabalho da Comissão de Anistia, como instrumento centralizador dos processos de reparação. É preciso que saiba que, se não fosse pela oportuna reflexão do presidente Paulo Abrão Pires Junior, um jovem mestre do direito público (escolhido até por não ter vivido as torpezas daqueles anos, o que o imuniza de qualquer ato emocional), os processos que ainda dependem de julgamentos levariam no mínimo 15 anos em suas prateleiras. Embora o Ministério da Justiça tenha ampliado sua equipe técnica, incluindo jovens advogados, me parece fora de propósito que seus conselheiros sejam "voluntários", quando qualquer conselho de qualquer órgão público ou estatal paga muito bem a quem não tem um décimo de sua responsabilidade, até porque não lida com expectativas humanas, algumas acumuladas por mais de quatro décadas. Por conta das resistências cegas de quem tem assento em áreas do poder, sobrevive ainda uma certa doutrina restritiva em relação, sobretudo, aos militares vitimados pela intolerância. O que seria a melhor das leis - a 10.559 - por sua abrangência, acabou configurando uma situação desconfortável para os militares que tiveram seus direitos reconhecidos. Ao ser editada ainda como Medida Provisória, essa Lei contrariou em alguns aspectos os fundamentos da Constituição de 1988, que diz expressamente em seu artigo 8º das Disposições Transitórias: "É concedida anistia aos que, no período de l8 de setembro de l946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864 de 12/09/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos". Fazer Justiça já Esses mesmos bolsões de resistência procuram por todos os meios impedir as reparações aos militares subalternos, especialmente os cabos da Aeronáutica, onde o sistema de "licenciamento" foi modificado por uma Portaria que à primeira vista não tinha nenhuma conotação política. Mas que funcionou como uma permanente ferramenta de depuração, como demonstrou o antigo conselheiro Ulisses Riedel, cujo parecer serviu de base para a concessão de anistias, indevidamente anuladas depois. O momento hoje exige uma verdadeira retomada do movimento pela anistia de verdade, que precedeu a retomada do Estado de direito e balizou as várias leis que serviram para reinserir o Brasil no mundo civilizado. Neste sentido, considero de fundamental importância a presença maciça dos democratas na audiência pública que o presidente da Comissão de Anistia fará no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, nesta segunda-feira, dia 5, às 14 horas. Só com a atuação dos cidadãos, a Comissão da Paz poderá superar seus próprios desafios, sobretudo em matéria de tempo. Os que ainda dependem do pronunciamento daquele plenário estão com as cabeças brancas e já sofreram mais da conta. É hora de estabelecer uma relação direta, de forma a assegurar que todos os direitos sejam garantidos. Quando digo direitos, nada mais peço. Sem sua observância na questão dos perseguidos políticos, teremos sempre um flanco aberto e um ambiente de ambigüidade cristalizado. coluna@pedroporfirio.com

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