A morte de Sócrates, o mestre dos jovens de todas as épocas*
"Parece que as cabeças dos homens mais notáveis mínguam quando se reúnem, e que onde há mais sábios, há também menos sabedoria. Os grandes grupos prendem-se tanto aos momentos e aos vãos costumes, que o essencial não vem senão depois".
Montesquieu,autor do “Espírito das Leis”
(1689-1755).
Já está fazendo um mês que meu filho de 19 anos ingressou numa respeitada Faculdade de Direito. Pelo que temos conversado, ele está encantado. Já no primeiro dia, foi seduzido pelos conhecimentos e a forma de relacionamento da professora de Introdução ao Direito, uma desembargadora.
Depois, foi ganho pelas aulas de filosofia. Está apaixonado por Sócrates e, ao contrário da época de colégio, aproveita todo o tempo disponível para ler. No momento, devora a República de Platão. E mais faz, com a liberdade de que desfruta desde as calças curtas, para inteirar-se de tudo que diz respeito ao caminho que escolheu.
Esse envolvimento de um jovem com o direito me preocupa – eu, um idoso de 64 anos que já passei por poucas e boas, tanto nos idos do arbítrio como nesta década da Constituição cidadã. A última foi a decisão de um desembargador de plantão, que, sem tomar conhecimento do Código de Processo Civil, me privou de 27 dias de mandato, favorecendo ao suplente que ainda quer por que quer tomar o meu lugar na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Preocupo-me por ele e por sua geração, pelos jovens que precisam ter a máxima certeza da seriedade das instituições. E, dentre elas o Poder Judiciário, a última cidadela num regime constitucional. A Justiça não pode sucumbir. Se a minam ou se ela se golpeia, leva de roldão todo o estado de direito.
A Lei e os juízes
E quando falo nessa instituição milenar, não me refiro apenas ao Supremo Tribunal Federal, com sua última palavra e sob o foco das câmeras a cada conflito legal de grande envergadura. Falo desde a primeira instância onde brilharam nomes emblemáticos, como Salete Macalós e Denise Frossard.
Não faz muito, dediquei-me a idas e vindas ao STF. Era a reta final do périplo da minha lei que libertou escravos das “diárias” na praça de táxis do Rio de Janeiro. Que, a bem da verdade, foi decidida por 10 a 1 contra o voto do relator, Carlos Veloso.
Ao ver aqueles debates onde o contraditório estava no próprio contexto da Carta Magna, formei a convicção de que a Lei é presa do julgador, até por conta dessa ferramenta que chamam de hermenêutica. Porque tantas são as leis, como já no Século XVIII lamentava Montesquieu: “as leis inúteis debilitam as necessárias”. E mais: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda parte”.
Nestes dias, todas as atenções da opinião públicas estão focadas no STF, onde dez magistrados decidem se aceitam denúncias contra 40 figurões da República, acusados das mais variadas formas de corrupção e desvio de conduta. Por três dias, brilhantes advogados exerceram seus talentos com o único objetivo – livrar seus clientes de toda e qualquer acusação.
Temos, no entanto, um confronto de rito por conta dessa exceção que se estabelece em nosso país. Por envolver ex-ministros e parlamentares, o Supremo se converte em primeira e única instância - uma faca de dois gumes, uma responsabilidade redobrada, uma afronta ao princípio pétreo de que todos são iguais perante a Lei.
Justiça política
Mais do que qualquer outra instância, o STF é uma corte política, queira ou não o ministro Marco Aurélio. Políticas são, infelizmente, as indicações para suas cadeiras, independente de estarem entre eles alguns sábios; independente dos critérios “técnicos” e dos valores morais que cada um se atribui pelo peso de suas decisões.
Nesse caso, não há nada mais deprimente do que ler que a indicação do próximo ministro vem passando por negociações com o PMDB – Meu Deus, a quem confiar nossa sorte? Já imaginou o deputado Eduardo Cunha negociando quem será catapultado para a 11ª cadeira da mais alta corte do Brasil?
Esse ambiente preponderantemente político no topo do Poder Judiciário acaba por contaminar todo o seu organismo. O exaltado princípio do concurso público só existe para a primeira instância em função de concepções doutrinárias nunca questionadas. Na segunda instância, valem as listas tríplices, inclusive para quem nunca foi juiz. Na terceira, é o chefe do Poder Executivo quem escolhe.
No entanto, permita-se o parêntese, arma-se um tremendo escarcéu diante de um projeto que pretende efetivar servidores há anos no batente, que só querem o reconhecimento de uma situação de fato, tal como aconteceu com muitos de seus colegas. E querem exatamente em nome de sua condição real, servidores do Estado e não empregados de empresas particulares.
Ser barnabé, só por concurso e olhe lá. Ser ministro do Supremo, com cargo vitalício até aos 70 anos, vale uma boa indicação ou uma discreta negociação, que acaba sendo paga pelos contribuintes, como nesse jogo desesperado pela prorrogação da CPMF.
Isso tudo só serve para manter os cidadãos sob o império da insegurança jurídica, de onde a própria palidez do regime dito democrático. Como são manipulados, a estes não ocorre discutir a natureza dos poderes e as idiossincrasias dos seus titulares, reservando-lhes tão somente sofrer e torcer diante de cada situação apresentada. No direito, como no cotidiano, vive-se o hoje tal como está posto. O mais que se olha é para os personagens do proscênio. E deles se espera o que nem sempre está no catálogo.
A mim, importa saber o que o decidirão os dez ministros do STF sobre os 40 acusados no chamado caso do “mensalão”. Mas preocupa muito mais preservar a fé na Justiça, onde espero que meu filho, ainda envolto no mais belo dos sonhos, possa oferecer o melhor de seu caráter, de sua vocação inquieta e seu sentimento generoso.
Desejo, sobretudo, que os jovens como ele se entreguem às refregas do direito como uma sagrada missão, segundo os ensinamentos de Sócrates que só queria levar seus interlocutores a perceber que o que sabiam do mundo e de si mesmos era muito pouco e que a condição de sábio talvez só coubesse para os que sabiam que nada sabiam.
SÓCRATES, O
FILÓSOFO QUE INSPIROU OS JOVENS
Em função de suas idéias inovadoras para a sociedade, Sócrates atraiu a atenção de muitos jovens atenienses. Suas qualidades de orador e sua inteligência, também colaboraram para o aumento de sua popularidade. Temendo algum tipo de mudança, a elite mais conservadora de Atenas começa a encarar Sócrates como um inimigo público e um agitador em potencial. Foi preso, acusado de pretender subverter a ordem ocial, corromper a juventude e provocar mudanças na religião grega. Em sua cela, foi condenado a suicidar-se tomando um veneno chamado cicuta, em 399 C