segunda-feira, 24 de setembro de 2007

PRIMEIRA AVALIAÇÃO SOBRE O PDT NO GOVERNO LULA

“O poder desgasta, sobretudo, quem não o tem”. Felipe Gonzalez, ex-premier socialista da Espanha Quando aceitou participar do governo de “coalizão” do sr. Luiz Inácio, o PDT sabia muito bem dos riscos a que se expunha. O simples e alardeado convite para juntar-se a partidos “grandes” como o PT e o PMDB já foi uma tremenda saia justa e deixou a direção partidária naquela de “se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”. A intenção do núcleo do poder foi de ordem preventiva: evitar que o partido de Brizola percorresse o mesmo caminho que levou os petistas a ocupar espaços brizolistas, resgatando o voto de opinião, que é formador e multiplicador por excelência. A análise fria da conjuntura não permitia gestos heróicos. O PDT havia tido a sua maior vitória, emblemática sobre todos os aspectos, com a eleição do médico Jackson Lago para o Maranhão, Estado dependente de recursos federais, que permanecera sob controle da oligarquia Sarney desde 1965. Ainda por cima, entre as prefeituras que administrava, tinha a de Salvador, ganha num confronto com a oligarquia de ACM: outra situação em que uma relação amigável com o governo central se tornaria imperativa. Para agravar, todo político tem sede de poder. É para isso que se lança em campanhas cada vez mais caras. No PDT, a quase totalidade dos seus 22 deputados federais via nessa adesão a possibilidade de filar qualquer coisa que ajudasse a conservar o mandato. Qualquer coisa que só o poder disponibiliza. Mas já na definição do Ministério confiado aos brizolistas, Lula pôs seu pé atrás. Passou o tempo todo falando na Previdência, onde vem sistematicamente amputando direitos históricos, mas na véspera do parto, ofereceu o Ministério do Trabalho, que hoje não tem a importância e o elã dos velhos tempos. Habilidade a toda prova Em todas essas situações, o presidente da legenda brizolista, Carlos Lupi, agiu com o máximo de habilidade e competência. Ele viu, ao lado de Brizola, a tentativa de cooptação individual feita quando Miro Teixeira preferiu o Ministério das Comunicações ao partido. Naquele então, Lula contava que o ministro fosse arrebanhar os ex-companheiros, deixando Brizola a pão e água. Ou porque não quis se prestar a isso, ou porque não conseguiu nada, Miro foi apeado do Ministério, ao qual, aliás, havia ascendido muito menos por indicação partidária e muito mais pelos laços que tem com quem sempre fez o ministro da área. Uma vez ministro, Lupi agiu com despojamento e procurou adequar-se sem maiores exigências à nova condição, embora em termos parlamentares o PDT acrescentasse pouco à base governista: quatro senadores (menos de 5% da casa) e 22 deputados federais (4,3% dos 513 pares). Esse peso pena no cômputo dos embates no Legislativo se refletiria na matemática política da corte. Pelo que pude perceber, o esforço gigantesco de Carlos Lupi para dar um novo impulso no Ministério do Trabalho não encontra ressonância no conjunto do governo. Esta pasta, aliás, mais parece “caveira de burro”. No primeiros quatro anos do lulismo, teve três titulares – Jacques Wagner, Ricardo Berzoine e Luiz Marinho. Todos saíram sem ter o que dizer ao eleitorado o que por lá fizeram de enaltecedor. Transformado numa espécie de agência de financiamento social, é contingenciado principalmente pelo Ministério da Fazenda, mais interessado em garantir o superávit fiscal acordado com o FMI. Embora já esteja ali há seis meses, o presidente do PDT não conseguiu deslanchar nenhum programa e, ainda por cima, conta-se nos dedos as nomeações que conseguiu fazer nos escalões a ele subordinados. No caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador – o FAT- os projetos de qualificação profissional, que se tornaram sua grande bandeira, ganharam uma barreira intransponível. Por uma resolução do ministro Guido Mantega, de maio passado, esses programas foram praticamente inviabilizados. Essa norma estabeleceu que a entidade âncora do chamado consórcio de qualificadores é obrigada a oferecer uma polpuda contrapartida em dinheiro, ao contrário do que acontecia até então. Projetos inviabilizados Quem poderia cometer tal proeza? Aqui mesmo no Rio de Janeiro, um projeto que poderia garantir a qualificação de 4.500 jovens, já a partir de setembro, foi adiado porque a universidade que seria a âncora não tem como entrar com os R$ 450 mil exigidos. Outras entidades consultadas, inclusive uma respeitadíssima fundação de ensino profissionalizante, esbarraram na mesma cláusula. Quem ganha com isso é a tecnocracia que trabalha com toda força para garantir o abominável superávit fiscal de 4,5% do PIB (aproximadamente R$ 91,2 bilhões). Os recursos do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT), oriundos do PIS, que estão parados na rede bancária, pularam de R$ R$ 49 bilhões em 2001 para R$ 124 bilhões em julho de 2007 e ajudam o governo a apresentar uma dívida líquida menor. Desde que assumiu Lupi não dispôs sequer de autonomia para dar publicidade aos programas que precisam chegar ao conhecimento da cidadania. Tudo depende de um sistema centralizado, que já publicou anúncios de todos, menos do seu Ministério. Não obstante essa situação desconfortável, o PDT corre o risco de ser triturado por dentro, na medida em que se obriga a seguir de olhos fechados o cavalo-de-pau do PT. Na guerra da CPMF, decidiu pelo apoio incondicional, enquanto os partidões da “base” assaltam sem constrangimento rendosas nesgas das estatais, em troca dos seus votos. Como houve uma decisão partidária a favor, o deputado Barbosa Neto poderá pagar caro por ter votado contra a prorrogação dessa fonte tributária que de provisória não tem nada. São regras de um jogo que o PDT cumpre solitariamente, mesmo tendo que cortar na própria carne e se expondo ao risco de ganhar sua própria “Heloísa Helena”. Essa postura poderá acarretar maiores impasses quando a matéria for para o Senado, onde dificilmente o governo terá os votos de três dos quatro senadores pedetistas. E aí? Que farão os brizolistas, mesmo sabendo que a própria finalidade original da taxa já sofreu mudanças, com prejuízos para o orçamento do Ministério da Saúde que, ao longo desses dez anos, só ficou com 45% do total de R$ 185,9 bilhões arrecadados pela CPMF. Nessas horas, é preciso contar com a intuição que foi marca de Brizola e a análise científica que monitorem uma postura coerente e pragmática. Tentar sobreviver só com o ônus do poder é mais do que temerário: beira ao suicídio político. coluna@pedroporfirio.com