“Pouco importa seja o poder exercido por um, por alguns ou por muitos. Quem o detém tende a dele abusar. O poder vai até onde encontra os seus limites. Para que os seus titulares não possam abusar dele, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Esse é o ensinamento de Montesquieu”
Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, ex-presidente do STJ.
Quando meu filho de 19 anos me comunicou a decisão de abandonar o curso de Direito, ao concluir o primeiro período, uma serena tristeza invadiu-me a alma, entrecortada por um melancólico sentimento de culpa.
A notícia me foi dada já no crepúsculo do dia. Escurecia e não havia uma única estrela no céu. Antes, nuvens carregadas aproximavam-se do maciço da Tijuca, alvo instintivo do meu olhar. Logo em seguida, como soe acontecer aqui no sopé da serra dos Três Rios, a luz se foi e ficamos às escuras.
Tudo parecia anunciar um mau presságio. Fazia alguns dias, passara o 4 de dezembro, uma data emblemática para mim: em 1950, quando ainda tinha 7 anos, perdi meu pai no mesmo dia em que o irmão, promotor de Justiça, aniversariava. O irmão, para minha alegria, completou seus 91 anos neste 2007, em meio ao respeito de quantos sabem de sua personalidade incorruptível. Mas a morte do pai, depois de uma enfermidade cruel, naquela primeira segunda-feira de um dezembro estéril, eu jamais consegui esquecer.
As náuseas do ofício
Ao dar um passo atrás, meu filho abriu mão de dois anos de vida acadêmica e terá de repetir o percurso para acessar novamente o curso de Comunicação Social da PUC, para o qual havia sido aprovado, simultaneamente com a classificação para a Faculdade Evandro Lins e Silva, do IBMEC, que preferiu pela garantia de um “emprego seguro” ao receber o canudo.
Lembrei-me do que escrevi sobre suas primeiras impressões quando se iniciava na vida acadêmica. Naquela última segunda-feira de agosto, ponderei: “Preocupo-me por ele e por sua geração, pelos jovens que precisam ter a máxima certeza da seriedade das instituições. E, dentre elas, o Poder Judiciário, a última cidadela num regime constitucional. A Justiça não pode sucumbir. Se a minam ou se ela se golpeia, leva de roldão todo o estado de direito”.
Por minha filosofia de vida, não me pus em confronto com a decisão do filho. Mas pelo meu cérebro vulcânico todas as hipóteses passaram numa torrente de imagens e visões dramáticas. Por que essa drástica mudança de rumo num país em que não se pode perder um dia ante a escassez das oportunidades?
O mais grave em tudo isso é a crença de que pode ter influenciado no seu sacrifício juvenil, ainda que inconscientemente, a sucessão de absurdos e iniqüidades que permeiam a grotesca intervenção de magistrados da Justiça Comum ( e não a Eleitoral) ao decidirem sobre a expropriação do mandato que me foi conferido pelo povo.
Meu filho disse simplesmente que não se viu motivado para a advocacia, até porque ganhar dinheiro não é sua prioridade de vida. Ele também se convenceu que erramos quando abrimos mão de um vestibular numa faculdade pública por um certo escrúpulo, considerando que podemos pagar uma particular e muitos que não podem pagar são alijadas de ambas. Essa reflexão ele passou a fazer depois da divulgação dos exames da OAB-RJ.
Mas, vivenciando esse histórico perverso e inexplicável, onde constituições, leis, códigos e direitos elementares são atropelados em sede liminar pelo duvidosa ilação da “fumaça do bom direito”, não me surpreenderá se tais violações, infectadas da mais horripilante hipocrisia, tenham inoculado nos recônditos do seu cérebro as náuseas que sua primeira experiência universitária lhe causaram.
Sabendo de minha própria história e dos seus irmãos mais velhos – sacrificados e humilhados quando permaneci dois anos nos cárceres da ditadura, mas vitoriosos e senhores dos seus destinos – ele não vai se abater, é claro. Ainda está em tempo de buscar aquilo em que possa acreditar para prover seu sustento com o mínimo de prazer e dignidade.
Assim também, não vão ser essas liminares exóticas e insustentáveis à luz do dia, nem a desatenção de plantonistas premidos pelo volume de processos, que me prostrarão diante de abomináveis “fatos consumados”.
A nossa Justiça
Mais do que o meu mandato legítimo, honrado, honesto, coerente, ético, inatacável, está em jogo a própria preservação do respeito a um Poder Judiciário que custa aos contribuintes 5% do PIB brasileiro, mais do que os 4,2% da educação.
Quando um magistrado se excede em suas prerrogativas, acolhendo a alegação absurda de que um candidato teria renunciado a algo que AINDA IA DISPUTAR, QUE AINDA NÃO POSSUÍA, quem passa a assustar é toda a magistratura, pois como dizia o barão de Montesquieu, mestre de todos os mestres, “a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
A Justiça é a pedra angular que pode ser o bem e o mal de um país onde quase ninguém preza seus direitos, até por desconhecê-los, algo que, contamina seu próprio corpo, formado por mais de 500 mil advogados, 13 mil juízes de carreira, 8.900 promotores e procuradores de Justiça, sem falar nos juízes leigos, nos defensores públicos e nos milhares de sacrificados serventuários.
O poder decisório dessa Justiça está exposto ao vírus da ambição pessoal, diagnosticado de quando em vez, e à sofreguidão compensatória, em face da abundância de leis embaralhadas e conflituosas, além do precário ambiente acadêmico, marcado pelas reprovações nos exames da OAB, como aconteceu no último aqui no Rio, em que duas faculdades privadas não conseguiram aprovar sequer um único bacharel.
Em nosso país, como todo agrupamento, o Poder Judiciário é um universo tão plural e contraditório que abriga homens de bem, virtuosos, competentes, abnegados, ao lado de alguns despossuídos de caráter e de formação jurídica, o que submete os cidadãos uma espécie de “roleta russa”.
Pela fatalidade da última palavra, o poder de Justiça no Brasil, além de um exercício teleológico, produz uma contundente tentação do caráter: como é lugar comum, decisões judiciais, por mais liminares ou extravagantes que possam ser, são cumpridas ao pé da letra.
Sei que tudo que eu disser aqui poderá ser usado contra mim para manter um ato absurdo, que suprime sem constrangimento regras que qualquer rábula sabe de có e salteado. Mas o que me cabe fazer, se a grande mídia silencia diante da cassação canhestra de um mandato legítimo, até por seu ineditismo?
O “fumus boni iuris” que baliza tantas e tão precipitadas decisões não pode ser uma ferramenta letal, nem virar uma hidra que faz do regime de direito um anencéfalo sem pé e sem cabeça.
A crônica de nossos dias é de tensão e desconfiança nas instituições e isso afeta mortalmente o animus de um povo já fragilizado por um ambiente de generalizada insegurança, em todos os campos do seu cotidiano.
O que compensa, por ora, é saber que há magistrados vocacionados, que têm refletido com responsabilidade sobre o peso de seus poderes. Esses são verdadeiros expoentes de um pensamento conseqüente e intimoratos na busca de respostas justas para além da blindagem que lhes protege.
É a eles que estou me dirigindo, junto com o lamento íntimo pela decepção do meu filho.
coluna@pedroporfirio.com
PARA ENTENDER O ESBULHO: Primeiro suplente do PDT, assumi em fevereiro, depois de uma consulta formal da Câmara Municipal ao TRE, pressionada pelo segundo suplente, que não aceitara uma decisão do juiz titular da 2ª Zona Eleitoral, em 2005, assegurando minha posição na lista de suplentes. O plenário do Tribunal aprovou por 4 a 1 o relatório do relator Márcio André Mendes Costa, que respeita a Lei Orgânica do Município. Ainda que eu tivesse renunciado perante o partido – o que não era verdade –a renúncia só é válida perante a casa legislativa.
No dia da minha posse, p segundo suplente entrou com um mandato de segurança contra a Câmara na 6ª Vara da Fazenda Pública. A juíza Vanessa Cavalieri negou provimento, alegando que a Justiça Comum era incompetente para tratar da matéria, prerrogativa da Justiça Eleitoral. No mesmo dia, porém, esse segundo suplente obteve do desembargador de plantão, Ismênio Pereira da Costa, o acolhimento a um agravo, como qual fui “cassado” no dia seguinte.
Na 20ª Câmara Cívil, o relator de então, desembargador Camilo Ribeiro Rulieri, então desembargador itinerante, tornou a liminar sem efeito, 27 dias depois, com base nos artigos 557, parágrafo l°-A e artigo 527 do Código do Processo Civil, porque “a matéria não foi enfrentada em primerio grau”.
Na primeira instância, o mandado de segurança foi julgado em 28 de setembro, com sentença proferida pela juíza Jacqueline Montenegro, que negou provimento e depois rejeitou seu embargo de declaração. Nesse mesmo dia, o segundo suplente foi VOLUNTARIAMENTE ao PDT e requereu sua desfiliação, indo agregar-se ao PSC, partido pelo qual pretende ser candidato em 2008.
Havia em pauta para o dia 3 de outubro, na 20ª Câmara Civil um agravo, que teria sido prejudicado pela promulgação da sentença. A desembargadora Letícia Sardas entendeu que poderia conceder o agravo e o fez, com os votos de outros dois colegas. Duas desembargadoras já haviam se consideradas impedidas no processo. Odete Knaack de Souza, que ficou como relatora, requereu seu afastamento depois que o advogado do segundo suplente formulou petição nesse sentido durante suas férias. E A desembargadora Conceição Aparecida Mousnier Teixeira de Guimarães Pena também se considerou impedida ao ser sorteada para substituí-la.
No mesmo dia 3 de outubro, o STF decidiu que o mandato pertencia ao partido e fixou a data de 27 de março de 2007 para definir quem poderia perder o mandato. O segundo suplente deixou o PDT pela segunda vez em 28 de setembro de 2007. Informada formalmente, a desembargadora Letícia Sardas suspendeu a execução do acórdão, enquanto os advogados Siqueira Castro e Adriana Conrado Zamponi entravam com embargos declaração, seguidos pelo procurador da Câmara, Flávio Brito.
No dia 12 de dezembro, o segundo suplente, já filiado a outro partido, o PSC, entrou com mandado de segurança, que foi deferido, em caráter liminar, pelo desembargador Nascimento Póvoa, no dia 19, às vésperas do recesso do Judiciário. No recesso, tanto meus advogados como o PDT entraram com embargos, que foram negados, Num deles, a desembargadora de plantão afirmou que a Câmara estava em recesso, o que não era verdade.
O que vai acontecer agora, os advogados estão estudando। De qualquer forma, o PDT já entrou no TRE com o pedido de cassação do segundo suplente, já que o mandato lhe pertence por decisão do STF e o beneficiário da liminar foi para outro partido no final de setembro.
Cassado por liminar, nada mais
perverso e anti-democrático
MINHA COLUNA NA TRIBUNA DA IMPRENSA DE 26 DE DEZEMBRO DE २००७
O crime de Pedro Porfírio? Escrever nesta TRIBUNA, que eles nãopodem submeter. Não podendo submeter, perseguem".
Helio Fernandes
No outono de 1925, Max Brod publicou uma das mais profundas e inquietantes peças literárias - "O processo", do seu amigo Franz Kafka, um escritor tcheco que morrera um ano antes num sanatório de Viena, pedindo que todas as suas obras fossem destruídas.
Editado num momento de grande efervescência cultural, logo depois do manifesto surrealista de André Breton, "O processo" entrou de imediato para o catálogo da literatura do absurdo. Tratando da saga de Joseph K. para descobrir por que havia sido detido e estava sendo processado, a obra de Kafka ganharia as telas em 1962, pelas mãos de Orson Welles, um dos monstros sagrados de Hollywood, revelando Anthony Perkins num desempenho fenomenal.
Há centenas de livros e filmes sobre o vilipêndio do direito em todos os tempos. Não sei se nossos magistrados, assoberbados com grandes números de processos, muitos fora de suas áreas, tiveram tempo de ler ou de pelo menos refletir sobre a verdadeira tragédia institucional que avassala o País, naquilo que seria a pedra angular da democracia: a garantia constitucional. Já eu não faço outra coisa a não ser estudar todo esse estranho universo que guarda semelhanças com o personagem de Kafka.
É claro que meu interesse nessas pesquisas decorre de fatos que me afetam e que afetam a algumas categorias, como os profissionais da Varig e beneficiários do Aerus, cujos direitos trabalhistas e previdenciários foram engolfados pela superposição da nova Lei de Recuperação de Empresas, e tratados por uma Vara Empresarial que lhes negou tudo e mais alguma coisa.
Um capítulo melancólico
No meu caso, não há precedentes. O que seria matéria da Justiça Eleitoral, como se pronunciou originalmente a juíza Vanessa Cavalieri, da 6ª Vara da Fazenda Pública, foi para o âmbito da Justiça Comum, que sequer considerou a decisão do Plenário do TRE do Estado do Rio, aprovada por 4 votos a 1 em janeiro deste ano, reafirmando o fórum para eventual renúncia de um parlamentar: ela deve ser formulada do próprio punho perante a Casa Legislativa, como consta em todas as constituições.
Independente do que venha acontecer, essa novela sobre o meu mandato vai acabar entrando para a história do Judiciário como um dos seus capítulos mais melancólicos e assustadores. Porque ela parte de uma premissa absolutamente falsa e insustentável: a de que em 2004 eu teria renunciado ao mandato que ainda ia disputar e para o qual sequer fui eleito, ficando como primeiro suplente.
O conjunto de documentos e informações sobre as duas CASSAÇÕES de que fui vítima, por descuidadas medidas liminares, dá um livro. Nesses 11 meses, tenho sido protagonista e testemunha de situações absolutamente inacreditáveis, adotadas por magistrados de tais poderes que nos levam a ter uma compreensão mais indulgente de muitas das práticas da ditadura.
Quando você está na fogueira, o exercício de opinar é constrangedor. Se você considera uma decisão correta, isso pode ser usado para tudo, até para incrementar ciúmes. Criticar então, seus próprios advogados desaconselham.
Há situações absolutamente mortais, como o caso da Varig: o seu processo para rever perdas decorrentes de políticas tarifárias percorre os escaninhos do Judiciário há mais de 15 anos. Se ele tivesse sido julgado em tempo hábil, a empresa não teria se afundado na crise que levou ao desespero mais de dez mil famílias.
Não sei o que pensa um só magistrado - imagine esse universo de 13 mil detentores de inesgotáveis fontes de poder, protegidos pelo art. 95 da Constituição Federal, que lhes assegura vitaliciedade e inamovibilidade.
Perversidade banalizada
Isso me força a escrever com toda a cautela. Uma observação poderá ser usada contra o meu direito ao exercício de um mandato parlamentar, cujo tratamento perverso já se banalizou, configurando um estado de ostensiva insegurança jurídica e uma pressão psicológica que afeta inevitavelmente minha saúde, considerando que sou um homem de quase 65 anos, hipertenso e com um passado de deplorável violação dos meus direitos políticos e da minha liberdade.
Hoje, quando um amigo me telefona, sua primeira pergunta é: você continua vereador ou já foi cassado por outra liminar? Sim, porque quando eu cheguei a festejar uma sentença, pronunciada em 28 de setembro pela juíza Jacqueline Montenegro, cinco dias depois uma Câmara Civil concedia ao segundo suplente um agravo, algo que, pela interpretação do Código de Processo Civil, teria perdido o objeto.
Essa leitura foi também do suplente, que no mesmo dia se dirigiu ao PDT e requereu sua desfiliação para agregar-se a outra legenda (que eu saiba, em seis anos, ele já foi do PSDB, PFL, PT do B, PDT, PHS e agora está no PSC). Com essa atitude absolutamente espontânea, seu pleito PERDEU O OBJETO, como dirá qualquer juiz.
Esse foi igualmente o sereno entendimento da desembargadora Letícia Sardas, que teve a dignidade de rever seu voto e suspender o acórdão, dando efeitos infringentes aos embargos de declaração formulados pelos advogados Siqueira Castro e Adriana Conrado Zamponi, bem como pelo procurador da Câmara, Flávio Brito.
Eu jamais poderia imaginar que um novo desembargador entrasse no caso, e, nas vésperas do recesso forense, concedesse uma nova liminar, na contramão do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com sua medida, ele tirou o mandato do PDT e passou para o PSC, uma negação da jurisprudência da fidelidade partidária.
Por que isso? Eu jamais renunciei ao mandato, muito menos quando não o detinha. Admitir que eu tenha feito isso não é questão de hermenêutica - é ultrapassar a fronteira da serenidade. A própria Assessoria Jurídica do PDT, que entrou no processo como minha assistente, reconheceu que a declaração apresentada, com data de 2004, é um documento obrigatório para qualquer candidato. Logo, sem efeito jurídico nenhum. E foi assinado inclusive pelo beneficiário da nova liminar, com firma reconhecida e tudo.
Bem, se ao menos um magistrado tomar conhecimento deste depoimento, eu já me dou por satisfeito. Independente disso, voltarei ao assunto porque devo essa informação também a você.
coluna@pedroporfirio.com