sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
A greve de fome de um contra a sede crônica de 12 milhões
Piso em ovos quando meto o meu bedelho em polêmicas já polarizadas e dominadas por paixões, premidas por emoções e truncadas pela intransigência. Sinto-me compelido ao exercício da habilidade e da argúcia para não chocar, nem ferir suscetibilidades. Porque aprendi ao longo de tantas linhas percorridas que o uso das palavras é uma arte marcial.
Todo cuidado é pouco ao tratar de temas que estão à flor da pele - reconheço. Mas também não nasci com a síndrome do avestruz, que prefere enterrar a cabeça a exercitar o seu olhar crítico sobre esse confuso panorama.
Feito tal preâmbulo com toda ênfase, gostaria de manifestar-me com o devido o respeito e o espírito de tolerância sobre a atitude de um bispo que está expondo sua vida numa greve de fome por discordar do projeto da transferência de 60 metros cúbicos por segundo de água do velho Chico para áreas castigadas pelas secas, onde vivem mais de 12 milhões de nordestinos nos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
E antes de comentar o fato em si, eu lhe pergunto: e se outro brasileiro, clérigo ou não, decidisse fazer uma greve de fome para garantir a realização do projeto de transposição, qual vida deveria ser preservada?
Qualquer um pode fazer greve de fome. Eu mesmo participei de uma, que durou 11 dias, no presídio naval da Ilha das Cobras, quando a ditadura nos trancafiou na quinta prisão, a mesma cela úmida, cavada numa pedra, onde um dia Tiradentes sofreu as mesmas agruras.
Naquele verão de 1969, brigávamos por direitos elementares, como receber visitas, banho de sol e ter acesso a informações. Era algo que nos dizia respeito exclusivamente e dependia tão-somente que a Justiça Militar ordenasse tais providências, o que felizmente aconteceu.
Em busca da cruz
Hoje temos um país de 180 milhões submetidos a um gesto insensato e pessoal de quem busca espontaneamente a sua própria cruz. Já não se discute o projeto e sua repercussão, mas se o governo deve desistir de uma obra gigantesca para evitar a morte de um bispo da santa Igreja Católica, Apostólica e Romana.
Ninguém quer que o obstinado sacerdote morra. Mas terá autoridade um governo que pára uma obra de 5 bilhões de dólares para impedir um ato de sacrifício individual, seja de quem for? Será que o bispo ainda acredita na tutela da Igreja sobre um estado laico? Será esse o grande argumento para sustentar uma tese num ambiente em que, apesar das controvérsias, não se pode mais empurrar com a barriga uma tragédia secular?
Você dirá que há outras alternativas, mas já procurou saber se realmente dá para resolver o problema com cacimbas em áreas onde a água some até no fundo do poço?
Vejo esse episódio sob três aspectos:
1. Um ato supostamente heróico, que reflete uma atração pelo trágico de alguém que se propõe a entrar para a história como o mártir por decisão própria, no que mistura lendas, dogmas, megalomanias, desapreço pela própria vida, messianismos e uma boa dose de histrionismo.
É claro que ele próprio tem suas razões existenciais para optar pelo sacrifício individual sob a influência de uma certa leitura da teologia, que guarda semelhança com os monges budistas que atearam fogo às vestes na guerra do Vietnã e até mesmo, ainda que ressalvadas as diferenças do "modus faciendi", com os muçulmanos que explodem seus corpos na interpretação ortodoxa de sua "guerra santa".
No caso, o bispo não recorre ao jejum sequer para garantir a salvação da lavoura. E, consciente ou não, acaba sendo usado pelos grandes fazendeiros e exportadores que "privatizaram" os mananciais do velho Chico e não querem nem mesmo o aumento do cultivo às suas margens para preservar seus oligopólios. Hoje, apenas 25% de seu entorno são cultivados.
2. Uma irresponsável manipulação política de quem deseja um cadáver para jogar contra um governo que pode ser censurado por muita coisa, menos por um projeto que beneficiará a 12 milhões de brasileiros, segundo estudos fartos e antigas idéias.
Estas remontam o dia em que, em 1847, Marco Antônio Macedo, deputado provincial cearense, propôs a Dom Pedro II a ligação do São Francisco com o Riacho dos Porcos, um afluente do Jaguaribe, o maior rio seco do mundo, sugestão acatada pelo imperador, que encarregou os engenheiros Henrique G.F. Halfeld e Emanoel Lias de fazerem os primeiros levantamentos sobre o rio.
Propriedade privada
Eu não chegaria a afirmar isso com tanta crueza, mas parece que tem gente torcendo para que haja um desenlace fatal para, com ele, enterrar na mesma sepultura "a referência política de Lula e do Partido dos Trabalhadores na história dos movimentos sociais do Brasil", como espera Paulo Maldos, assessor do Conselho Missionário Indigenista.
3. Mais uma demonstração de que o povo precisa realmente vacinar-se contra a doença aguda da desinformação e da mistificação, que grassam como uma praga entre nós. Infelizmente, muitos pegam o bonde andando e tomam partido sem procurar conhecer toda a verdade, sem ouvir todos os atores do conflito.
O São Francisco não é propriedade privada de ninguém - é por natureza um rio de integração nacional, que joga no mar a cada segundo 3.850 m3 de água, o que, como disse o engenheiro Paulo Canedo, da UFRJ, tornará absolutamente irrelevante os 60 m3 por segundo que servirão para matar a sede de milhões de nordestinos.
Pouco se fala, mas eu, que nasci na roça e conheço a cabeça dos fazendeiros, nunca vi raça tão mesquinha. E vou mais além: desafio os que dizem que a transposição não vai beneficiar os camponeses do Nordeste setentrional a mostrarem entre os monopolistas do grande rio as roças de pequenos lavradores beneficiados por limitada irrigação.
Minha esperança é que, agora que o STF bateu o martelo, a idéia de uma postura afirmativa e sem traumas possa descer sobre os mais próximos do bispo católico e seus afoitos incentivadores, até porque, como no texto de Brecht, infeliz é a nação que precisa de heróis. Da mesma forma, desejo que se contenham os que querem se aproveitar do episódio para alvejar quem pode ser questionado por certas políticas, mas com a serenidade que o País exige.
coluna@pedroporfirio.com
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